sexta-feira, 29 de maio de 2015

Duas razões para assistir o documentário “Mission Blue”

Por Jana del Favero e Catarina Marcolin

No nosso primeiro post da sessão mulheres “ Desafios antigos para mulheres atuais” recebemos uma sugestão do Prof. Otto Müller P. Oliveira para que fizéssemos uma postagem sobre o documentário “Mission Blue”. E de fato, esse documentário merece uma menção especial em nosso blog, pois além da excelente produção, o conteúdo é inspirador.

O documentário “Mission Blue” foi lançado em 2014 e conta a história desta incrível bióloga marinha, Sylvia Alice Earle, exploradora, autora, mãe, avó (entre outros mil títulos possíveis) e sua campanha para criar uma rede global de áreas marinhas protegidas, as chamadas “Hope Spots” (áreas de esperança).




Ao assistir o filme é impossível não se apaixonar e se inspirar por dois "personagens". O primeiro é a própria organização, também chamada de Mission Blue (http://mission-blue.org), que foi formada em resposta ao prêmio recebido por Sylvia Earle no ano de 2009 no “TED PRIZE WISH” (assista a palestra aqui). Nessa palestra, a Dra. Earle faz um apelo para que se usem todos os meios possíveis (filmes, expedições, internet, novos submarinos) numa campanha para conquistar apoio público que suporte uma rede global de áreas marinhas protegidas. Se esses “pontos de esperança” forem grandes o suficiente, será possível salvar e restaurar o coração azul do planeta! Hoje o Mission Blue é formado por mais de 100 grupos que se preocupam com a conservação dos oceanos, desde empresas multinacionais até equipes de cientistas. O site do Mission Blue traz uma interessante e assustadora estatística: atualmente apenas 2% dos oceanos estão completamente protegidos, indicando a importância deste tipo de iniciativa.


Fonte: http://www.ted.com/participate/ted-prize/prize-winning-wishes/mission-blue-sylvia-earle

O segundo motivo é a personagem principal, Sylvia Earle, uma senhora que fará 80 anos em agosto deste ano e continua ativamente estudando, explorando, mergulhando e defendendo os oceanos (saiba mais). Sylvia terminou o colégio com apenas 16 anos, a graduação com 19 e o mestrado com 20. Durante o doutorado esse ritmo foi diminuído, devido ao casamento e filhos, mas logo Sylvia retornou ao seu ritmo frenético. Em 1964, quando seus filhos tinham apenas 2 e 4 anos ela viajou por 6 semanas para participar de uma expedição no Oceano Índico. Segundo Sylvia, ela não sabia que seria a única mulher a bordo, pois tinha sido convidada como única botânica, não como única mulher. Um repórter a abordou em Mombassa, no Kenia, de onde o navio partiria, e Sylvia relata que estava interessada em falar do trabalho, mas tudo que o repórter queria saber era como seria sua estadia em alto mar com tantos homens. No final, a chamada da matéria foi: "Sylvia Sails Away With 70 Men, But She Expects No Problems" (Sylvia navegará com 70 homens, mas ela não espera problemas).

Apesar de tudo ter corrido aparentemente bem, Sylvia deixa implícito em algumas entrevistas que as expedições científicas podem ter levado ao fim o seu primeiro casamento. Essa é uma dificuldade recorrente encontrada no mundo científico, afinal de contas são muito comuns os trabalhos onde o(a) cientista precisa se ausentar por dezenas de dias, às vezes meses, sem comunicação alguma com a família. Em 1966 Sylvia terminou seu doutorado e em 1968 viajou à 30 m de profundidade nas águas de Bahamas a bordo de um submersível, estando grávida de 4 meses do seu terceiro filho e já no seu segundo casamento.

Em 1969 ela se inscreveu para participar do projeto Tektite, no qual cientistas viveram semanas em um laboratório no fundo do mar, a 15 m de profundidade. Apesar de mais de 1000 horas de mergulho e da excelente proposta escrita, não foi permitido à Sylvia que convivesse com outros homens debaixo d’água no Tektike I. Mas no ano seguinte, houve o convite para que Sylvia liderasse o Tektite II, então com uma equipe só de mulheres. O sucesso dessa equipe de mulheres foi um importante marco e abriu precedentes para que futuras expedições aquáticas incluíssem mulheres em suas equipes, e isso influenciou ainda a inclusão de mulheres em expedições espaciais.


Foto: Bates Littlehales. Fonte: http://images.nationalgeographic.com/wpf/media-live/photos/000/450/cache/sylvia-earle-habitat-window_45011_600x450.jpg

Depois de sua experiência como “sereia”, Sylvia se tornou um rosto popular na mídia e sua carreira decolou (diríamos que além de tudo, ela tem um rosto muito belo). Em 1979 Sylvia caminha no fundo oceânico em uma profundidade nunca então pisada por qualquer outro humano, usando o chamado JIM SUIT, a quase 400 m de profundidade. Essa aventura resultou no livro “Exploring the Deep Frontier”.

Dra. Sylvia Earle no submarino Deep Rover. Fonte: http://science.kqed.org/quest/files/2012/05/Sylvia-Earle-in-a-Deep-Rover_horiz.jpg

Na década de 80, junto ao engenheiro Graham Hawkes, ela começou uma empresa para criar veículos submersíveis, como o Deep Rover. Essa parceria culminou em seu terceiro casamento, sendo que dessa vez seus únicos filhos foram os submarinos por eles criados. Uma de suas filhas atualmente trabalha com ela em sua empresa.

Ao perguntarem se Sylvia teve problemas em conciliar família e carreira, ela diz que sim, vários, e que ela tentou rearranjar sua vida, tendo um laboratório e uma biblioteca dentro de casa. Para as mulheres que sonham em seguir uma carreira científica e formar famílias, Sylvia aconselha: “Tentem, nunca se saberá como será se não tentar”.

Fonte: http://mission-blue.org/wp-content/uploads/2013/01/IMG_1065.jpg


Fonte: http://www.achievement.org/achievers/ear0/photos/ear0-052a.gif

Além do próprio documentário, recomendamos a entrevista em:
http://www.achievement.org/autodoc/page/ear0int-1

E que vejam o curto vídeo: http://voices.nationalgeographic.com/2013/06/14/in-her-words-sylvia-earle-on-women-in-science/?source=newsbundlearticles


terça-feira, 26 de maio de 2015

O vírus nem sempre é o vilão!

Por Catarina Marcolin


Quem nunca ficou de cama por causa de uma "virose"? De modo geral, os vírus são sempre associados a situações ruins nas nossas vidas, a mal estar e doenças (perigosas ou não). Mas nos oceanos, os vírus tem um papel muito importante.

Em primeiro lugar, você precisa saber que os vírus podem infectar praticamente todas as formas de vida, incluindo bactérias, archaea e microeucariontes, os quais são a base das redes tróficas dos oceanos. E vocês sabiam que um determinado grupo de bactérias marinhas (SAR11) é considerado o grupo de organismos mais abundante do nosso planeta? As SAR11 conseguem habitar lugares onde a maioria dos outros organismos não consegue sobreviver. Essas bactérias marinhas tem uma distribuição tão fantástica que antes acreditava-se que elas eram invulneráveis. Mas há apenas dois anos, descobriu-se que um grupo de vírus marinhos (“pelagiphages”, ou pelagifagos, termo em português) conseguem infectar e matar milhões dessas bactérias SAR11 por segundo. Já já você vai descobrir porque isso é tão importante.



SAR11: As bactérias de maior sucesso no planeta são marinhas. Fonte: http://www.attendconference.com/blog/wp-content/uploads/2011/07/bacteria-cells_0-300x244.jpg

Estudos da década de 90 e anos 2000 já demonstravam que a infecção viral, ao provocar a morte do hospedeiro, libera material celular (ou seja, nutrientes e carbono) de volta na alça microbiana dos oceanos. Mas um momento, o que é alça microbiana?

Antes ainda de falarmos de alça microbiana, precisamos falar sobre a rede trófica, que representa as relações de alimentação entre os organismos. É através da rede trófica que a energia emitida pelo sol consegue chegar a todos os seres vivos, inclusive nós, simples humanos. A energia solar é absorvida e convertida em carbono pelos produtores primários (fitoplâncton), que são consumidos pelo zooplâncton, que é então consumido por peixes, que são consumidos por peixes maiores, aves e/ou baleias. Mas essa clássica descrição da rede trófica (fitoplâncton-zooplâncton-peixe) é apenas um componente de um ciclo mais complexo. E apesar de a alça microbiana ser muito menos conhecida, ela não é menos importante.

Voltamos então para o que é essa tal alça microbiana. É simplesmente o processo pelo qual a comunidade microbiana (especialmente bactérias) degrada matéria orgânica. Essa matéria orgânica pode ser derivada da excreção dos organismos, do sloppy feeding do zooplâncton (quando o zoo não consome sua comida por inteiro, liberando partes não consumidas deste alimento para o oceano ao seu redor), bem como pela quebra e dissolução de materiais de plantas, entre outros. Essa matéria orgânica não está inicialmente disponível para absorção direta pela maioria dos organismos. O grande papel das bactérias é reintroduzir esse carbono de volta no ciclo, ou seja, na rede trófica. E isso representa uma fonte adicional de energia muito importante no sistema. Saiba mais sobre estes processos acompanhando a legenda do esquema abaixo, publicado na revista Nature. 

1) Conversão de carbono inorgânico em orgânico pelo fitoplâncton; 2) liberação de matéria orgânica dissolvida (DOM, que inclui as formas dissolvidas do nitrogênio e fósforo, DON e DOP em inglês) e particulada (POM, que inclui as formas particuladas de carbono, nitrogênio e fósforo, POC e PON e POP) do fitoplâncton; 3) consumo de fitoplâncton pelo zooplâncton; 4) alça microbiana: mineralização (liberação de CO2 pela respiração durante o catabolismo da matéria orgânica) e reciclagem da matéria orgânica por bactérias heterotróficas. Uma parte das bactérias é consumida pelo zooplâncton; bactérias heterotróficas também contribuem para a remineralização dos nutrientes orgânicos em formas inorgânicas, que se tornam então disponíveis para o fitoplâncton. 5) A bomba de carbono microbiana é a transformação de carbono orgânico em carbono orgânico dissolvido (DOC) recalcitrante (que resiste a degradação) e é sequestrado para o fundo dos oceanos por milhares de anos. 6) A bomba biológica é a exportação de POM derivada do fitoplâncton da superfície para as profundezas dos oceanos através por afundamento. 7) Finalmente, o "viral shunt" descreve a contribuição dos vírus ao provocar o rompimento das células e liberar matéria orgânica particulada e dissolvida do fito e zooplâncton para o pool de bactérias. Fonte: http://www.nature.com/nrmicro/journal/v12/n10/fig_tab/nrmicro3326_F1.html





O termo alça microbiana foi criado por um cientista paquistanês muito famoso chamado Farooq Azam, e por seus colaboradores. Eu pude assistir uma palestra belíssima do Dr. Azam no congresso da ASLO (uma associação que reúne cientistas das áreas de limnologia e oceanografia; http://aslo.org/index.php) em 2013, em New Orleans. Ele tinha apenas um slide e estourou o tempo que tinha para falar, mas ninguém teve coragem de interromper, pois era como escutar um conto de fadas, onde os micróbios eram o personagem principal, contada pelo próprio escritor da fábula. Imperdível! Quer saber mais sobre o trabalho deste pesquisador, acesse sua página (http://azamlab.eng.ucsd.edu/publications).

Mas vamos voltar ao personagem principal desta história, os vírus! Como falei no início do post, os vírus tem um papel importante na alça microbiana. Experimentos em laboratório indicaram que essa liberação de material celular pelos vírus pode ter o efeito de estimular o crescimento da comunidade microbiana. E já existem evidências de que os vírus são responsáveis pelo turn over (ou seja, pela renovação) de 20-50% da comunidade bacteriana por dia. Se essas estimativas representam bem a realidade, então os vírus devem aumentar o fluxo de matéria orgânica (carbono) para o fundo dos oceanos, quando comparados com ecossistemas sem vírus. E isso é importante porque o clima do nosso planeta é regulado, em grande parte, pelo fluxo de carbono para o fundo dos oceanos, que é mediado por organismos vivos (a tão famosa bomba biológica, descrita na imagem acima). Ou seja, o fato de este ano estar quente pra chuchu na sua cidade, tem uma certa associação com o equilíbrio dos fluxos de carbono em diferentes partes dos oceanos no mundo.

Ainda sabemos pouco muito pouco sobre os vírus marinhos. Os vírus da foto ao lado foram isolados durante a expedição TARA Oceans (http://oceans.taraexpeditions.org/). Eles são tão pequenos, que precisaríamos alinhar 250 deles para termos a espessura de um fio de cabelo. Os estudos mais recentes indicam que esses pelagifagos sejam quase tão abundantes quanto as bactérias SAR11, as "invulneráveis" descritas acima. Portanto, saber mais sobre os vírus marinhos nos ajudará a entender melhor sobre como o carbono é estocado e liberado nos oceanos. Apesar da minha gripe da semana passada não ter relação nenhuma com esses organismos fantásticos, eles  tem tudo a ver com o equilíbrio do nosso planeta.


Um tipo de vírus marinho coletado durante a expedição Tara Oceans. Fonte: http://uanews.org/story/ua-scientists-help-discover-most-abundant-ocean-virus


Se você gostou do post de hoje, deixe um comentário! Assim poderemos buscar convidados para explorar melhor os tema de interesse do nosso público. 

 Até a próxima! 

Artigos consultados e notícias interessantes:

Shelford EJ, Middelboe MM, Møller EF, Suttle CAS. (2012). Virus-driven nitrogen cycling enhances phytoplankton growth. Aquat Microbial Ecol, 66: 41–46

Weitz J. S. et al., 2014. A multitrophic model to quantify the effects of marine viruses on microbial food webs and ecosystem processes. The ISME Journal, 1–13


Buchan, A.; LeCleir, G. R.; Gulvik, C. A.; Gonzalez, J. M. (2014). Master recyclers: features and functions of bacteria associated with phytoplankton blooms. Nature Reviews Microbiology, 12, 686 - 698

http://uanews.org/story/ua-scientists-help-discover-most-abundant-ocean-virus

sexta-feira, 22 de maio de 2015

O “sexo” realmente importa?

Por Jana M. del Favero

Ilustração: Silvia Gonsales.

Uma releitura e atualizações do texto de Ben A. Barres: “Does gender matter?” (O gênero importa?), publicado na revista Nature (volume 442) em 2006.

No meu primeiro post aqui no blog Desafios antigos para mulheres atuais apresentei brevemente algumas dificuldades que as mulheres sofrem nas ciências marinhas. Mas minha pergunta neste post é: o gênero realmente importa?

E foi pesquisando sobre essa pergunta que encontrei um trabalho na revista Nature escrito por Ben A. Barres, professor da Universidade de Stanford (EUA) e transgênero (mudou de mulher para homem, então segundo o próprio autor ele tem propriedade para discutir o assunto), e é a partir dessa publicação que me inspirei para esse post.

Ben Barres começa seu trabalho apresentando a hipótese, cada vez mais defendida por grandes acadêmicos de que as mulheres não avançam na carreira científica por serem naturalmente menos capazes e não por discriminação ou qualquer outra razão. Eu não interpretei errado (infelizmente), mas segundo alguns pesquisadores, homens são, “em média”, biologicamente melhores em sistematizar, analisar e em competir, enquanto as mulheres não gostam de competir, não se arriscam e são muito emotivas, e isso estaria prejudicando suas carreiras (veja detalhes em: Lawrence, 2006; Mansfield, 2006). Eu particularmente compartilho da idéia do Ben Barres de que a curiosidade e a criatividade são os pilares que sustentam grandes cientistas, e não a aptidão para competição.

Além disso, é comum escutarmos que homens são biologicamente melhores em matemática do que mulheres (vamos lembrar aqui que oceanografia é considerada uma ciência exata). Porém, um estudo com mais de 20.000 notas de matemática de crianças de 4 a 18 anos não mostrou diferenças entre as notas de homens e mulheres (Leahey & Guo, 2001). Então, se habilidade intelectual inata não é a culpada da morosidade do avanço das mulheres na carreira científica, o que seria? Nosso autor conta que quando “ela” (na época ele ainda era ela, então tratarei por “ela”) era uma aluna de graduação do MIT (Massachusetts Institute of Technology) “ela” era a única da sala de um monte de homens a resolver problemas difíceis de matemática, e ainda tinha que escutar do professor que provavelmente era o namorado dela que tinha resolvido. Ele lembra também de quando perdeu uma colocação para um homem, mesmo depois do diretor de Harvard ter avisado que “ela” tinha seis publicações de alto-impacto, enquanto seu concorrente apenas uma. E ainda foi obrigado a ouvir de um professor, depois da mudança de sexo, que o seu trabalho era muito melhor do que o “da sua irmã” (então mudar de mulher para homem deixa a pessoa mais inteligente? Estou confusa...). 

Mas o caso do nosso autor não é um caso isolado, um estudo mostrou que mulheres aplicando para um financiamento acadêmico precisam ser 2,5 vezes mais produtivas do que os homens para serem consideradas igualmente competentes (Wenneras & Wold, 1997). 


Figura 1. Revisores classificam com menores notas as mulheres do que homens com a mesma produtividade (Fonte: Barres, 2006).

E, mesmo depois de conseguirem uma boa colocação, as mulheres ainda passam por diversas dificuldades. Lembram do caso do MIT que eu cito em meu primeiro post, em que havia uma diferença salarial entre os professores e as professoras? Ou ainda um caso ocorrido recentemente, no qual uma pesquisadora recebeu a avaliação do seu trabalho submetido a uma revista de grande impacto nas ciências biológicas, sugerindo que co-autores do sexo masculino fossem adicionados para melhorá-lo (difícil acreditar né? Veja detalhes em:  http://news.sciencemag.org/scientific-community/2015/04/sexist-peer-review-elicits-furious-twitter-response). 


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Pesquisadora diz no twitter a conclusão do revisor do seu manuscrito: “nos deveríamos ter um nome masculino no manuscrito para melhorá-lo”.  

Então, se a discriminação não tem nenhuma parcela de culpa na baixa representatividade de mulheres cientistas, o que poderia explicar os fatos citados acima? O que explicaria um estudo recente que relata que os professores (homens) tendem a aceitar menos estudantes do sexo feminino e pós-doutorandas em seus laboratórios,  enquanto professoras não apresentam preferências de gênero na seleção de um orientado (detalhes em Sheltzer & Smith, 2014)? Ressalto ainda que esse estudo foi feito em laboratórios de biologia, fugindo daquele mito que mulheres são piores em ciências exatas (ou somos piores em biologia também?).

Mas não quero que esse post alimente a guerra dos sexos, pois como já dizia Henry Kissinger “Nobody will ever win the battle of the sexes; there’s just too much fraternizing with the enemy” (Ninguém nunca vencerá a batalha entre os sexos, há simplesmente muita confraternização entre os inimigos). O que eu desejo com essa postagem é mostrar que há fatos concretos de discriminação de gênero na academia, e que tanto mulheres quanto homens deveriam lutar para diminuir as diferenças existentes. 

Um primeiro passo para a diminuição das diferenças seria que  ambos os sexos parassem de negar que o problema persiste. Inexplicavelmente as mulheres negam tanto quanto os homens que o viés genérico exista (Rhode, 1997). Um outro passo seria aumentar a autoconfiança do sexo feminino (o tão falado empoderamento), pois ao escutar repetitivamente que somos menos capazes que os homens, a autoconfiança diminui e a ambição é ofuscada, aumentando o número de mulheres que desistem de suas carreiras na ciência (Feels, 2004). E um terceiro passo, que é exatamente o que tentamos fazer neste blog, é conhecer e discutir o problema, pois apenas com conhecimento da causa, ela poderá ser ganha. 

E então, vamos falar de sexo?!

Referências:

Fels, A. 2004. Necessary Dreams. Pantheon Press, New York.

Lawrence, P. A. 2006. Men, Women, and Ghosts in Science. PLoS Biol. 4, 13–15.

Leahey, E. & Guo, G. 2001. Gender Differences in Mathematical Trajectories. Soc. Forces. 80 (2), 713–732.

Mansfield, H. 2006. Manliness. Yale Univ. Press, New Haven.

Rhode, D. L. 1997. Speaking of Sex: The Denial of Gender Inequality. Harvard Univ. Press, 
Cambridge.

Sheltzer, J. M. & Smith, J. C. 2014. Elite male faculty in the life sciences employ fewer women. PNAS, 111 (28), 10107–10112.

Wenneras, C. & Wold, A. 1997. Nepotism and sexism in peer-review. Nature 387, 341–343.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Como saber a idade de um peixe e outras coisas mais...


Por Cláudia Namiki

Você já quis saber qual a idade de um peixe? Se ele nasce em um aquário, isso é fácil de saber, mas e se ele é capturado na natureza? Como você saberia quantos anos o bicho tem?

Os peixes ósseos possuem estruturas chamadas otólitos que são localizadas no ouvido interno, e estão relacionadas com os mecanismos de equilíbrio e audição. Em Portugal, também são conhecidos como “pedras do juízo”, o que faz muito sentido, já que estão encontrados na cabeça  dos peixes! São três pares de otólitos e cada um possui um nome diferente: sagitta, lapillus e asteriscus. (Gostaria de saber por que cada um deles recebeu esse nome, mas ainda não encontrei a resposta…). O crescimento dos otólitos ocorre através da deposição alternada de carbonato de cálcio e proteína, formando anéis que podem ser observados em um corte transversal, assim como aqueles observados nos troncos das árvores. 



Otólitos de larvas de Myctophum affine. Fotos: Cláudia Namiki. 


Em peixes adultos o otólito é grande, e é preciso cortar, lixar e polir até que os anéis estejam visíveis. Nas larvas de peixes os otólitos são muito pequenos e não é preciso fazer nada disso, pois os anéis são visíveis através dos otólitos quando utilizamos o microscópio. Nesse caso, o maior trabalho é retirar os otólitos das larvas que medem entre 2,0 mm até no máximo 2,0 cm. Se a larva é tão pequena, imagine o tamanho do otólito!! Dá um certo trabalho realizar essa tarefa, dizem até que é coisa para pessoas com paciência oriental. Eu acho que utilizei os 25% do meu DNA japonês quando estudei o crescimento das larvas de uma espécie de peixe lanterna muito abundante na costa brasileira: Myctophum affine. Vou ficar devendo um nome popular, porque, apesar de abundante e muito apreciada como alimento por outros peixes, não é utilizada para consumo humano e, portanto é uma ilustre desconhecida para a maioria de nós.


A ilustre desconhecida Myctophum affine. Foto: Gabriel Monteiro.


Olha o tamanho de um otólito de larva de peixe, esse é dos grandes hein! Foto: Campana, S.E. http://www.marinebiodiversity.ca/otolith/english/preparation.html

Mas e aí? O que isso tem a ver com o tema? Como podemos saber a idade de um peixe?

Acontece que a formação dos anéis dos otólitos é diária em larvas de peixes e anual em peixes adultos, na maioria dos casos. Dessa forma, contando o número de anéis presentes em um otólito, podemos saber qual a idade do peixe, em anos ou em dias, dependendo do momento da vida em que o peixe se encontra. Mas, o mais interessante é que podemos relacionar a idade com o comprimento e, com dados de vários peixes em mãos, podemos saber em quanto tempo uma espécie atinge um certo tamanho. Por exemplo, as larvas da ilustre desconhecida M. affine podem aumentar  seu tamanho em mais de quatro vezes em menos de um mês! É muito rápido! Larvas de outras espécies mais populares como sardinha e chicharro também crescem com uma velocidade parecida. 

Conhecer qual é a velocidade de crescimento das larvas e juvenis de peixes é importante para saber quanto tempo cada espécie demora até se tornar um adulto e poder reproduzir. Essa velocidade de crescimento pode ser influenciada por diversos fatores. Entre eles a temperatura parece ser um dos mais importantes, pois temperaturas mais altas aceleram o metabolismo e tornam o crescimento mais rápido. Olha que interessante, se nós fôssemos parecidos com os peixes, cresceríamos mais rapido no Brasil do que na Rússia! Por exemplo, os peixes lanterna podem demorar desde apenas 27 dias para se tornar um jovem (espécies de clima tropical) até 80 dias (espécies de clima frio).

Quando comecei os estudos com otólitos eu estava interessada somente na idade e no crescimento das larvas de peixes, mas descobri que essas estruturas são ainda mais fascinantes, porque são bastante resistentes (no caso dos peixes adultos) e sua forma é única para cada espécie. Essas características permitem utilizar os otólitos encontrados no estômago de outros indivíduos e em sítios arqueológicos para identificar a espécie que foi consumida, ou que habitava determinado local há milhares de anos. A forma é tão importante que muitos trabalhos são dedicados à descrever os otólitos, e entre eles está um atlas de identificação de otólitos publicado recentemente na Brazilian Journal of Oceanography, por pesquisadores do Instituto Oceanográfico da USP (http://dx.doi.org/10.1590/S1679-875920140637062sp1)  (e que contém ilustrações lindíssimas da nossa ilustradora e oceanógrafa Silvia Gonsales). 


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Otólitos de Cangoá (Stellifer rastrifer) ilustrados por Silvia Gonsales. http://dx.doi.org/10.1590/S1679-875920140637062sp1

Otólito_Stellifer_rastrifer_foto.tif
Otóltos de Cangoá (Stellifer rastrifer) fotografados
 por
Cesar Santificetur.
Link de acesso.


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E aqui o próprio Cangoá (Stellifer rastrifer). Foto:
Carvalho Filho, A.

Link de acesso.

Além de tudo isso, os otólitos ainda carregam informações do ambiente por onde o peixe andou (ou seria melhor dizer nadou?). Sabendo quais elementos químicos estão presentes nos otólitos é possível saber onde o peixe esteve ao longo de sua vida. 

Assim, enquanto para os peixes os otólitos podem ser simples instrumentos de orientação, para nós é um mundo de informação sobre a história de vida desses organismos tão importantes.

Se quiser saber mais, acesse:

http://www.usp.br/cossbrasil/doc_labic.php

Campana, S.E. 2011. Otolith Microstructure Preparation. Disponível em: http://www.marinebiodiversity.ca/otolith/english/preparation.html

Campana, S. E. & Jones, C. M. 1992. Analysis of otolith microstructure data. In Otolith Microstructure Examination and Analysis (Stevenson, D. K. & Campana, S. E., eds), pp. 73–100. Canadian Special Publication of Fisheries and Aquatic Sciences 117.

Conley, W. J. & Gartner, J. V. 2009. Growth among larvae of lanternfishes (Teleostei: Myctophidae) from the Eastern Gulf of Mexico. Bulletin of Marine Science 84, 123–135.

Katsuragawa, M. & Ekau, W. 2003. Distribution, growth and mortality of young rough scad, Trachurus lathami, in the south-eastern Brazilian Bight. Journal of Applied Ichthyology, 19, 21–28.

Namiki, C.; Katsuragawa, M.; Zani-Teixeira, M. L. 2015. Growth and mortality of larval Myctophum affine (Myctophidae, Teleostei). Journal of Fish Biology, 86, 1335-1347. doi:10.1111/jfb.12643, Disponível em: wileyonlinelibrary.com

Rossi-Wongtschowski, C.L.D.B., Siliprandi, C.C., Brenha, M.R.,Gonsales, S.A., Santificetur, C., Vaz-dos-Santos, A.M. 2014.Atlas of marine bony fish otoliths (sagittae) of Southeastern- Southern Brazil Part I: Gadiformes Macrouridae, Moridae, Bregmacerotidae, Phycidae And Merlucciidae); Part II: Perciformes (Carangidae, Sciaenidae, Scombridae And Serranidae). Brazilian Journal of Oceanography, 62(special issue):1-103. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-875920140637062sp1

Zavalla-Camin, L. A., Grassi, R. T. B., Von Seckendorff, R.W. & Tiago, G. G.1991. Ocorrência de recursos epipelágicos na posição 22°11’S - 039°55’W, Brasil. Boletim do Instituto de Pesca 18, 13–21.


sexta-feira, 15 de maio de 2015

O filho que concorreu com a ciência e empatou

Por Rafael Flaquer Soares


O meu primeiro aniversário foi, por assim dizer, um estouro; nesse pouco tempo de vida eu já podia orgulhar-me de ter ido a uma grande aventura, que foi morar nos Estados Unidos e voltar para contar a história. Por causa do meu pai eu passaria os meus próximos anos lá, por isso essa festa servia como uma forma de despedida temporária de parentes e amigos. Mas apesar de ter me divertido muito na festa, era possível perceber certo nervosismo exagerado em minha mãe, um tipo de estresse típico de quem tenta acumular mais tarefas do que parece humanamente possível e então fica sobrecarregada pelas consequências.


Isa e Rafa no Cassino.
Naquela época eu não tinha como saber, mas ela estava se preparando para defender a sua dissertação de mestrado. A preocupação e o esforço pagaram bem, já que ela conseguiu um dez com distinção. Mas para entender de fato o tamanho desse esforço e o que foi exigido dela enquanto mãe, eu preciso voltar ainda mais, para uma época em que eu nem havia nascido.

Minha mãe conheceu o meu pai em 1991, pouco antes de começar o mestrado. Até então, o seu único objetivo era o acadêmico, e o doutorado parecia um sonho possível. De início, o relacionamento dos dois parecia não interferir muito na situação, os dois sendo alunos e morando juntos em São Paulo. Foi só em 1993 que surgiu o primeiro problema: meu pai, que estava um ano já há frente, terminou o mestrado e passou no concurso para professor na FURG. Sendo uma oportunidade sem igual na sua área, ele imediatamente seguiu para lá.


Experimentos a bordo do NOc W. Besnard.
Experimental Hatchery na RSMAS.












O problema era que a minha mãe não havia terminado o mestrado dela ainda e agora se encontrava dividida entre seguir o seu futuro marido ou a sua sonhada carreira. Ela até tentou trabalhar e estudar por dois meses em São Paulo, mas acabou cedendo à pressão e seguindo para Rio Grande com o mestrado ainda incompleto. Desse reencontro eu fui concebido, e em dezembro de 1995 eu nasci. Um ano de trancamento foi concedido em resposta à gravidez, uma pausa bem-vinda mas demasiadamente curta para garantir um bom crescimento a qualquer filho.

A situação complicou-se ainda mais no ano seguinte, quando meu pai conseguiu a oportunidade de fazer um PhD nos Estados Unidos com uma bolsa de estudo. Seria uma viagem de muitos sacrifícios, mas também de grandes recompensas, e por isso meu pai decidiu aceitá-la. O problema era que estes sacrifícios não seriam apenas dele...

Eu tinha ainda pouquíssimos meses quando meus pais se casaram. Foi um casamento engraçado e desastrado, feito em cartório e com marido e mulher separados por todo um oceano de distância. Ter um pai que ganharia um título tão importante como o de PhD era o máximo e a minha mãe concordou com a ideia, mas aquilo tudo também significava que ela, além de mãe e bióloga, agora teria que ser também esposa. Quantas coisas, eu perguntava-me, ela poderia ser até acabar não sendo uma coisa nem outra? A resposta, para minha surpresa, era um número maior do que eu imaginava.
Isa na defesa.

Passei dois meses em Miami, após os quais retornei para o meu aniversário e para a defesa da minha mãe. E por mais ilustre que a defesa do mestrado tenha sido, ela marcou o começo do grande hiato acadêmico para minha mãe, um hiato que lhe custaria projetos e publicações, pois tivemos que voltar a Miami logo em seguida. Uma diferença como essa, de aproximadamente 10 anos, não era do tipo que fosse possível superar depois.

Mas era preciso. Como minha mãe poderia deixar que o seu filho crescesse sem mãe nem pai? Alguém tinha de me criar, ensinar-me os valores e a ética que pais inexperientes esperam que os seus filhos aprendam nas escolas. Mas um bom pai sabe que essa educação só se aprende em casa, com os entes queridos. Eu também não ajudava muito, claro; em meus primeiros anos era extremamente próximo de minha mãe e um dia longe dela deixava-me aos prantos.
Isa e Rafa em Miami.

O resultado de tudo foi que, de 1997 até 1999 eu e a minha mãe cuidamos da casa enquanto meu pai buscava levar a sua carreira o mais longe possível para sustentar a todos nós no futuro. Foi só no ano de véspera do milênio que eu estava pronto para enfrentar o mundo sozinho nos dias da semana; a escola foi escolhida a dedo, para certificar-se de que eu teria apenas a ganhar saindo de casa. Minha mãe aproveitou a oportunidade para tentar retornar um pouco à sua carreira, conseguindo um estágio na Experimental Hatchery (na University of Miami) pelo ano seguinte. Nessa época, ela cumpria o papel de assistente de pesquisa até às 14 horas, então, de mãe e dona de casa o resto do dia e esposa em tempo integral.

O estágio acabou-se, bem como a bolsa de PhD, nos anos 2001. Eu retornei com a minha mãe um pouco antes, onde passei o meu aniversário de cinco anos e por onde ficamos alguns meses enquanto meu pai terminava a sua pós-graduação. Ele chegou ao final do ano e, então, retornamos todos à cidade de Rio Grande, onde tudo poderia retornar ao normal. Mas as coisas não voltaram ao normal. Depois de um ano meus pais se separaram e eu parti com a minha mãe de volta a São Paulo.

Chegou-se, então, ao ponto crítico da história. Por um momento parecia que éramos apenas eu e a minha mãe contra o mundo, sem casa, sem dinheiro e sem perspectiva de emprego algum na maior cidade do Brasil. A situação parecia desesperadora, mas são nas noites mais escuras em que as estrelas brilham mais fortes; meus avós ofereceram a sua casa para a nossa estadia e, de lá, a minha mãe começou o longo processo de reconstruir a sua carreira. Custou-lhe vários anos, mas tudo valeu a pena e, em 2009, se formou doutora e logo em seguida fez seu pós-doc.

Hoje em dia, a minha mãe é bolsista no Instituto Oceanográfico e tem o que é preciso para viver com dignidade. Eu vivo muito feliz com o meu pai em Curitiba agora, mas nunca vou esquecer e devo muito à educação excepcional para a minha geração que me foi concedida nos meus anos mais novos. Tudo isso porque, apesar de tudo, eu garanto que a minha mãe encarou os desafios da sua vida com distinção e foi uma dezena de coisas ao mesmo tempo sem nunca esquecer quem ela era. Se isso não é o verdadeiro significado de ser doutora e mãe, eu não sei qual é.


Meu nome é Rafael Flaquer Soares e tenho 19 anos. Nasci em São Paulo, cresci nesta cidade, nos Estados Unidos e em Rio Grande (RS). Moro agora em Curitiba e faço o curso de Engenharia Mecânica na UFPR, mas também sou escritor amador.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Três minutos, 1 slide, e os ovos de peixes


Você seria capaz de falar da sua pesquisa para um público de diferentes áreas,  em apenas 3 minutos e com um único slide? Esse é o objetivo de uma competição chamada Three Minute Thesis (3MT), criada em 2008 pela Universidade de Queensland, Austrália, e realizada já desde 2011 na Universidade de Massachusetts Dartmouth, EUA, onde eu estou (detalhes sobre a competição aqui: http://threeminutethesis.org).

E foi pensando nos objetivos desse blog que resolvi participar dessa competição, pois ela faz exatamente o que tentamos fazer, falar de ciências para um público diverso. Me inscrevi pensando apenas no treino, tanto na elaboração do texto, quanto na apresentação (ainda mais sendo feita em língua inglesa), depois lógico que queria ganhar. Quem não quer ganhar $1.000,00?

Infelizmente não fiquei rica no dia 29 de abril de 2015, mas como eu já esperava, foi um ótimo treino e muita divertida a competição. Foi interessante ver trabalhos de várias áreas: engenharia, artes, administração etc. Havia pessoas nervosas e pessoas que pareciam ter saído de um palco de teatro. Dá para ver alguns vídeos de anos anteriores acessando o seguinte site: http://www.umassd.edu/graduate/spotlights/three-minutethesiscompetition/.
Abaixo vocês podem ler o texto que apresentei traduzido para o português.

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“Identificação de ovos de peixes


Muitas pessoas não sabem, mas o manejo pesqueiro não é baseado apenas em dados de peixes adultos. É importante também estudar os estágios de desenvolvimento iniciais para um melhor manejo pesqueiro. Por exemplo, como a maioria dos ovos de peixes são desovados na coluna de água, saber onde estão e quando são abundantes ajuda a definir áreas e períodos de desova. Mas antes de fazer qualquer tipo de estudo sobre peixes, é necessário saber quem é quem. A identificação de ovos de peixes é difícil e requer bastante tempo.  Depois da coleta a bordo, é necessário triar todos os ovos da amostra de plâncton, usando um estereomicroscópio (uma lupa). A separação dos ovos da família (chamada Engraulidae) que eu estou estudando é fácil, pois eles apresentam formato elipsóide (ver foto do slide apresentado). O problema é em alcançar a identificação específica. Como cada grupo apresenta diferentes tamanhos e formatos, a identificação era comumente feita medindo manualmente cada ovos e então contando.

Único slide apresentado na competição (traduzido). O desenho dos ovos é de Natakatani (1982).


No meu projeto de doutorado, eu quero analisar as flutuações de longo prazo na abundância e distribuição dos ovos de um peixe popularmente conhecido como Anchoíta, na costa brasileira. Este pequeno peixe é um importante recurso pesqueiro na Argentina e no Uruguai. No Brasil, a Anchoíta ainda não é comercialmente pescada, mas alguns estudos indicam que ela pode ser sustentavelmente pescada no sul da nossa costa.

Voltando ao meu trabalho de doutorado, quando eu disse que pretendo analisar flutuações de longo prazo, eu não foquei que por longo prazo eu quero dizer 40 anos de dados, totalizando quase 2.000 amostras. Essa é uma quantidade enorme de amostras e demoraria o meu doutorado inteiro apenas para identificar todos os ovos. A solução foi criar uma metodologia mais rápida e eficiente... Então eu criei.

Eu utilizei uma câmera fotográfica anexada a um esteromicroscópio para tirar fotos dos ovos e, utilizando essas fotos, eu automaticamente obtive as medidas cada ovo. Depois disso, eu criei um modelo para contar automaticamente os ovos de cada grupo. Esse novo modelo teve mais de 90% de confiabilidade e pode ser usado por qualquer pesquisador para otimizar o tempo e esforço.

No final, ao invés de demorar 4 anos para identificar os ovos do meu projeto, eu identifiquei mais de 100.000 ovos de Engraulidae em apenas 1 ano, permitindo tempo suficiente para continuar com a minha pesquisa."

Obrigada!


Se interessou por essa metodologia? Ela já está publicada e pode ser adquirida pelo link abaixo (caso você tenha acesso ao Journal of Fish Biology) ou me pedindo por email.


Até a próxima.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Mais notícias sobre larvas de peixes

Olá a todos!

Há alguns dias a agência de notícias da USP publicou uma notícia sobre o trabalho de doutorado da nossa colunista Cássia Goçalo. A reportagem ressalta as importantes implicações dos resultados encontrados pela nossa colunista durante o seu doutoramento. Acesse a matéria aqui e saiba mais sobre o comportamento de larvas de peixes. Se você ainda não conferiu o post dela sobre esse mesmo assunto, acesse aqui



Curvaturas do corpo de uma larva de garoupa, Epinephelus marginatus, cinco dias após a eclosão. Técnica de imageamento utilizada: microscopia de sistemas de filtros pareados. Foto: Cássia Goçalo.

Consulte o trabalho completo no link abaixo: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/21/21134/tde-07052015-105843/





sexta-feira, 8 de maio de 2015

Uma gringa fazendo pesquisa no Brasil


Por Sabine Schultes, convidada da semana. 

Ao escrever este post, estou na minha mesa de trabalho na faculdade de biologia de Munique. Da janela vejo campos verdes, e a única água salgada num raio de 600 km são 20 litros de água do mar artificial no laboratório, num balde com copépodes da espécie Acartia tonsa. Só isso me conecta com minha grande paixão, os estudos da oceanografia biológica. 

Copépodes são minúsculos crustáceos, de 1 milímetro mais ou menos. A olho nu, parecem uma poeirinha pulando na água. Vivem em todos os ecossistemas aquáticos: lagos, rios, águas subterrâneas e oceanos. São numerosos “como as estrelas no universo” e tem um papel importante na ecologia do mar. São eles que consomem a biomassa que as micro-algas criam da energia solar – num processo chamado produção primária – e o transferem para os peixes porque peixe gosta de comer copépodes (Saiba mais aqui). 

Copépodes.

Já trabalhei com copépodes das águas temperadas do Atlântico Norte, das águas frias do Oceano Antárctico, e em 2007 eu vim trabalhar como pesquisadora pós-doc  no Instituto Oceanográfico da USP para conhecer os copépodes tropicais. Que alegria! ...e ao mesmo tempo que aventura de viver num país a 12 000 km da Alemanha, na cidade de São Paulo. Pulei na agua fria sem pensar duas vezes e, num taxi na “Marginal Tietê” entre Guarulhos e a Cidade Universitária, senti de repente que estava realmente longe de casa. São momentos de transição entre um mundo e um outro, quando cada detalhe fica gravado na memoria. Fui muito bem recebida pelos Paulistanos e, contrariamente à noção que no Brasil tudo é praia, samba e caipirinha, tive a oportunidade de trabalhar com tecnologia de ponta da minha área científica. 

O famoso LOPC é um contador de partículas, que
consegue detectar, contar e medir o
plâncton com alta resolução espacial.
 Foto: Catarina Marcolin
Foram colocados nas minhas mãos dois instrumentos sofisticados para análise de copépodes. Minha tarefa era de estabelecer protocolos de medida e de calibração. Nada de machismo, de “mulher não sabe nada de tecnologia”... Cada dia o aprendizado era enorme: vida na grande cidade e em um país tropical, língua portuguesa, técnicas de análise de imagem e de transmissão de dados eletrônicos. Enorme também era a ajuda que recebi dos meus colegas cientistas Brasileiros, Canadenses e Franceses. Em pouco tempo foi possível fazer o batismo de fogo (de água!...quis dizer) do equipamento na base oceanográfica de Ubatuba. Isso sim, era um sonho de pesquisadora nas ciências marinhas se realizando. 


Mais um sonho se realizava com a expedição do projeto PROABROLHOS para estudar com o tal equipamento a distribuição do zooplâncton (copépodes e outros bichinhos do mesmo tamanho) no Banco de Abrolhos. Lá tem bastante peixe, e lembra-se que peixe gosta de comer copépodes?! Neste projeto, pesquisadores de várias universidades do Brasil e do mundo juntaram as forças para melhorar o entendimento sobre como este ecossistema marinho funciona, para poder proteger a grande biodiversidade de Abrolhos e seu valor para a sociedade (http://laps.io.usp.br/index.php/90-portugues/laps/projetos/155-proabrolhos).



Passar um mês embarcada no antigo navio oceanográfico Prof. Besnard foi um pouco de aventura – ele finalmente se aposentou ☺ e agora o IO tem um navio novo  – mas tudo deu certo. Nossos resultados foram publicados nos anos seguintes ao projeto (entre 2009 e 2013), mas já bem antes resolvi voltar para Europa. - Como assim?! Não era um sonho se realizando???

Pois é, olhando para trás sinto que me faltava um pouco de fé. Mas talvez eu também precisasse do meu próprio povo, da minha própria cultura e da minha família para ter fé e continuar pesquisando os mares do mundo. Infelizmente, a realidade de vida nas ciências está cheia de incertezas, de contratos de trabalho curtos (1 ano).  Ao mesmo tempo as realizações científicas levam anos. Escrever um projeto, conseguir verba, executar um projeto, analisar os resultados e comunicar os novos conhecimentos acontece em prazos de 5 a 10 anos. 

Voltando do Brasil eu demorei mais 4 anos de idas e vindas entre França, Brasil (me apaixonei...) e Alemanha para finalmente conseguir uma vaga de docente na Faculdade de Biologia de Munique em 2012, com 40 anos de idade. Vivo perto da casa dos pais, e estou dando aula de zoologia, ecologia e iniciação científica para alunos do bacharelado e mestrado. Pela primeira vez, eu sei onde eu posso ganhar a minha vida, viver e realizar estudos científicos sobre o mar, até pelo menos 2020, quando então o caminho talvez me levará para mais um lugar no futuro. 

Não tinha muita ideia pré-concebida antes de vir para Brasil.  Gosto muito de viver em outros países. Geralmente passo um primeiro tempo observando e ouvindo e tento seguir na onda. Descobri o jeitinho Brasileiro, o frio de São Paulo e aprendi a dançar forró. Achava – ainda acho – que as todas pessoas à minha volta eram dedicadas ao trabalho, aos amigos e a família. A maior aprendizagem que levei de volta do Brasil? Que às vezes as coisas demoram, mas no final tudo dá certo!


Em Rio Grande, RS, Brasil.
Sabine Schultes gosta de se ver como bióloga e oceanógrafa. Ela estudou biologia e hidrobiologia na faculdade de Hamburgo, fez mestrado em oceanografia na Université du Québec Rimouski, no Canadá e doutorado em oceanografia biológica no Alfred-Wegener-Institut em Bremerhaven. Depois de vários contratos de pós-doc na França e no Brasil, ela é agora docente na faculdade de Munique (LMU) para dar aula de zoologia e ecologia. Ela conta que seus pais lhe ensinaram a procurar caminhos novos e a se relacionar com as pessoas e culturas do mundo. Ela está convencida de que hoje, mais do que nunca, precisamos cuidar de nossos oceanos.