quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Circulação Termohalina

A circulação termohalina, também chamada de circulação profunda ou abissal, consiste na circulação de águas no oceano profundo, resultante de variações na temperatura e salinidade (termo - temperatura, halina - salinidade), que causam modificações na densidade da água. Essas variações podem ser provocadas por processos de evaporação, precipitação, descarga de rios e degelo nos polos. Chamamos de termohalina, qualquer circulação que não é gerada pelo vento. Uma parte importante deste processo é a formação da água de fundo que se dá por convecção, quando a água fria na superfície em altas latitudes (nos polos) afunda.
A circulação termohalina é importante na dinâmica dos oceanos, pois este fluxo de águas pode até mesmo alterar o clima. Mas é importante lembrar que a circulação termohalina tem velocidades da ordem de 1cm/s e pode levar séculos para redistribuir o calor no planeta. As águas frias da circulação termohalina só voltam à superfície em baixas latitudes, quando ocorre a mistura do calor da superfície com as camadas inferiores. Lembre-se que não existe uma fonte significativa de calor nos oceanos.
As imagens abaixo apresentam o ciclo da circulação termohalina e as correntes que resultam deste fenômeno. Na primeira você pode ver como funciona a circulação, enquanto a segunda imagem mostra os locais de formação de águas profundas (deep water formation). As correntes de superfície estão em vermelho e as correntes profundas em azul.

A água fria mais salgada e mais densa afunda,
enquanto a água mais quente e menos salgada, com menor densidade sobe
 à superfície. Fonte: http://www.alfaconnection.pro.br
/mudancas-climaticas/as-correntes-oceanicas/




Quando o gelo se forma nos polos, os sais não congelam junto e são liberados na água, tornando-a mais salina e densa. Portanto, observamos o afundamento de água fria que se desloca em direção ao equador.


Esquema da circulação termohalina, evidenciando o sentido das correntes frias e profundas, em azul, e quentes e superficiais, em vermelho. Crédito: WikiMedia Commons.

Para saber mais
:
http://cienciapatodos.webnode.pt/news/o-oceano-e-o-clima/



Referências:
SATO, Olga. Circulação Termohalina: São Paulo: Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.


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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Querida, estou grávido!


Imagem (à direita): Flickr

Em homenagem ao dia dos pais, que tal falarmos de um super pai do reino animal, o cavalo-marinho?! Este peculiar organismo é considerado um super pai devido a uma ótima razão: os machos ficam grávidos! Isso mesmo! Os cavalos-marinhos se destacam no reino animal porque são os machos os  responsáveis por todo cuidado parental após a fecundação: eles  carregam os filhotes durante a gestação, sentem as “dores do parto” e por fim  dão à luz! Pesquisas recentes mostram também que os cavalos-marinhos papais têm ainda mais semelhanças com as mamães humanas do que nós pensávamos! Mas antes de contarmos estas peculiaridades, vamos conhecer um pouquinho sobre eles.

Dois cavalos-marinhos “grávidos”.
Imagem: Flickr



Os cavalos-marinhos são peixes-ósseos (teleósteos) que pertencem ao gênero Hippocampus e à família dos singnatídeos (Syngnathidae). Esta família tem como característica o desenvolvimento por viviparidade, ou seja, o desenvolvimento embrionário ocorre no interior do corpo, que neste caso é o corpo paterno. Existem mais de 50 espécies de cavalos-marinhos distribuídas pelo mundo, em regiões tropicais e temperadas. Destas, três espécies ocorrem na costa brasileira: Hippocampus reidi, Hippocampus erectus e Hippocampus patagonicus, presentes no ambiente marinho e estuarino.

Representantes das três espécies de cavalos-marinhos que ocorrem no Brasil: Hippocampus reidi, Hippocampus erectus e Hippocampus patagonicus, respectivamente.
Imagens: Projeto Hippocampus


Estes peixes locomovem-se na vertical por meio de movimentos ondulatórios de suas nadadeiras dorsais, que vibram rapidamente, porém este tipo de locomoção vertical os torne mais lentos, a ponto de serem considerados um dos peixes mais lentos dos oceanos. Os cavalos-marinhos são predadores, com uma alimentação à base de plâncton, crustáceos e pequenos animais que são sugados por meio de seu focinho tubular. Eles também são camufladores hábeis: se sentindo ameaçados, podem mudar de cor, desenvolver projeções cutâneas que mimetizam algas e até pólipos de corais, além de conseguir permanecer imóveis, fixando-se em algas e corais por meio de sua cauda preênsil. Mas estes disfarces não são infalíveis: caranguejos, alguns peixes carnívoros (por exemplo, o atum), pinguins, aves marinhas e até mesmo os humanos “predam” os cavalos-marinhos adultos (para saber mais sobre o plâncton, leia nosso post O que você sabe sobre o plâncton?).

Os cavalos-marinhos mimetizam com o ambiente quando se sentem ameaçados.
Imagens: Flickr


A maioria dos cavalos-marinhos é monogâmica, de forma que tanto o macho quanto a fêmea de um par formado repelem outros parceiros que tentem interferir na relação. Para o acasalamento, eles realizam um tipo de dança, na qual sincronizam seus movimentos, girando um em torno do outro com as caldas entrelaçadas. A gravidez masculina tem implicações interessantes para os papéis sexuais clássicos no acasalamento. Na maioria das espécies os machos competem pelo acesso às fêmeas, de modo que é comum ver a evolução de características sexuais secundárias* em machos . De acordo com o pesquisador Adam Jones, da Universidade do Texas, no caso dos cavalos marinhos, as fêmeas apresentam um comportamento competitivo, que em geral é apresentado pelos machos. Além disso,  os machos parecem “exigentes” em relação à escolha de suas parceiras, atributo comumente observado em fêmeas.

Ilustração: Joana Ho
Bem, mas vamos ao que interessa: como os machos deste grupo são capazes de ficar grávidos? O cavalo-marinho macho possui uma bolsa incubadora especializada onde a fêmea coloca seus ovócitos (células reprodutivas). Quando ele está pronto para acasalar, o macho sinaliza a fêmea enchendo a bolsa com água. A fêmea, por sua vez, nada e se pressiona contra ele, colocando seu tubo de postura, chamado ovipositor, em um orifício dilatado, presente na bolsa do macho. Após a transferência dos ovócitos, o orifício se fecha, e então o macho os fecunda. Assim inicia-se o desenvolvimento dos filhotes no interior do corpo do macho.

O período de gestação desse grupo varia bastante, de acordo com a espécie e a temperatura da água, podendo ocorrer entre dez dias e seis semanas. Em regiões tropicais, os cavalos-marinhos apresentam um período de gestação em torno de 12 dias, podendo parir mais de 1500 minúsculos bebês totalmente formados. Eles se reproduzem durante todo o ano e a partir do primeiro ano de vida os casais formados são capazes de produzir mais de 1000 larvas por gestação.


Cavalo-marinho dando à luz. 

Os desafios da gravidez são os mesmos para todos os animais, como assegurar o fornecimento adequado de oxigênio e nutrientes para os embriões. Estudos recentes têm demonstrado que diversas linhagens de animais superaram estes desafios de maneira semelhante. Os cavalos-marinhos, como tantos outros embriões de outros vivíparos, adquirem muitos nutrientes a partir do vitelo dos ovos advindos das suas mães, que é equivalente à gema do ovo das galinhas. A pesquisadora Dra. Camilla Whittington e colaboradores da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Sydney (Austrália) demonstraram em estudos publicados na Molecular Biology and Evolution que nutrientes adicionais, como cálcio e alguns lipídios, são secretados pelos papais na bolsa incubadora e então absorvidos pelos embriões. Além disso, a bolsa dos pais também atende aos desafios complexos de fornecer proteção imunológica aos filhotes, além de assegurar a troca gasosa e a remoção das excretas!

A gravidez é acompanhada de muitas adaptações morfofisiológicas, como a remodelação da bolsa incubadora o transporte de nutrientes e de resíduos, a troca gasosa, a osmorregulação e a proteção imunológica dos embriões. Outra curiosidade descoberta pelos pesquisadores é que a genética  relacionada a essas adaptações é muito semelhante à expressão genética da reprodução interna de mamíferos, répteis e outros peixes. É surpreendente que, mesmo em animais com “idades evolutivas” tão distantes, as ferramentas genéticas que foram desenvolvidas com função reprodutiva sejam tão semelhantes entre si, mesmo entre vivíparos aplacentários (cavalos-marinhos) e placentários (mamíferos) (Caspermeyer, 2015; Whittington et al., 2015).

As populações de cavalos-marinhos estão em declínio no mundo inteiro. Além de sua capacidade limitada de locomoção, a destruição do seu habitat e as pescas incidental e direcionada têm ameaçado a vida destes peixes. A procura por espécimes vivos como peixes ornamentais na aquariofilia é grande. Desidratados, são usados como ingrediente de drogas caseiras e industrializadas e até como peça de decoração, o que os deixa ainda mais vulneráveis. A compra destes peixes, mesmo vivos, incentiva sua captura e comércio, além de contribuir com o desequilíbrio ecológico.  Estudos genéticos, fisiológicos e ecológicos destes animais ajudam não só a compreender sua biologia e os passos evolutivos que levaram à inversão  no comportamento sexual, mas também contribuem para o manejo correto dessas espécies. O melhor a fazer é deixar os cavalos-marinhos no seu hábitat natural, reduzindo a exploração e cuidando dos ambientes em que eles vivem, como recifes de coral e manguezais. Assim pode-se conhecer melhor estes peixes e ajudar na sua preservação.

Cavalos-marinhos desidratados sendo vendidos em um mercado em Hong Kong. Na Ásia eles são muito apreciados na culinária e como matéria-prima para a fabricação de medicamentos.
Imagem: Britt-Arnhild’s House in the Woods



*caracteres secundários: características que se desenvolvem durante a maturidade sexual dos animais, mas que, ao contrário dos órgãos sexuais, não são parte do sistema reprodutor

Para saber mais sobre o assunto:

Projeto Hippocampus - Iniciativa do Laboratório de Aquicultura Marinha - LABAQUAC para educação ambiental e estudos de conservação de cavalos-marinhos. www.projetohippocampus.org

Caspermeyer, J. Unraveling the Genetic Basis of Seahorse Male Pregnancy Mol Biol Evol (2015) 32 (12): 3278 first published online November 17, 2015 doi:10.1093/molbev/msv238

Jones, AG & Avise, JC. Mating Systems and Sexual Selection in Male-Pregnant Pipefishes and Seahorses: Insights from Microsatellite-Based Studies of Maternity J Hered, 2001.

Rosa IL, Oliveira TPR, Osório FM, Moraes LE, Castro ALC, Barros GML & Alves RRN. Fisheries and trade of seahorses in Brazil: historical perspective, current trends, and future directions. Biodivers Conserv, 2011.

Silveira, R. B. Dinâmica populacional do cavalo-marinho hippocampus reidi no manguezal de Maracaípe, Ipojuca, Pernambuco, Brasil. (2005).

Whittington CM, Griffith OW, Qi W, Thompson MB & Wilson AB. Seahorse brood pouch transcriptome reveals common genes associated with vertebrate pregnancy.Molecular Biology and Evolution, 2015.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

5 animais marinhos que merecem o pódio olímpico


Os jogos olímpicos estão chegando e serão três semanas admirando os atletas que vão superar a dor, bater novos recordes e nos mostrar a beleza de cada esporte. Então, para entrar no clima olímpico, resolvemos eleger os campeões dos nossos mares:


Ilustração: Joana Ho

Maratona: com 42,195 km, é a prova mais longa de corrida. Os maratonistas são conhecidos por serem esbeltos, porém aqui escolhemos uma gorducha, a baleia-jubarte. Nossa campeã percorre cerca de 4.500 km duas vezes ao ano, entre a Antártica - onde se alimenta - e o Brasil - onde se reproduz. Como já tivemos um post inteirinho sobre essa migração, nem vou me prorrogar muito (releia aqui).


Boxe: neste esporte os boxeadores se enfrentam acertando socos no adversário da cintura para cima na tentativa de dominá-lo.  A nossa campeã, a tamarutaca,  também usa o soco, principalmente , para dominar o adversário, no caso sua presa. Não é à toa que uma espécie desse crustáceo (subfilo que abrange, por exemplo, as lagostas e os camarões) é também popularmente conhecida como lagosta-boxeadora. Essa espécie, Odontodactylus scyllarus, profere um golpe com uma aceleração de aproximadamente 12-23 m/s (na água), enquanto um bom soco humano atinge cerca de 10 m/s (no ar)! Esse golpe é tão rápido que a água próxima a ele chega a ferver, em um fenômeno físico conhecido como supercavitação.  Vejam no vídeo abaixo o soco da nossa campeã na velocidade real e em câmera lenta:



Salto em distância: o objetivo dessa modalidade do atletismo é saltar o mais longe possível, sendo o recorde olímpico de 8,95 m do americano Mike Powell, realizado em 1991. Nosso campeão, o peixe-voador (como Exocoetus volitans, da família Exocoetidae) “voa” até 180 metros em um único “vôo”. Apesar do nome voador, esse peixe não voa como as aves, batendo asas. Na verdade, assim como o atleta do salto em distância,  ele ganha impulso para dar um grande salto e depois abrem as nadadeiras para planar. Esse recurso na verdade não é usado para bater recordes, e sim para fugir de predadores, como atuns, golfinhos e tubarões. Vou aproveitar esse tópico para corrigir um erro comum: a espécie que facilmente avistamos pela costa brasileira em mergulhos, Dactylopterus volitans (família Dactylopteridae), apesar de também ser popularmente conhecida como peixe-voador e de apresentar nadadeiras que parecem asas, elas não realizam os “vôos” citados, usando-as apenas para amedrontar outros organismos que a ameaçam, simulando um maior porte.
 
Peixes-voadores Exocoetus volitans à esquerda (Fonte: topbiologia.com) e
Dactylopterus volitans (Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Coió)

Ginástica rítmica: Esse esporte oferece ao público um verdadeiro espetáculo de dança e movimentos. E já que beleza nos movimentos é o forte desse esporte, elegemos os nudibrânquios como os vencedores. Tais animais que possuem as brânquias desprotegidas (fato que legitima seu nome)  são moluscos gastrópodes popularmente conhecidos por lesmas-marinhas (sim, são parentes das lesmas terrestres) e também por dançarinas espanholas, sendo considerados por muitos os animais mais coloridos do mar. Veja no vídeo abaixo uma dançarina espanhola se movimentando e entenda o porquê desse título:



Corrida: O jamaicano Usain Bolt é considerado o homem mais rápido do mundo, atingindo a velocidade de 43,9 km/h. Porém nos mares ele perderia feio para o agulhão-vela (Istiophorus platypterus) que atinge 109 km/h. O feito fica ainda mais extraordinário se lembrarmos que a água é mais densa do que o ar, o que exige ainda mais força do peixe. A extremidade do focinho longa e pontiaguda ajuda a “cortar” a pressão da água, aumentando a velocidade com que se locomove, enquanto sua vistosa nadadeira dorsal ajuda a direcionar seu corpo.


Os velocistas do mar e da terra.

E para você, qual animal marinho merece uma medalha?