quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Mulheres cientistas, ousem andar unidas!

Por Catarina Marcolin

Sou cientista, professora, mãe, mulher parda (meu pai era italiano, minha mãe uma mistura de portugueses, índios e negros), minha pele é clara; não sou de família rica nem pobre e educação foi um dos nossos privilégios. Quando li o e-mail que me dizia que fui selecionada para o curso do British Council e do festival WOW - Women of the World (Mulheres do Mundo), tinha acabado de chegar em casa para substituir minha babá nos cuidados da minha filha, dei pulinhos e gritinhos de alegria. Minha menina riu comigo. Mesmo sem entender palavras, ela captou perfeitamente minha emoção.

Chegar no Rio de Janeiro e conhecer tantas mulheres incríveis nos primeiros dias de nossa capacitação em divulgação científica tem sido muito energizante. É tanta energia que tenho despertado bem mais cedo que meu alarme todas as manhãs, algo que nunca me havia acontecido antes, mas é o despertar da ignorância que mais me impressiona.


Primeiro dia do curso, o amor já estava ali.

Sempre me achei empoderada e autoconfiante, especialmente com minhas habilidades intelectuais. Mas quando nos contaram que as 15 cientistas/divulgadoras que vieram para o curso foram selecionadas entre 236 aplicações, tive mixed feelings. Ao mesmo tempo em que estava orgulhosa, buscava mentalmente por justificativas sobre o resultado: “Deve ter sido porque sou baiana, nessa busca por um recorte geográfico, minha concorrência deve ter sido menor...”. WOW! Notem que este não é um wow de surpresa, é um “p* que pariu”, pois outros exemplos continuaram pipocando em meus pensamentos sobre momentos da vida em que encontrei outras razões, que não o meu próprio mérito, para justificar minhas conquistas. A realidade sobre como a construção social molda nossas aspirações, nossas expectativas sobre a vida, bateu na minha cara. E era só o primeiro dia.

E mais e mais “fichas” vão caindo. A força e a luta das mulheres negras, representadas desde o “corpo tela” da Zaika Santos até a língua afiadíssima e os projetos de empoderamento de meninas da Zélia Ludwig, me inspirou admirações e reflexões profundas. Me dei conta de como em três anos trabalhando com divulgação científica e discutindo questões de gênero na oceanografia, o blog do qual faço parte nunca teve a contribuição de uma mulher preta. Em quatro anos de doutorado na área de oceanografia, me lembro de ter conhecido uma única mulher preta. Estou decidida a reencontrá-la, a encontrar essas mulheres, porque tenho certeza que elas existem.

Zélia Ludwig. Foto: Catarina Marcolin.

O aumento da representatividade da mulher, seja ela mulher preta, indígena e/ou deficiente (sim, eu também aprendi o que é interseccionalidade) é uma pauta urgente, pela qual me sinto agora compelida a contribuir. Inspirada pelas palavras da renomada Reni Eddo-Lodge, vou me educar. Tomo cada vez mais consciência sobre minha própria identidade, sobre o privilégio de não ser preta (afinal de contas, não sou discriminada pela cor da minha pele), e não consigo parar de pensar sobre o próximo passo. Sobre minha responsabilidade em combater não apenas o machismo, como a propagação do racismo. Afinal de contas, Jude Kelly nos lembra que a luta por igualdade de gênero e de raça não é uma luta por direitos iguais. É uma luta entre a estupidez e a sabedoria. E esse festival está me deixando menos estúpida.

Reconhecer que precisamos discutir as relações de poder em nossa sociedade, não apenas nos educa como valida nossos sentimentos, não é mimimi. Muito sabiamente a incrível Samia, cordelista de apenas oito anos nos alertou já na cerimônia de abertura: “com autoestima baixa, toda a vida perde a lógica”. Além de encher nossos corações de esperança, ela nos mostrou que essa nova geração é poderosa. Mas não podemos deixar para as novas gerações o que podemos fazer agora. Afinal de contas, são “as ações de hoje que produzem nosso amanhã”, como nos lembra a todo momento esse lindo Museu que nos acolheu todos esses dias.

Um dos nossos grandes desafios será deixar de falar apenas para os “convertidos”, quebrando os filtros bolha Facebookianos e partir para ação. Pois aprendi que o ativismo online não será suficiente para mudar nossa realidade. Seguindo a técnica da nossa querida Timandra, espero conseguir “roubar” a habilidade de escuta da nossa colega jornalista, a Renata Fontanetto (@renata_fontanetto). Pois é apenas pela escuta, com um olhar empático que conseguiremos dialogar. Se isso fizer ferver nossas entranhas ou pulsar nossa jugular, não se preocupe querida @moleculoide, Jude e Reni nos dão dicas sobre como dialogar sem perder o controle, sem que isso nos cause úlceras ou nos deixe exaustas.

Eu já sabia admirar mulheres incríveis, mas minha curiosidade agora permeia outras nuances. Nunca mais deixarei de me perguntar como uma mulher conseguiu mudar também a realidade de outras mulheres. Nunca mais deixarei de me perguntar sobre como eu posso mudar a realidade de outras mulheres.


Mariéme Jamme e Joana D'Arc Souza, só inspiração! Foto: Catarina Marcolin.

Não tenho dúvidas de que a maior conquista deste festival foi permitir que capturássemos umas as outras e espero profundamente que essa rede tenha nós bem unidos e que não nos deixemos escapar. Que sigamos trabalhando juntas para que outras mulheres sintam que podem ser mais do que apenas esforçadas, nós somos geniais, nós somos brilhantes, a gente é f*!

Para saber mais sobre mulheres incríveis, continue acompanhando nosso blog.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Um caso de poliamor entre uma cientista, a fotografia e a ciência

Por Catarina R. Marcolin

Gamarídeo coletado no estuário do Rio Buranhém, Porto Seguro. Foto: Catarina Marcolin.

Dizem que uma imagem pode valer mais que mil palavras. Esse ditado popular ganha sentido especial para mim quando converso sobre plâncton. Estes microorganismos tão pequenininhos tem na verdade grande importância. Informações sobre a quantidade e o tamanho desses organismos que vivem nos oceanos nos ajudam a entender sobre muitas coisas, até mesmo, sobre a regulação do clima no planeta


Mas contar e medir esses bichinhos da forma tradicional demoooora e pode ser muito entediante. Para resolver esse problema, os cientistas pensaram numa solução bem simples usando uma tecnologia inventada há bastante tempo atrás, a fotografia. As lentes e o sistema óptico continuam os mesmos, o que mudou foi a forma de processar essas imagens. Usando um software de análise de imagens é possível fazer automaticamente a contagem e a medição do tamanho desses bichinhos, o que nos deixa com tempo de sobra para ir a praia, navegar na internet ou até escrever esse texto. 

Mas analisar uma quantidade enorme de informação, linhas e mais linhas de dados também pode tomar bastante tempo. E foi assim que eu uni duas paixões, o plâncton e a computação agora andam de mãos dadas na minha vida. Aprender a programar foi como descobrir o fascínio pelos videogames. Amor pela ciência, a gente vê por aqui.










Esse texto é a primeira produção do Curso de Capacitação em divulgação científica, promovido pelo British Council e Museu do Amanhã no Rio De Janeiro. A tarefa do dia era falar sobre meu trabalho utilizando um objeto e eu trouxe minha câmera fotográfica:



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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Garoupas ao mar

Por: Cláudia Kerber



   É de conhecimento corrente que as populações marinhas estão declinando em todo o mundo. As três principais abordagens para evitar o esgotamento dos estoques são controlar os esforços de pesca (cotas de pesca, limitação de tamanho de captura, especificação de petrechos), garantir os locais e períodos de reprodução (defesos, áreas de proteção ambiental) e aumentar a população através de programas de repovoamento. Os dois primeiros métodos formam a base das políticas públicas para a conservação das espécies marinhas no Brasil e impõe sérias restrições à pesca artesanal. A terceira opção, o repovoamento, permite restabelecer a biomassa de reprodutores e acelerar a recuperação dos estoques assegurando a sobrevivências de espécies ameaçadas.


  O repovoamento é uma das principais ferramentas para compensar danos causados por atividades humanas no meio ambiente e tem sido largamente utilizado para a recuperação dos estoques pesqueiros em bacias, rios e reservatórios brasileiros. O repovoamento de espécies marinhas tem sido utilizado desde o Século 19 e no Japão, o programa nacional de recuperação dos estoques pesqueiros envolve mais de 80 espécies de peixes, moluscos e crustáceos. No Mar Cáspio, são criados e soltos anualmente mais de 12 milhões de juvenis de espécies de esturjão nativo (Acipenser persicus) que sustentam praticamente toda a indústria do caviar. Também são produzidos alevinos de outras espécies locais que sustentam a produção pesqueira de cooperativas licenciadas para a pesca.


   Ao desenvolver ações de repovoamento, é primordial que as formas jovens tenham boa diversidade genética e que sejam saudáveis garantindo que ao serem introduzidos não causem modificação da constituição genética da população selvagem e que se aplique o monitoramento.


    Para estabelecer uma estratégia adequada, é necessário conhecer a adaptação dos alevinos logo após a soltura, a dispersão, o processo de mortalidade dos juvenis e garantir que o habitat selecionado ofereça abundância de alimento e abrigo contra predadores. Entre 2013 e 2015, o Projeto Garoupa patrocinado pela PETROBRAS e executado pela ATEVI avaliou a população de garoupas em seus habitats nas regiões costeiras do norte do estado de São Paulo ao centro estado do Rio de Janeiro. Permitiu também identificar áreas para mitigação com o objetivo de reposição de peixes com baixos níveis populacionais como é o caso da garoupa. Além de avaliação de habitats, o Projeto Garoupa, também forneceu dados importantes sobre o comportamento de larvas e alevinos desta espécie utilizando telemetria que resultou em trabalho científico publicado no Journal of Fisheries and Aquaculture Development (Riedel, et al. 2017). Finalmente ótimas condições físicas, bióticas e abióticas para os alevinos podem ser oferecidas se a soltura for em áreas de ocorrência natural.

   No Brasil, uma iniciativa pioneira foi o projeto “Repovoamento do Litoral do Paraná com Alevinos de Robalo” que previa a produção de alevinos pelo Centro de Produção e Propagação de Organismos Marinhos (CPPOM) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná com recursos da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior/Fundo Paraná. O projeto colocou cerca de um milhão de larvas e 300 mil alevinos de robalo nas baias do litoral paranaense em 2006-2007. Já em 2001 o CPPOM havia produzido 252 mil de larvas de robalos, que foram soltas na baía de Guaratuba com o propósito de viabilizar a recuperação do litoral paranaense. Uma das críticas que se fez a esta iniciativa foi a falta de avaliação dos resultados do repovoamento. 

    A importância ecológica de algumas espécies predadores de topo de cadeia como a garoupa verdadeira (Epinephelus marginatus) está também no fato de exercerem alta influência na densidade de suas presas e na estrutura da comunidade de fauna, o que a torna importante na regulação e equilíbrio de comunidades de seus ambientes. A proteção desta espécie visa, portanto, não somente manter seus níveis de abundância, mas também manter o seu ecossistema equilibrado e sadio. Tem hábitos sedentários e estudos sobre a movimentação dela demonstram que permanecem em territórios pequenos, distintos e individuais de 1500 m² até 2 há.


  Embora algumas áreas de proteção no Mediterrâneo tenham conseguido êxito em impedir o declínio dos estoques já comprometidos de garoupa, em grande parte devido à proteção de habitats, a recuperação é lenta e a falta destes grandes predadores tem influência direta e negativa na dinâmica e estrutura do ecossistema coralíneo. Medidas de repovoamento tem sido avaliadas para restabelecer a saúde dos ambientes coralíneos.


  A garoupa verdadeira é listada na Red List da IUCN como ameaçada de extinção (A2d). No Brasil foi incluída na Lista de Recursos do MMA como sobre explotada (IN 05/2004) e também consta como sobre explotada no Decreto Estadual Nº 56.031/2010 que define as espécies da fauna silvestre ameaçadas, colapsadas e sobre explotadas no estado de São Paulo. Atualmente é protegida pela Portaria MMA 445/2014 na categoria Vulnerável, e já existe um Plano de Recuperação instituído pelo MMA (Portaria 228/2018) cuja pesca é regulamentada pela Portaria IM 41/2018.


    O PROJETO GAROUPAS AO MAR é um projeto de Análise e Monitoramento Genético para avaliar o processo de reintrodução de alevinos de garoupa verdadeira produzidos em cativeiro no setor Maembipe da APAMLN a ser executado por uma equipe com grande experiência sob a coordenação da Associação Ambientalista Terra Viva. Tem como parceiros o Instituto de Pesca de São Paulo e o Laboratório de Análise Genética de Animais Aquáticos da Universidade de Mogi das Cruzes. A APA Marinha do Litoral Norte de São Paulo e a Prefeitura de Ilhabela deram a anuência e são parceiros também. 


   Sendo um Projeto de interesse difuso da sociedade, optou-se por realizar um financiamento coletivo ou crowdfunding, um tipo de “vaquinha” via internet para levantar os recursos necessários. Qualquer pessoa pode acessar a plataforma kickante e fazer sua contribuição.


  Se quiser ser um agente desta mudança, nos ajude fazendo uma contribuição. Seguir a ATEVI (FB: atevi.org Instagram: atevi_meio_ambiente), compartilhar os conteúdos e pedir contribuições ajuda muito também.



  A campanha de financiamento coletivo termina na primeira semana de dezembro/2018.






Para saber mais:




Sobre a autora:


Claudia Ehlers Kerber é veterinária mestre em fisiologia com especialização em produção de peixes marinhos pelo South East Fisheries and Development Center, SEAFDEC, Filipinas. Desenvolve projetos de reprodução e produção de formas jovens de peixes marinhos.






Bibliografia

Anderson, A.B. et al. “Recovery of grouper … of a marine protected area in Southern Brazil.” Mar Ecol Prog Ser, 2014: 207-215.

Araujo, R.M. “Fatores preditores da variação espacial na biomassa de peixes recifais” SC, 2014. 100.

Astruch, P. et al. “Marquage et suivi do érou brun (Epinephelus marginatus) par Télémétrie acoustique” 2nd Symp on Medit. Groupers. Nice: 2007. 25-28.

Bartley, et al. “Restocking, stock enhancement, and searanching” Rev. Fish. Sci., 2008: 357-365.

Blankensip, H. et al. “A responsible approach to Marine Stock Enhancement.” American Fisheries Society Symposium. 1995. 167-175.

CDB. “Aichi Biodiversity Targets.” 2010. http://www.cbd.int/sp/targets.

Froese, R., FishBase. 2013. http://www.fishbase.org/, version 12/2013.

Koeck, B. et al. “Diel and seasonal movement pattern of Epinephelus marginatus inside a marine reserve.” Marine Environmental Research, 2014, 94 ed.: 38-47.

Riedel, R., C.E. Kerber et al. “Captive-reared Dusky Grouper as an alternative to repopulation of degraded reef habitats.” Journal of Fish and Aquac Dev, 2017, 3 ed.: 1-5.

Tessier, A.et al. “Evolution of the population of Epinephelus marginatus within the Natural Marine Reserve of Cerbère-Banyuls.” GEM. 2012. Poster.