sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Para o plâncton tamanho é documento, parte II.


Olá a todos os queridos leitores do Bate-papo com Netuno! Hoje falaremos mais uma vez sobre tamanhos, plâncton e até sobre comida. Lembram do plâncton? A gente gosta tanto desses pequeninos, que já tivemos algumas postagens sobre eles (clique aqui e aqui).  
Para chegarmos no assunto de hoje, precisamos primeiro relembrar algumas informações. O plâncton é constituído por organismos muito pequenos. Uma típica espécie fitoplanctônica (vide postagens anteriores mencionadas acima para saber mais sobre o fitoplâncton) que habita nossa região costeira tem menos que 0,3 mm de comprimento.


A relação entre organismos desse tamanho e o ambiente em que eles vivem (a água) é regida pelo número de Reynolds, que é uma medida que indica se há predominância de forças inerciais ou viscosas (forças de resistência). Para organismos dessa faixa de tamanho o número de Reynolds é muito baixo. Isso quer dizer que a água é extremamente viscosa para o plâncton, ou seja, se fôssemos do tamanho de uma microalga, sentiríamos como se estivéssemos flutuando em um mar de piche (ou em um pote de mel!). Então você deve imaginar como pode ser difícil encontrar comida nesse cenário...hummmm que fome!



Dinoflagelados marinhos (Fonte: http://socratic.org/questions/

Outras informações importantes para compreendermos o comportamento alimentar destes microorganismos vem das aulas de física e matemática da escola. Lembram da tal razão superfície/volume?


Vamos relembrar: Para calcular a área de um quadrado, por exemplo, basta multiplicar um lado pelo outro, certo (A = L x L = L2)? E para calcular o volume, multiplicamos a área por mais um lado (V = L x L x L = L3). Então enquanto a área é uma grandeza que aumenta ao quadrado, o volume é uma grandeza que aumenta ao cubo! Portanto, a razão superfície/volume (L2/L3) tende a diminuir quanto maior for o tamanho do quadrado (ou organismo), concorda? Se deu um nó na sua cabeça, basta dar uma olhada na imagem ao lado, que mostra diferentes formas, que logo você vai entender.
 
Fonte: https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQmq1XtnnkCcQU0J-zJ5pn5OaYn8sRgdKvlcGnVgv2mSSCPpoQ5yw


Essa informação é muito importante, pois tem implicações diretas sobre como o plâncton consegue saciar sua fome e se nutrir. Para entendermos melhor, vamos falar mais especificamente do fitoplâncton. Uma diatomácea (organismos fitoplanctônicos conhecidos por possuírem uma “teca” ou “carapaça” constituída por sílica), por exemplo, apesar de fazer fotossíntese, precisa de nutrientes para sobreviver. Esses organismos adquirem nutrientes principalmente por difusão, ou seja, quando começa a faltar nutriente dentro da célula cria-se um gradiente e essas moléculas passam a se mover em direção ao organismo, até o momento em que o nutriente se esgote no entorno da célula.
Lei de Difusão de Fick. A taxa de difusão das moléculas depende da diferença de concentração, distância e área da superfície de troca.
Como as diatomáceas não tem flagelos para se mover, elas dependem inteiramente da turbulência para que se renove o gradiente dos nutrientes ao seu redor. Cocolitoforídeos (outro grupo fitoplanctônico conhecido por possuir uma teca constituída por carbonato de cálcio), por outro lado, são bem menores, ou seja, possuem mais superfície em relação ao seu volume, e portanto conseguem adquirir nutrientes com mais facilidade por difusão.

Você deve estar pensando que ser um cocolitoforídeo é bem mais fácil que ser uma diatomácea! Você está certo e errado ao mesmo tempo! Cada um desses organismos poderá dominar o ambiente, ou seja, ocorrer em maiores densidades, em diferentes situações. Quando há pouco nutriente na água (ambientes oligotróficos), especialmente em regiões estratificadas (onde há pouca mistura da coluna de água), os cocolitoforídeos tendem a dominar, pois são mais eficientes nisso. Quando há bastante turbulência ou em situações de ressurgência (quando o padrão de ventos remove a camada superficial da água do mar e águas mais profundas, ricas em nutrientes literalmente sobem  à superfície - observe a figura abaixo), os nutrientes vem com tudo e as diatomáceas fazem a festa, pois elas tem um grande vacúolo onde conseguem guardar esses nutrientes até mesmo para consumir depois.

Mas o que temos a ver com isso? Além de ser super interessante simplesmente saber como as coisas acontecem no mundo marinho, podemos entender um pouco do que nos espera no futuro, considerando que vivemos um período de mudanças climáticas.
Em um futuro com altas concentrações de gás carbônico (ops, infelizmente já vivemos isso no presente), onde temos um aumento da temperatura e, consequentemente, aumento de regiões estratificadas (e,portanto, diminuição dos nutrientes disponíveis nas águas superficiais), observamos uma mudança na comunidade do fitoplâncton onde cocolitoforídeos passam a dominar ao invés das diatomáceas.


Isso é grave porque já existem estudos que demonstram que em regiões dominadas por cocolitoforídeos, o fluxo de carbono para o fundo dos oceanos (a bomba biológica, clique aqui e saiba mais) tende a ser menor do que em regiões onde a comunidade dominante são diatomáceas. Isso significa que nossos queridos oceanos irão ficar menos eficientes em remover carbono da atmosfera. Você lembra que a bomba biológica é um dos principais mecanismos de manutenção do equilíbrio do clima no nosso planeta? Relembre aqui.
Já estamos passando pelo período de El-Niño que pretende ser o mais forte dos últimos 100 anos, durando até a primavera de 2016. Ou seja, temos previsão de altas temperaturas superficiais em diversas regiões dos oceanos, o que tende a aumentar a probabilidade de zonas estratificadas. Aproveite essa leitura para pensar se você tem feito algo para diminuir suas emissões de carbono. Num próximo post podemos te ajudar com isso.


Até o próximo bate-papo!

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Os peixes e a física nuclear


Por Maria Luiza Flaquer da Rocha

A contaminação pode ser definida como a condição na qual substâncias estão presentes onde normalmente não estariam, ou quando ocorrem em concentrações acima dos níveis naturais para uma determinada região. A maior parte da contaminação que chega aos oceanos vem de atividades realizadas em terra e os ecossistemas costeiros, que incluem as áreas mais produtivas dos oceanos, são os mais diretamente afetados. Um dos principais resultados é a diminuição da biodiversidade e, como consequência, dos recursos naturais. É necessário, portanto, entender e quantificar os impactos causados por atividades humanas que afetam as regiões marinhas.

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Um dos estudos que fiz no meu trabalho de doutorado foi a avaliação dos níveis de metais pesados (que são metais ou semi-metais da tabela periódica de elementos químicos cujas densidades são maiores que 5 g/cm3 e são potencialmente danosos para a maioria dos organismos) presentes na baía de Santos, no Estado de São Paulo, pela da análise do tecido muscular de um linguado chamado Achirus lineatus (Foto_1). Eu escolhi esse peixe porque ele vive em contato muito próximo com o sedimento (no fundo do oceano), pois gosta de ficar enterrado para se proteger dos predadores e poder surpreender a sua presa, que pode ser um camarão ou um poliqueta desavisado. E isto pode ser um problema para o Achirus porque é no sedimento que se encontra, normalmente, a maior concentração de contaminantes. Os metais, por exemplo, quando entram nos sistemas aquáticos, podem permanecer dispersos na coluna d´água ou podem “grudar” em partículas minerais como areia, silte e argila e afundar.


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Foto_1 – Linguado Achirus lineatus (Actinopterygii, Pleuronectiformes). Fonte: www.fishbase.org.

Mas por que investigar a presença de metais no ambiente? Porque os metais podem se bioacumular (processo de absorção de compostos químicos do meio) nos peixes e causar distúrbios no crescimento, na reprodução, no sistema imunológico, patologias na pele, brânquias, fígado e rins, além de deformações no esqueleto dos mesmos (foto_2). Além disso, podem também afetar a nós, seres humanos, ao consumirmos esses peixes contaminados. Por isso, esse tipo de estudo é tão importante.


Foto_2 – Esquema mostrando como o peixe pode absorver os metais.

Bom, mas onde entra a física nuclear? Depois que coletei os peixes que queria (foto_3), retirei uma parte do tecido muscular dos peixes que foi, posteriormente, seco e triturado para ser transformado em uma espécie de pastilha. Essa pastilha foi colocada num porta-amostra e depois inserida num acelerador de íons (foto_4), num método chamado Particle Induced X-Ray Emission (PIXE) ou Emissão de Raios-X Induzido por Partículas. Esse método é baseado numa técnica de física nuclear, onde a amostra a ser analisada é irradiada por partículas carregadas liberando raios-X característicos (feixe de íons com energia de 3 MeV/u.m.a. ou Megaelétron-Volt, unidade de medida de energia, empregada em física atômica e nuclear, equivalente a um milhão de elétrons-volt), que são detectados por um espectrofotômetro que é um instrumento de análise capaz de medir e comparar a quantidade de luz absorvida, transmitida ou refletida por uma determinada amostra. O método é sensível para elementos da tabela periódica e permite determinar, por correspondência, a composição elementar de amostras muito pequenas, com menos de 0,1 mg de massa. O feixe bombardeia uma área de 4 mm2, permitindo a determinação e a quantificação dos elementos investigados.

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Foto_3 – B. Pq. Velliger II (IOUSP) na baía de Santos (SP) e a rede de arrasto de fundo com os peixes coletados. Fotos: Diego Moraes.



Dessa maneira, eu pude saber se o peixe que reside na baía de Santos estava contaminado com metais pesados. Se você ficou interessado nesse método e quer mais informações, você pode dar uma olhada nesse site: http://implantador.if.ufrgs.br/index.php/Laborat%C3%B3rio_de_Implanta%C3%A7%C3%A3o_I%C3%B4nica, que é do laboratório onde essa análise foi realizada. Fica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.


Quando analisei os resultados, pude identificar alguns elementos metálicos presentes na musculatura dos linguados, dentre eles: cromo (Cr), arsênio (As), selênio (Se), chumbo (Pb) e mercúrio (Hg). O cromo é um elemento essencial para sistemas biológicos, embora em excesso seja tóxico causando danos ao fígado e ao rim. Pouco se sabe sobre os efeitos do arsênio e do selênio, mas há indicações que esses elementos afetam de alguma forma o processo reprodutivo dos peixes. O chumbo é um elemento que se acumula principalmente no tecido ósseo. Entre os elementos metais, o mercúrio é um dos mais danosos para os peixes; a maior parte do mercúrio é absorvida na forma de metil-mercúrio (MeHg), a qual é rapidamente assimilada pela trato digestório. Esse metal tende a se acumular no fígado e no rim, ou pode se ligar aos aminoácidos no tecido muscular.

Todos os valores que encontrei nas amostras estavam acima dos valores de referência desenvolvidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (ANVISA) do governo brasileiro, os chamados “Limites Máximos de Tolerância” ou LMT, para contaminantes inorgânicos em pescado.


As descargas de metais pesados no ambiente marinho têm se tornado motivo de grande preocupação em todo o mundo devido à toxicidade e comportamento bioacumulativo dos elementos. Estudos sobre metais pesados auxiliam a prevenção da degradação dos sistemas marinhos, mas também são importantes sob o ponto de vista da saúde pública, ao medir a concentração de metais nos organismos, principalmente daqueles que oferecem risco à saúde humana e que podem acarretar problemas neurológicos, gástricos, lesões renais e mesmo câncer, como no caso do chumbo.


Infelizmente os peixes marinhos não podem nos contar todos os danos que estão sofrendo com a poluição, mas a inclusão de estudos como este em avaliações ambientais pode auxiliar no detalhamento das alterações que estão ocorrendo no ambiente!


Gostou do assunto e quer saber um pouco mais? Acesse a minha tese em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/21/21131/tde-20012010-142416/pt-br.php


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Foto_4 – Detalhe do acelerador de partículas chamado Tandetron 3MV e ao lado, destaque para o monitor com o resultado da espectrofotometria dado por um gráfico. Laboratório de Implantação Iônica do Instituto de Física – UFRGS). Fotos: Dr Wellington Fernadez.


Sobre Maria Luiza Flaquer da Rocha:
Graduação em Ciências Biológicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Oceanografia Biológica no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP). Assistente de Pesquisa na Experimental Hatchery (RSMAS) – Projeto: Shrimp larvae culture system / Algae culture e monitoria na aula prática da disciplina Aquaculture Management I e II na University of Miami – EUA. Doutorado em Oceanografia Biológica no IOUSP. Pós-Doutorado em Oceanografia Biológica (IOUSP) em parceria com o Laboratório de Implantação Iônica do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Atividade atual Pesquisadora bolsista, junto à Coleção Biológica Prof. Edmundo F. Nonato (ColBIO) do IOUSP, de outubro de 2011 até a presente data. E mãe do Rafael Soares, autor do post “O filho que concorreu com a ciência e empatou” (http://batepapocomnetuno.blogspot.com.br/2015/05/o-filho-que-concorreu-com-ciencia-e.html)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Unidades de conservação: sem gestão são apenas “parques de papel”


As unidades de Conservação (UCs) são áreas naturais protegidas por lei, essenciais para a conservação da biodiversidade. Além de abrigar os mais diferentes ecossistemas, elas desempenham um importante papel para o bem-estar da sociedade pois em seu espaço podem ser desenvolvidas  atividades controladas de uso público, sejam de cunho científico, educativo ou recreativo.

Contudo, somente a criação de unidades de conservação não é suficiente para assegurar um patrimônio natural. É necessário gerí-las de modo eficaz para conservação dos recursos nelas existentes (Faria, 2004), o que seria mais ou menos equivalente a manter a sua casa arrumada, limpa e funcional. Criar unidades de conservação sem a perspectiva de implantá-las provoca inúmeros problemas regionais, prejudicando a relação das instituições mantenedoras (por exemplo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio e Fundação Florestal - FF) e da unidade propriamente dita com as comunidades locais, resultando na insatisfação regional e no desgaste do nome e imagem institucionais (Artaza-Barrios, 2007).

Fonte:Link
Segundo Terborgh e Schaik (2002), uma grande fração das unidades de conservação no mundo representa os chamados “parques de papel”, ou seja, nunca foram realmente implantadas e não há sequer diretrizes que auxiliem na gestão e manejo adequados. Visando eliminar os riscos da criação de "parques de papel" no Brasil, criou-se o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, um conjunto de diretrizes e procedimentos oficiais onde foram estabelecidas as categorias de manejo e suas respectivas características (detalhes sobre essas categorias aqui).

De acordo com o Panorama da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos no Brasil (disponível aqui), no ano de 2010 foram contabilizados 222 UCs criadas nas zonas costeiras e marinhas, sendo 102 federais e 120 estaduais. Apenas 1,57% dos 3,5 milhões de quilômetros quadrados de mar sob jurisdição brasileira está sob proteção em unidades de conservação. Se aos valores estimados para a Zona Marinha forem adicionadas às estimativas para a Zona Costeira, o percentual sobe para 3,14%, que corresponde a pouco mais de 31% da meta fixada pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), que é uma comissão criada com objetivo de proteger ao menos 10% de sua área marinha e costeira.

Dentre toda a costa brasileira, a região do Estado de São Paulo é a que mais sofre ações antrópicas (alterações realizadas pelo ser humano), principalmente por causa da pressão imobiliária. Além disso, o litoral de SP está cada vez mais visado devido à sua localização estratégica em relação aos grandes pólos industriais do país e à conexão com sistemas portuários para importação e exportação. Destaca - se ainda o fato das descobertas de petróleo na Região do Pré-sal na Bacia de Santos atraírem não só profissionais da indústria de exploração de óleo e gás, mas também indústrias e empreendimentos rodoviários, ferroviários etc.

Já dentro do Estado de São Paulo, o município de Bertioga é uma das poucas áreas ainda preservadas, mesmo estando localizado próximo a centros urbanos e no movimentado eixo Rio - São Paulo. Esta região constitui um importante corredor biológico entre ambientes marinho-costeiros, representados pela restinga e pela Serra do Mar, formando assim uma área contínua cuja proteção é fundamental para garantir a preservação dos processos ecológicos e fluxos gênicos. Assim, baseando-se na relevância biológica da área e buscando, principalmente, a preservação da mesma, em outubro de 2010 o Conselho Estadual do Meio Ambiente – Consema, após anos de discussão e de análises das diferentes propostas apresentadas por órgãos distintos, aprovou a criação de um mosaico constituído em sua maioria pelo Parque Estadual Restinga de Bertioga - PERB e por uma Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE. O PERB foi oficialmente criado pelo Decreto Estadual nº 56.500, de 9 de dezembro de 2010 (mais informações sobre o PERB em: http://fflorestal.sp.gov.br/parque-estadual-restinga-de-bertioga/).

Localização do Parque Estadual Restinga de Bertioga. PESM= Parque Estadual da Serra do Mar (Fonte: Banzato et al., 2012).
E foi exatamente neste mesmo ano, em 2010, que eu estava cursando uma especialização em Gestão Ambiental no Senac e precisava fazer o trabalho de conclusão de curso (TCC). Me juntei com um grupo de mais 3 pessoas de diferentes áreas: a Bárbara Banzato - oceanógrafa, o José Augusto Auroca - sociólogo, e a Juliana Carbonari - turismóloga, e não tivemos dúvidas sobre qual área estudar, o PERB!

Na época fazia-se necessária a implantação urgente de programas de gestão ambiental integrada que garantissem o pronto estabelecimento do PERB e a participação popular ativa nas questões ambientais, evitando assim a criação de mais um parque de papel. Deste modo, para contribuir com a elaboração do plano de manejo da UC em questão, realizamos um diagnóstico ambiental da área do PERB e seu entorno através de uma análise crítica do cenário atual do parque, identificando os pontos fortes e fracos da área e as possíveis ameaças e oportunidades para o parque.

Utilizamos dois métodos, SWOT (sigla em inglês para Pontos Fortes, Pontos Fracos, Oportunidades e Ameaças – Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threaths) e GUT (sigla para Gravidade, Urgência e Tendência), para analisar 18 questionários obtidos através de entrevistas com pessoas-chaves ligadas à criação do PERB. As principais potencialidades apontadas pelos métodos foram: abundância dos recursos naturais, localização estratégica do PERB, mosaico com diferentes UCs, bom estado de conservação de diferentes ecossistemas, preservação da área, desenvolvimento de pesquisas e potencial ecoturístico. Já as ameaças mais importantes foram: proximidade com centros urbanos, inexistência de infraestrutura, influência de rodovia federal, caça, pesca, ocupação irregular e turismo desordenado. 

Esquerda: Foz do rio Itaguaré / Direita: Vista aérea da região. Fotos: Adriana Mattoso. Fonte: http://fflorestal.sp.gov.br/parque-estadual-restinga-de-bertioga/

Esquerda: Foz do rio Itaguaré - Direita: Colhereiros em manguezal da região Fotos: Adriana Mattoso. Fonte: http://fflorestal.sp.gov.br/parque-estadual-restinga-de-bertioga/

O trabalho foi relevante em dois aspectos: ao representar a primeira iniciativa de análise do PERB apontando suas forças restritivas e propulsoras mais críticas que podem vir a auxiliar na gestão efetiva do parque e ao utilizar metodologias de fácil uso para analisar UCs, mostrando que elas podem auxiliar em sua gestão efetiva (o trabalho publicado pode ser obtido em: http://www.gvaa.com.br/revista/index.php/RBGA/article/view/1772).

Hoje, fazendo uma pesquisa rápida sobre o PERB, vi que eles abriram no começo deste ano (2015) duas novas trilhas, desenvolvendo práticas do ecoturismo para fins de recreação e educação ambiental (informações aqui: http://fflorestal.sp.gov.br/2015/01/26/parque-estadual-restinga-de-bertioga-abre-duas-trilhas-para-visitacao/). Me alegrei ao ver que, ao que me parece, o PERB não será apenas mais um “parque de papel”.

Bibliografias citadas:
ARTAZA-BARRIOS, O.H. Análise da Efetividade do Manejo de duas Áreas de Proteção Ambiental do Litoral Sul da Bahia. Revista de Gestão Costeira Integrada, v. 7, n.2, p. 117-128. 2007.

BANZATO, B. M. ; FAVERO, J. M. ; AROUCA, J. A. C. ; CARBONARI, J. H. B. . Análise ambiental de unidades de conservação através dos métodos SWOT e GUT: O caso do Parque Estadual Restinga de Bertioga. Revista Brasileira de Gestão Ambiental, v. 6, p. 38-49, 2012.

FARIA, H.H. Eficácia de gestão de unidades de conservação gerenciadas pelo Instituto Florestal de São Paulo, Brasil. 2004. 401f. Dissertação (Doutorado em Geografia) – Universidade Estadual de São Paulo, 2004.

TERBORGH, J.; SCHAIK, C. V. Por que o mundo necessita de parques? In: Tornando os parques eficientes: estratégias para conservação da natureza nos trópicos. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2002.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A fertilização dos oceanos e as mudanças climáticas

Por Yonara Garcia


Você já ouviu falar de geoengenharia? É uma ferramenta cada vez mais utilizada nos dias de hoje, mas também muitas vezes controversa, pois em alguns casos o resultado pode ser completamente inesperado! 

Hoje falaremos sobre um polêmico experimento realizado em julho de 2012, por Russ George, um empresário americano, que despejou cerca de 100 toneladas de sulfato de ferro no Oceano Pacífico como parte de um projeto de geoengenharia na costa oeste do Canadá (http://www.nature.com/news/ocean-fertilization-project-off-canada-sparks-furore-1.11631). 

Fertilização do oceano por sulfato de ferro. Fonte: http://officerofthewatch.com/2012/11/05/canada-iron-fertilization-incident/
 O ferro é considerado um elemento fundamental, muitas vezes limitante, para o crescimento do fitoplâncton. O fitoplâncton é composto por microalgas que realizam fotossíntese, processo no qual utilizam a luz solar como fonte de energia e absorvem dióxido de carbono (CO2) e água para produzir matéria orgânica na forma de carboidratos. A partir desses carboidratos e com a adição de outros nutrientes, como nitrogênio, fósforo e ferro, as microalgas produzem outras substâncias, como proteínas, aminoácidos e outras moléculas que formam as células. 

Em 1980, o oceanógrafo John Martin propôs que determinadas regiões do oceano (as áreas chamadas HNLC - High Nutrient, Low Chlorophyll), apesar de ricas em nutrientes, seriam pobres em produção primária por conta da falta de ferro. Assim sendo, a adição de ferro deveria aumentar a produção do fitoplâncton e, consequentemente, afetar o ciclo do carbono, diminuindo os níveis de CO2 na atmosfera. Sua célebre frase “Give me half a tanker ful of iron and I’ll give you an Ice Age” (Me dê metade de um barril de ferro e eu te darei uma era do gelo.) causou grande euforia, pois ele acreditava que se certas áreas do oceano fossem fertilizadas, os efeitos do aquecimento global poderiam ser revertidos, resfriando a terra.

Assim surgiu a ideia que o empresário americano colocou em prática. Russ e sua equipe despejaram uma certa quantidade de ferro no mar, acreditando que iriam promover o aumento do número de organismos fotossintetizantes e, assim, aumentar a eficiência dos processos de sequestro de carbono no oceano. Sim, bem parecido com o processo de fertilizar/adubar uma plantação para que ela cresça mais rápido! Este  assunto  gerou muita polêmica, pois entra em conflito com questões éticas e políticas a respeito dos efeitos que uma intervenção como esta traria para um ecossistema tão complexo e ainda pouco conhecido como os oceanos. Para entender melhor porque a ideia deste projeto é tão polêmica, vamos primeiro falar sobre alguns processos importantes que ocorrem no “maravilhoso mundo oceânico”.


Você já ouviu falar em “bomba física”? E “bomba biológica”? Não, não é um tipo de arma de guerra para dizimar uma população inimiga! Bomba física é o processo relacionado com a solubilidade do CO2 no oceano (solubilidade = quantidade máxima que uma substância pode ficar dissolvida em um líquido). Já a bomba biológica ocorre depois deste processo, quando  uma fração do carbono dissolvido é absorvida pela atividade biológica, através da fotossíntese, nas camadas superficiais do oceano, e transportada para o fundo. Então, vamos entender melhor como ocorre este transporte de carbono no oceano…

Movimento do carbono no sistema oceânico. 1) Utilizando energia solar, o fitoplâncton fixa dióxido de carbono na zona eufótica (onde há luz). 2) Parte dessa matéria orgânica é consumida pelo zooplâncton e por alguns microrganismos heterotróficos. 3)  Parte é exportada da zona eufótica em direção a zona mesopelágica (cerca de 1000 m de profundidade), sendo que uma fração desta matéria orgânica é remineralizada e o restante segue para o fundo dos oceanos, onde demorará milhares de anos para retornar a superfície. Adaptado de United States Joint Global Ocean Flux Study.
O CO2 é um gás capaz de se dissolver na superfície dos oceanos. Este mecanismo de solubilidade está relacionado com a concentração desse gás na atmosfera e com a temperatura da água: quanto mais CO2 houver na atmosfera e quanto menor for a temperatura, maior será a quantidade desse gás dissolvido na superfície dos oceanos. Uma vez dissolvido na água, o CO2 passa para uma nova fase do ciclo, na qual será absorvido por organismos fotossintetizantes marinhos.

Uma parte da matéria orgânica formada na fotossíntese é utilizada na respiração celular e liberada em forma de CO2. A outra fração, que foi utilizada na formação da célula, é consumida pelo zooplâncton (consumidores primários nas tramas tróficas marinhas - leia mais aqui) e/ou  transportada por gravidade para o fundo dos oceanos através da chamada “neve marinha”, formada por fragmentos alimentares e pelotas fecais oriundos da alimentação do zooplâncton, conchas e microrganismos mortos. Esse processo de transferência de carbono para o oceano profundo diminui a quantidade de carbono na zona eufótica (zona que recebe luz solar suficiente para que ocorra a fotossíntese) fazendo com que bilhões de toneladas de carbono sejam sequestrados (retirados) da atmosfera por ano. Alguns estudos estimam que a bomba biológica seja responsável por remover cerca de 5-15 gigatoneladas de carbono por ano (Henson et al., 2011).

Fitoplâncton marinho. Fonte: Link
E vocês podem imaginar como essa retirada é importante tendo em vista a quantidade enorme de carbono que nossas atividades industriais, carros, aviões têm emitido na atmosfera ao longo dos últimos anos. É importante relembrar que o tão discutido aquecimento global, entre outros problemas, é provocado em grande parte por um excesso de carbono na atmosfera. De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) 2014, somente em 2010, 49 gigatoneladas de carbono foram emitidas na atmosfera por atividades antropogênicas. E é justamente por isso que esses experimentos com o ferro ganharam tanta popularidade.


Parece simples, não?! Pronto, resolvido o problema do aquecimento global! Vamos fertilizar os oceanos! Mas a coisa não é tão simples assim. Interferir em ecossistemas naturais é um assunto extremamente delicado, que pode causar danos incalculáveis e irreparáveis.

Alguns pesquisadores realizaram experimentos semelhantes ao do empresário americano e concluíram  que, apesar da fertilização aumentar a taxa de fotossíntese, a mesma pode desencadear alterações na composição química do oceano, alterando o funcionamento de todo o sistema. Por exemplo, o aumento da taxa fotossintética do fitoplâncton é diretamente proporcional à quantidade de dimetilsulfeto (DMS - enxofre volátil na forma reduzida) excretado por essas microalgas na água, que se volatiliza e vai parar na  atmosfera (ou seja, mais fotossíntese pelo fitoplâncton, mais dimetilsufeto no ar). Na atmosfera, estas partículas facilitam a formação de nuvens, o que seria ótimo, pois com a maior formação de nuvens poderia haver maior reflexão da radiação solar e assim maior resfriamento do planeta. Contudo, nem todos os tipos de nuvens têm a propriedade de resfriar o planeta. Estudos recentes apontam que outros fatores climáticos  também podem afetar a distribuição e as propriedades das nuvens,  podendo aumentar a temperatura do planeta. Além disso, foi observado que a fertilização também aumenta a produção de óxido nitroso (N2O), molécula que aquece 320 vezes mais que o CO2.


Outro estudo, publicado em abril de 2014 na Geophysical Research Letters, mostrou que mais de 66 % do carbono sequestrado pelo oceano retorna à atmosfera dentro de 100 anos. Ou seja, se por um lado  a bomba biológica ameniza a temperatura da Terra, sequestrando o carbono da atmosfera, por outro lado ainda não sabemos o que acontecerá quando houver o retorno deste carbono após certo tempo. Controverso o suficiente pra você?

Imagem obtida pela NASA, apresentando um bloom (floração) de fitoplâncton, vista por satélite.

Desta forma, apesar dos processos que ocorrem nos oceanos serem responsáveis pela redução da concentração do CO2 na atmosfera, interferir no sistema pode não ser a melhor solução, pois existem muitos processos químicos, físicos e biológicos que, por não serem compreendidos inteiramente, poderiam resultar em prejuízos não previstos. Enquanto não chegamos numa compreensão mais integrada destes processos, a redução das emissões de CO2 seria muito mais eficiente e segura do que tentar remediar um problema manipulando um processo tão complexo e ainda pouco compreendido.


Até a próxima!

Literatura consultada:
Henson, S. A., R. Sanders, E. Madsen, P. J. Morris, F. Le Moigne, and G. D. Quartly (2011), A reduced estimate of the strength of the ocean's biological carbon pump, Geophysical Research Letters, 38