sábado, 29 de agosto de 2015

II Simpósio da Sociedade para Mulheres em Ciências Marinhas

Por Jana M. del Favero

No primeiro post do blog na sessão “Mulheres na Ciência” contei sobre a criação da Sociedade para Mulheres em Ciências Marinhas (Society for Women in Marine Science - SWMS) e da minha participação do primeiro simpósio organizado pela a mesma no Woods Hole Oceanographic Institution - WHOI (Não lembra do post? Clique aqui: http://batepapocomnetuno.blogspot.com.br/
2015/04/desafios-antigos-para-mulheres-atuais.html).



E como gostei muito do evento e de saber que os problemas enfrentados pelas mulheres em ciências marinhas eram discutidos também por grandes institutos internacionais não poderia deixar de divulgar a realização do II Simpósio da Sociedade para Mulheres em Ciências Marinhas, que acontecerá no dia 10 de outubro de 2015, no Massachusetts Institute of Technology - MIT, EUA. (detalhes em: http://swmsmarinescience.com/swms-fall-workshop/).

Sei que a distância dificulta a nossa participação, mas vai que alguém, por algum motivo, esteja de passagem pela região de Boston, MA, resolva participar, e depois nos contar como foi!

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Você conhece algum cientista brasileiro?

Por Izadora Mattielo

Lembro-me de uma vez, quando eu estava fazendo o mestrado, que uma criança me perguntou o que eu fazia. Na hora eu fiquei paralizada por vários segundos, porque se já era difícil explicar para os meus pais o que eu fazia, imagina para uma criança! Mas na hora respondi: sou cientista! - achando que a criança iria entender e ter curiosidade para saber mais daquela instigante profissão. Mas pela cara de interrogação dela, vi que se eu tivesse falado que fazia mestrado com corantes vitais para monitorar o fitoplâncton marinho da água de lastro de navios, ia dar na mesma!

Fonte: http://saojoaquimonline.com.br/wp-content/uploads/2014/04/crianca-em-duvida.jpg
Como eu já estava acostumada com essas reações, após eu contar o que eu fazia, nem fiquei frustrada. Mas até hoje tenho um sentimento de que podemos e devemos divulgar mais a ciência! Não é culpa da criança não entender o que um cientista faz. O que falta é divulgação desta carreira, não só através da mídia e dos diversos canais de comunicação, como também por nós cientistas.

Um estudo divulgado na 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sobre o interesse dos brasileiros em Ciência e Tecnologia (C&T) demonstrou que os brasileiros possuem 67% de interesse em C&T, enquanto os europeus manifestam 53% de interesse. Porém, a pesquisa enfatiza que apesar deste grande interesse dos brasileiros, há baixo acesso a esse tipo de informação no país e que as pessoas têm dificuldades para saber onde encontrar estes assuntos, ainda mais de fontes confiáveis, sendo que a maioria delas buscam em programas de televisão.

Fonte: http://www.diabeticool.com/wp-content/



Apesar do significativo interesse em ciência da população brasileira, os cientistas possuem certas dificuldades para divulgar sua pesquisa para a sociedade. Embora o currículo lattes já tenha um local especial para indicar quando o pesquisador trabalha com popularização de ciência e tecnologia, essas atividades tendem a ser deixadas para segundo plano, pois dentro das universidades e centros de pesquisa, a pressão para publicar os resultados em revistas científicas específicas é muito grande e a linguagem utilizada nessas revistas é bem diferente da linguagem de divulgação para o grande público. E mesmo que o pesquisador tenha vontade de divulgar sua pesquisa em outros canais de comunicação, este tipo de atividade ainda não é amplamente valorizada no mundo acadêmico, embora os três pilares da universidade sejam ensino, pesquisa e extensão. Para quem não sabe, extensão tem a ver com a interação entre universidade e comunidade, e divulgação de ciência é uma atividade de extensão.

Infelizmente, o que ocorre é que se o pesquisador investir tempo em divulgar suas descobertas e avanços em uma linguagem mais acessível, geralmente em blogs, redes sociais, revistas gerais e reportagens, ele pode ficar em desvantagem em sua carreira científica por não alcançar a produtividade esperada, em termos de publicação em periódicos internacionais específicos. Afinal de contas, a principal métrica utilizada para avaliar a produtividade de um pesquisador é baseada na quantidade de artigos publicados em periódicos internacionais de sua área específica. Na prática o que acontece é: se um pesquisador não alcançar um certo número de artigos publicados nessas revistas por ano ele vai sofrer as consequências, podendo chegar a ser descredenciado de cursos da pós-graduação. Em outras palavras, ele pode ficar mal posicionado perante seus colegas e às agências financiadoras, que hoje valorizam apenas um único tipo de produção acadêmica no momento da liberação de  verbas para pesquisas.

Fonte: http://www.automacaoindustrial.info/wp-content/
uploads/2013/08/curso-online-gratuito-de-escrita-cientifica.jpg



Mas não é apenas dentro das universidades e centros de pesquisa que essa falta de incentivo ocorre. Faltam também alicerces para que jovens cientistas possam se interessar, estudar e exercitar a divulgação científica em massa. No Brasil ainda são poucos os cursos voltados para a formação de “Divulgadores Científicos”, à exemplo dos cursos oferecidos pelo Labjor (http://www.labjor.unicamp.br/) e pelo Museu da Vida (www.museudavida.fiocruz.br/). Para algumas pessoas pode ser mais fácil, mas na maioria das vezes não é trivial “traduzir” um estudo técnico científico para uma linguagem clara e amplamente acessível, sendo de grande valor uma formação especializada. Esta é uma profissão igualmente apaixonante e muitos profissionais dedicam-se somente à esta atividade, “traduzindo” estudos das mais variadas áreas para o público geral. São cientistas, jornalistas e profissionais da comunicação que se dedicam em restabelecer a “ponte” entre os produtores de ciência e sociedade.

Mas será que toda a origem deste problema está nas universidades e na ineficiência da divulgação? Não podemos deixar de mencionar o papel do ensino fundamental e médio em estimular o interesse das crianças e adolescentes pela ciência! Não é apenas para formar profissionais da área, mas as competências desenvolvidas quando se faz ciência como curiosidade,organização, elaboração de experimentos, métodos, testar hipóteses, solucionar problemas e raciocínio lógico, são muito importantes para o desenvolvimento humano em qualquer área.

Apesar de ainda haver poucas escolas com disciplinas dedicada à filosofia da ciência, existem algumas iniciativas de Institutos, Fundações e até mesmo de universidades. Um exemplo é o programa Febrace da Universidade de São Paulo, que tem como objetivo aproximar escolas públicas e privadas das universidades e estimular o contato de adolescentes com a ciência através de projetos criativos e inovadores (detalhes aqui: http://febrace.org.br). No final do programa, há premiação para os alunos com os melhores projetos. Quem sabe, deste programa não surgirão futuros jovens cientistas? Pelo menos todos terão a experiência de ter feito ciência e saberão um pouco mais sobre essa profissão.

Fonte: http://hypescience.com/wp-content/uploads/2010/12/einsteinlingua.jpg
http://www.nerdice.com.br/wp-content/uploads/2012/11/beakman-destaque.jpg

Um outro déficit é a pequena divulgação da pesquisa científica para as empresas do país. Muitas acabam importando a tecnologia de fora ou gastando tempo e dinheiro nos seus setores de Pesquisa e Desenvolvimento, sendo que alguma universidade já está desenvolvendo o mesmo feito. Ou seja, a falta de comunicação entre eles reflete até na baixa contratação dos jovens cientistas que querem atuar na pesquisa aplicada. A Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e diversas agências de inovação das universidades têm feito grande esforço para aproximar e fomentar a inovação entre universidades e empresas (tema para outro post).

Mas não são só problemas. Uma recente tecnologia tem aproximado mais a sociedade dos cientistas. O crowdfunding é uma plataforma online em que as pessoas postam seus projetos para conseguir financiamento coletivo. Neste caso, o pesquisador posta seu projeto de pesquisa, explicando seus objetivos de maneira clara, além dos benefícios que trará e os custos de cada etapa. Neste momento é crucial explorar o “marketing científico”, pois a própria população irá julgar o projeto e aqueles que se engajarem na causa contribuirão financeiramente para o projeto acontecer.

Resumindo, apesar destas excelentes iniciativas, ainda estamos longe do ideal de divulgação da ciência e tecnologia no Brasil. Vamos fazer um pequeno teste: Você sabe me dizer o nome de um grande cientista brasileiro? E o que ele fez? Comente no final desse post e conte para nós qual cientista brasileiro você conhece! Se a ciência fosse mais incentivada no país, teríamos mais divulgação desta carreira, maior valorização e um número maior de jovens interessados, com potencial para se tornarem grandes cientistas, melhorando o desenvolvimento tecnológico e econômico do nosso país.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Pesquisando nas ilhas remotas do Brasil


Por Fernanda Imperatrice Colabuono

As ilhas oceânicas brasileiras são geralmente pouco conhecidas pela maioria da população, porém possuem uma grande importância estratégica, econômica, e claro, científica. São locais que abrigam uma vida riquíssima, incluindo algumas espécies endêmicas, ou seja, que só existem naquele determinado local. Duas destas ilhas, Fernando de Noronha e Abrolhos, são habitadas e/ou utilizadas para o turismo, ainda que com restrições. Outras três ilhas, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo, o Atol da Rocas e a Ilha da Trindade, ainda são lugares remotos, pouco conhecidos e com acesso mais restrito ainda. Durante o meu doutorado no Instituto Oceanográfico, eu tive a oportunidade de participar de expedições científicas a estes três locais, através de um projeto de pesquisa que tinha como objetivo estudar a ocorrência de poluentes orgânicos persistentes em locais remotos.


Fig.1. Localização das ilhas e arquipélagos oceânicos brasileiros e distância das capitais mais próximas. Fonte: Almeida, F.F.M. (2006).

Foto: Fernanda Colabuono.
Foto: Fernanda Colabuono.
O Arquipélago de São Pedro e São Paulo fica a aproximadamente 1.100 km da costa do Rio Grande do Norte, ou seja, quase na metade do caminho entre o Brasil e a África. São as únicas ilhas oceânicas brasileiras localizadas no hemisfério norte. O trajeto saindo da cidade de Natal até o Arquipélago de São Pedro e São Paulo é feito em um barco de pesca e leva cerca de três dias para chegar. Minha ida para lá foi em março de 2009 e me lembro que ao chegar no Porto de Natal e conhecer a embarcação que transportaria eu e mais três pesquisadores, além da tripulação, foi difícil acreditar à primeira vista que iríamos cruzar quase metade do Oceano Atlântico daquela maneira. É claro que deu tudo certo, pois muitos outros pesquisadores já haviam feito e ainda fazem esta viagem. 
Embarcação para ir de Natal ao Arquipélago 
de São Pedro e São Paulo. Foto: Fernanda Colabuono.
Os pescadores eram experientes e a condição do mar ajudou muito. Chegando nas proximidades do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, pudemos avistar apenas um conjunto de pequenas ilhas rochosas. Estas ilhotas são, na verdade, os picos emersos da cordilheira submarina dorsal meso-atlântica, que se estende por todo o Oceano Atlântico, desde a região Antártica até o Ártico. Ao desembarcar na Ilha Belmonte, que é a principal ilha do arquipélago e é onde se encontra a estação científica, logo se percebe que as aves ocupam todos os espaços disponíveis possíveis da ilha, seja com seus ninhos ou apenas como local de repouso. Os atobás, os principais  “anfitriões” do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, dominam o espaço da ilha e recebem todos os seus visitantes com fortes bicadas. Espaço é um fator limitante para estas aves, que estão sempre tentando defender seus territórios, da mesma maneira que fazem com os indivíduos de sua própria espécie.

Foto: Fernanda Colabuono.

Foto: Fernanda Colabuono.
O Atol da Rocas, também localizado próximo a linha do Equador é, na minha opinião, um dos lugares mais bonitos e bem preservados que existem, graças a coragem e perseverança das pessoas que trabalham e cuidam tão bem daquele local. Aliás, estas são as duas principais qualidades que é preciso ter para trabalhar com conservação ambiental. No início de 2010, eu passei cerca de 20 dias realizando coletas no Atol da Rocas, que incluíam a amostragem de plásticos ao redor da ilha. Estes plásticos chegam diariamente de fontes distantes, provavelmente vindos de outras ilhas, do continente e de embarcações, e acabam se acumulando nas praias do Atol. É impressionante como algumas ações humanas conseguem impactar locais tão distantes e que às vezes nem sabemos que existem.

Foto: Fernanda Colabuono.

Foto: Fernanda Colabuono.
A minha última expedição foi para a Ilha da Trindade, em janeiro de 2012. A Ilha da Trindade é a maior de todas as três ilhas e está localizada a cerca de 1.200 km,  fazendo parte da cadeia de montanhas submarinas Vitória-Trindade. A ilha abriga diversas espécies de aves, invertebrados e peixes, é um importante local de reprodução para as tartarugas marinhas e possui uma flora rica em diversidade. Desde seu descobrimento, há centenas de anos, a Ilha da Trindade vem recebendo visitas de navegadores e pessoas ilustres como o astrônomo Edmund Halley (https://en.wikipedia.org/wiki/Edmond_Halley) e o naturalista James Cook (https://en.wikipedia.org/wiki/James_Cook). Consequentemente, também vem sofrendo o impacto de ações humanas, como a introdução de animais exóticos, que resultaram na modificação do ambiente, causando efeitos negativos que podem ser vistos até hoje. Atualmente, estão instalados na ilha o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade, comandado pela Marinha do Brasil e uma Estação Científica, que é utilizada por pesquisadores de diferentes partes do país.

Foto: Fernanda Colabuono.
Foto: Fernanda Colabuono.
Participar destas expedições, me proporcionou a incrível oportunidade de conhecer ecossistemas tão diferentes, viver o dia a dia destes locais, observando o comportamento dos animais e adquirindo conhecimento através da experiência, como faziam os naturalistas a décadas e décadas atrás. Passar algum tempo (mesmo que curto) em locais onde você tem que se adaptar a ambientes tão distintos do que estamos acostumados, foram experiências de auto-conhecimento, desapego e superação. Muitas vezes a comunicação com o mundo exterior é limitada, ou não é possível, e você tem que lidar com o fato de que não terá notícias de seus familiares e amigos por um tempo, e nem eles de você. Passar um mês tomando banho apenas com água do mar, ou não ter um banheiro de verdade para usar, pode parecer um pouco estranho, mas acabamos nos adaptando. No fim, algumas destas experiências que até assustam um pouco no começo, acabam se tornando agradáveis e depois até sentimos falta.

A sensação que tive ao conhecer locais como estes, onde a natureza é predominante, é de que você é apenas um visitante, que não faz parte daquele lugar e nem sequer foi convidado para estar ali. Apesar deste comentário soar um pouco negativo, a intenção é mostrar o quão forte é a presença da natureza em locais onde o ser humano ainda não conseguiu modificar e se impor. São locais que pertencem à fauna e flora que ali habitam, aves, peixes e diversos outros seres que se adaptaram por milhares de anos a estes ambientes. E seria ótimo se conseguíssemos mantê-los sempre assim.

Sobre Fernanda Colabuono:
Fernanda Imperatrice Colabuono é biológa e trabalha com aves marinhas desde 2001. Atualmente é pós-doutoranda do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, onde realiza pesquisas voltadas para a ecologia e conservação de aves antárticas, utilizando os poluentes e os isótopos estáveis como indicadores ecológicos e ambientais. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Uma história de pai para filhos... e para as lulas!

 Por Felippe Postuma

Minha paixão pela biologia marinha, cefalópodes (que são as lulas, polvos e sépias) e pelo mar começou bem cedo no verão de 1992, na minha segunda viagem à paradisíaca e isolada comunidade da praia do Bonete, localizada no sul da Ilhabela. Lá conheci e aprendi a amar e viver com a natureza mais límpida e lúdica que se possa imaginar. Foi nesse período que conheci a tradicional pesca da lula apresentada pelo  meu eterno amigo “Maurão”. Nessa época,  lulas e  mariscos eram abundantes, passamos praticamente um mês comendo lulas, peixes e farinha de mandioca. 


Fotos: Felippe Postuma.

No ano de 1999 surgiu a vontade e a oportunidade de fazer uma faculdade, não pensei duas vezes em estudar a “Biologia Marinha”. Em 2000 passei no vestibular na Universidade Santa-Cecília na cidade de Santos. Já no ano de 2001 iniciei o estágio científico no Instituto de Pesca. Em meio a muitas provas, trabalhos, “forrós”, shows de reggae e “trips-de-surf” pelo litoral de São Paulo, eu conheci a princesa da minha vida, a mulher que iria mudar todo o rumo da minha história de vida,  “gerando” uma linda família e me dando força. Quando conheci era apenas a “Keka”, linda como é até hoje, também se formou em biologia pela Unisanta e hoje é conhecida como a “super-mamãe e esposa Keka”.  Já adianto, o nosso sucesso se deve totalmente a ela. 

Inicialmente tudo foi muito difícil, apenas dois universitários sem nenhuma perspectiva, porém com muita garra, vontade e amor. No terceiro ano de faculdade já morávamos juntos em uma república de estudantes. Foi nessa época então que, “com um piscar de olhos”, nos tornamos pais. Maíra nasceu esperta, linda e sapeca do jeito que é até hoje. Com muitos esforços conseguimos terminar a faculdade. Foi então que aprendi a cuidar da casa, fazer papinha, dar banho, trocar fralda e colocá-la para dormir, enquanto isso, mamãe Keka terminava a faculdade. 

No começo da faculdade nunca deixei de sonhar com a possibilidade de um dia estudar e pesquisar a pesca artesanal de lulas. Ao final da faculdade defendi minha monografia para obter o título de bacharel em Biologia Marinha com o tema ligado a caracterização preliminar da pesca artesanal de lulas no entorno da Ilhabela. Durante o estágio no Instituto de Pesca surgiu a possibilidade de contribuir como co-autor em um artigo científico.  Isso foi um grande incentivo para continuar com a pesquisa. Porém, eu precisava de um trabalho remunerado.

Comecei como observador de bordo da frota arrendada na costa brasileira. Embarques a bordo em navios pesqueiros estrangeiros com duração de 56 a 93 dias de mar, lá se foram dois anos de minha vida. Tive a oportunidade de viver com senegaleses, chineses, japoneses, peruanos e vietnamitas. Participei da pesca do long-line, espinhel japonês, gaiolas para captura de caranguejo, pesca de arrasto de profundidade (800 m) e a pesca do polvo. Passei por grandes tempestades em alto mar, cataloguei e coletei animais marinhos que jamais pudesse imaginar, observei e fotografei albatrozes gigantescos. Era tudo incrível, mas a saudade da família era muito grande.


Fotos: Felippe Postuma.
 Nesta época passava pouco tempo com a família, “Mairinha” acabava vendo pouco seu pai, mas os momentos que passávamos juntos eram muito proveitosos e valiosos. Toda vez que chegava dos embarques, ela me estranhava, porque sempre voltava barbudo e cabeludo. No meu quarto, qualquer que fosse o barco, havia um mural de fotos da Keka e Maíra, isso me dava força para aguentar ficar por tanto tempo longe de casa.

Depois de dois anos vivendo idas e vindas do mar, decidimos mudar para Ilhabela, litoral norte de São Paulo. Fomos morar na comunidade da Água Branca, próximo à estrada que leva até a praia dos Castelhanos. Vivíamos com muita simplicidade com um salário de professor eventual da rede de ensino estadual. Maíra cresceu nadando entre as praias de Santos e as cachoeiras de Ilhabela, sempre pedindo para surfar e deslizar sobre as ondas. 

Nesse momento surgia mais um sonho, realizar uma pós-graduação. Depois de três tentativas consegui entrar para o mestrado no Instituto de Pesca de São Paulo. Maíra estava com 5 anos, e quando menos esperávamos, eu estava “grávido” de novo. 


Fotos: Felippe Postuma.

Em 4 de julho de 2008 nasceu Rafael, “O Anjo”. Mudamos radicalmente de estilo de vida, fomos morar na cidade de Bragança Paulista, interior de São Paulo e cidade-natal da Keka. Entrei em uma rotina de viagens diárias entre São Paulo – Bragança Paulista, com viagens que demoravam entre 2 e 3 horas. Foram dois anos de mestrado com disciplinas, apresentações em congressos nacionais e internacionais e duas publicações em revistas internacionais. No mestrado elucidei alguns mistérios sobre a pesca de lula, aquele sonho antigo. 


Ao final do mestrado (2010) Rafael com 2 anos e Maíra com 7, tudo começou a ficar difícil, e a falta de dinheiro me fez voltar ao mar. A investigação da lula ainda não havia terminado, mas a pressão para trabalhar era grande, e me vi obrigado a fazer mais dois embarques durante o segundo semestre de 2010 pelo Instituto de Pesca. Durante os embarques estudei para a prova de seleção para o doutorado do Instituto Oceanográfico da USP. No final a maresia me fez bem, estudei nos intervalos dos trabalhos a bordo e passei por um fio na seleção. Foi então, em 2011, que dei início às atividades do doutorado, reiniciando aquela rotina de viagens Bragança-São Paulo, mas continuando com a pesquisa sobre as lulas. 
Fotos: Felippe Postuma.

Durante esse período chegava em casa e a super-mamãe já havia feito tudo, café da manhã, almoço, levar e buscar na escola, banho e jantar. Rafael sempre esperando ansioso pela minha chegada. Hoje ele tem 7 e ela 12 anos, eles sempre me viram estudando, penso que é um bom exemplo. Todos sabem que não se vive com bolsa de estudos no Brasil, mas sobrevivemos a uma faculdade, um mestrado e um doutorado. Afinal, esse post será publicado horas antes de minha defesa de doutorado (10 de agosto de 2015 às 9:00), onde inúmeros achados sobre lulas da espécie Doryteuthis plei serão desvendados ao público.


Fotos: Felippe Postuma.

Escrever este post me fez refletir que talvez um dos fatores que auxiliam no sucesso da estratégia de vida desse incrível e magnífico cefalópode está baseado na vida em conjunto (em família) e na boa comunicação entre os membros do grupo. Talvez isso também seja o segredo do nosso sucesso. Resumindo, tudo isso só foi possível por causa do respeito, força e apoio da família, em especial da Keka, pois enquanto eu desenvolvia minha pesquisa e fazia coletas, a “mamãe Keka” desenvolvia seu papel de mãe-leoa com muita perspicácia e garra. Ela abriu mão de sua carreira em prol da minha, e a isso sou eternamente grato!  

Sobre Felippe Postuma:
Biólogo marinho, mestre em biologia pesqueira e doutorando no Laboratório de Ecossistemas Pesqueiros do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (Labpesq-IOUSP). Nascido em São Paulo, radicado desde 10 anos de idade na praia do Pontal da Cruz, São Sebastião litoral Norte do Estado de São Paulo. Viveu no mar entre os pescadores artesanais e caiçaras de São Sebastião e Ilhabela pescando lula, como também entre os pescadores do mundo na frota industrial estrangeira. Navegou desde Natal(RN) até a elevação do Rio Grande(RS), passando quase 100 dias no mar. Dedicou 10 anos da sua vida à pesquisa da lula Doryteuthis plei. Possui também diploma de técnico em mecânica e carteira de marinheiro auxiliar de máquinas pela Capitania dos Portos de São Sebastião. E ama muito sua família.


Acesse aqui o currículo lattes de Felippe: