quinta-feira, 28 de abril de 2016

Ecotoxicologia marinha: o “exame médico” do mar

Por Carolina Maciel


Ilustração de Joana Ho
Quando apresentamos algum sintoma de doença, ou passamos por situações que poderiam nos deixar doentes, recorremos (ou deveríamos recorrer) ao médico, profissional capacitado para nos ajudar a solucionar aquilo que tira nossa saúde. No ambiente marinho não é muito diferente. Todos os ecossistemas (definição que integra os seres vivos, suas relações e características físicas e químicas do ambiente) podem ser diagnosticados quanto à sua “saúde” através de um dos exames mais eficazes, que é a ciência que chamamos de ecotoxicologia.

Dentro da ecotoxicologia são realizados alguns testes com animais que funcionam como exames que fazemos em laboratório, dando resultados sobre como os organismos estão reagindo ao ambiente “doente”. Os animais empregados nos testes podem variar desde o (meu amado) plâncton, peixes, morcegos, aves (sim!)  até mamíferos marinhos de grandes grupos como as baleias, sem esquecer das algas e das plantas.  Vale ressaltar que no caso de organismos que possuem a coluna vertebral ou vertebrados, os testes devem ser realizados com a aprovação de um Conselho de Ética que tem como função regulamentá-los.

Exemplos de animais utilizados nos testes ecotoxicológicos
marinhos e de água doce. 
Fonte: ACQUA CONSULTING
Assim como a medicina, que pode transmitir aos seus pacientes diagnósticos sobre doenças, a ecotoxicologia tem como principal objetivo detectar qual é o problema para se chegar à cura do ambiente debilitado, sempre visando a preservação das espécies que lá vivem. Dessa forma,os testes indicam o quão “doente” o ecossistema está e qual é a gravidade dessa “doença” e, em muitos casos, auxiliam em seu tratamento.

Mortalidade de peixes devido ao incêndio que se iniciou após o vazamento de produtos químicos no estuário de Santos - SP. Fonte: Diário do Litoral, 2015
Mas o resultado dos testes não saem magicamente e é necessário muito trabalho para conseguir os organismos que vão ser testados e, depois, interpretar os “exames” do ambiente. Os organismos testados devem ser adquiridos diretamente da natureza ou podem vir de cultivos feitos dentro de um laboratório, para que então sejam realizados os testes.

Apesar do título do texto se referir ao ambiente marinho, a ecotoxicologia não atua somente no mar, pois os poluentes que vão parar no mar, geralmente tem origem na água doce. De forma semelhante, a ecotoxicologia faz testes com organismos de água doce para atestar a qualidade do ambiente, tanto em desastres naturais como para efeito de “check up” ambiental (ou o que chamamos de monitoramento ambiental).

Para ficar mais fácil, cito um exemplo bem simples e atual de como a ecotoxicologia é importante para auxiliar o diagnóstico de um ambiente “doente” ou impactado pela ação do homem: o incidente do rompimento das barragens de rejeitos da Samarco, em novembro do ano passado em Mariana (MG), despejou no ambiente grandes quantidades de substâncias que poderiam causar efeitos drásticos aos animais e vegetais que viviam nos rios próximos, sendo que a lama chegou até mesmo no ambiente marinho. Nesse caso do rompimento da barragem, o desastre ambiental conseguiu deixar o ambiente “doente”, fora do seu equilíbrio natural, contaminando-o com lama e rejeitos de mineração e é aí (que felizmente) entra a ecotoxicologia.

Lama com rejeitos tóxicos chegando ao mar do Espírito Santo, em novembro de 2015, após a quebra da barragem Samarco. A lama provavelmente impactou o ambiente e os animais marinhos. Fonte: Notícias UOL

Outro exemplo bem familiar (e que já foi publicado aqui no blog) foi um estudo de doutorado realizado por uma aluna que pretendia quantificar os níveis de metais pesados (arsênio, selênio, chumbo, cromo, etc) no tecido muscular de linguados. Além de muito importante, o interessante também neste estudo é que foi empregada uma técnica de física nuclear para diagnosticar o nível destes metais nos tecidos! Nessa situação, utiliza-se um vertebrado para diagnosticar o grau de contaminação por metais em um ambiente (na baía de Santos, no litoral de São Paulo). A importância de se estudar níveis de contaminação em organismos é revelar para a sociedade os danos que aqueles metais estão provocando nos seres vivos e tentar prevenir a degradação do ambiente. 

Os danos da poluição de rios e mares podem ser estimados através dos testes em animais (que expliquei um pouquinho aí em cima), onde são analisados os efeitos daquela carga tóxica na mortalidade, crescimento e/ou reprodução daqueles organismos presentes no ambiente poluído.

Gráfico que representa um resultado típico que obtemos quando realizamos um teste ecotoxicológico que tem como objetivo demonstrar a mortalidade dos organismos expostos às substâncias tóxicas.  Como pode ser observado, a mortalidade aumenta com o aumento da concentração do poluente. Fonte: Costa et al., 2008 (Scielo Toxicity in aquatic environments: discussion and evaluation methods)


O mais importante disso tudo é que se sabendo o grau de toxicidade ambiental (o quão tóxico substâncias podem ser para organismos vivos) é possível agir para salvar as espécies que vivem no ambiente poluído e cobrar das autoridades pertinentes a devida punição pela poluição de um sistema natural quando constatada.

Exemplo de um relatório ecotoxicológico emitido pela CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) para controle dos efluentes lançados em água doce e marinha no Estado de São Paulo. Fonte: CETESB

Entretanto, a ecotoxicologia também atua em casos felizes, como por exemplo o monitoramento de áreas que recebem uma carga de substâncias constantemente, porém sem causar danos aos organismos que vivem naquele ambiente. Nesse sentido, é como se o “exame” ecotoxicológico confirmasse que aquele ambiente está saudável. 

Mas por que testar a “saúde” de um ambiente utilizando seres vivos? Ora, essa é fácil! Justamente porque são eles que estão em contato direto com aquele ambiente e estão adaptados a viver em determinadas situações ecológicas  e qualquer mudança pequena em seu ecossistema pode ser detectada através dos danos que os seres vivos sofrem com essas mudanças. E agora você se pergunta: quais danos? Diminuição ou ausência de reprodução, imobilidade, mortalidade etc. O ambiente serve como casa para os organismos e utilizar os moradores da casa para atestar qual o estado dela seria uma opção justificável para obter diagnósticos a respeito do estado de sua casa. Por conta dos testes, normalmente, a ecotoxicologia é vista como “cruel” por alguns, mas é extremamente necessária para garantir a vida equilibrada de muitos!

Sobre Carolina Maciel:

Bióloga graduada pela Universidade Santa Cecília (Santos, SP), caiçara e amante do mar. No meio de todos os seres marinhos incríveis, escolhi trabalhar com o zooplâncton. Tive experiência na identificação dos principais grupos animais do plâncton e sua distribuição no estuário de Santos. Além do mar, a educação também é uma das minhas paixões: já dei aulas de biologia em um cursinho comunitário para jovens carentes e para crianças do fundamental em escola pública. Em 2016 comecei o meu mestrado no Instituto Oceanográfico de São Paulo (IOUSP) e estou trabalhando com comportamento natatório do plâncton em Ubatuba (SP), tentando entender como esses organismos tão pequenininhos se comportam nesse imenso e complexo oceano.

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Alcatrazes e seus peixes...

Por Natasha Hoff


Ilustração de Joana Ho.

Para falar sobre Alcatrazes, preciso falar da minha história com este lugar incrível. Começou em 2011, quando ouvimos sobre o arquipélago numa palestra e decidimos investir em um projeto na região, que seria desenvolvido no contexto de uma disciplina. Acabou que nosso projeto não foi selecionado pela disciplina, mas fomos convidados pelo pessoal da ESEC Tupinambás para executá-lo. Assim, iniciou-se uma parceira, um projeto, um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso!), um mestrado e, agora, um doutorado.


Arquipélago dos Alcatrazes, São Sebastião – SP, Brasil.

Muitos termos e nomes desconhecidos? Então, calma porque eu vou explicar. Alcatrazes é um arquipélago, predominantemente rochoso, formado por ilhas, ilhotes, lajes e parcéis. Está localizado no litoral norte de São Paulo, no município de São Sebastião, a aproximadamente 43 km da costa, partindo do Porto de São Sebastião (Fig. 1). Sua ilha principal, maior e mais imponente (visível de pontos mais altos de São Sebastião e Ilhabela), também leva este nome – Ilha de Alcatrazes. E por quê Alcatrazes? Alcatraz é o nome popular de aves muitos abundantes por lá: os Alcatrazes (Fregata magnificens, Fig. 2, esquerda), mas também pode se referir a outra espécie, o Atobá (Sula leucogaster, Fig. 2, direita). E não é a ilha americana onde se tem aquela prisão de segurança máxima! Já recebi perguntas nessa linha...


Espécies de aves muito abundantes no arquipélago dos Alcatrazes: Fragata ou tesourão (Fregata magnificens; esquerda) e Atobá (Sula leucogaster; direita).

O segundo termo que possa ser desconhecido ao leitor é “ESEC Tupinambás”. ESEC é a abreviação de Estação Ecológica, que é um tipo de Unidade de Conservação de proteção integral. Ou seja, o objetivo central de uma ESEC é a preservação da natureza e a pesquisa científica, não sendo permitida a visitação pública. A ESEC Tupinambás foi estabelecida em 1987 e possui dois núcleos (Fig. 3). O primeiro é formado pelas ilhas das Cabras e das Palmas, que também compõem o arquipélago da ilha Anchieta, em Ubatuba. O segundo núcleo é composto por porções do arquipélago dos Alcatrazes, em São Sebastião (para saber mais sobre a ESEC Tupinambás e outras áreas de proteção marinhas, clique aqui). Mas, por que apenas porções? Acho que foi uma primeira tentativa de mostrar o quanto a região é importante, mas não foi muito aproveitada por nós (sociedade civil e órgãos ambientais), visto que até hoje, as pequenas porções protegidas permanecem as mesmas. Mas isso ainda poderá mudar, e mais para frente eu explico isso!


Mapa da ESEC Tupinambás, no litoral norte do Estado de São Paulo. 
Fonte: ICMBio/ESEC Tupinambás.

Por último, mas não menos importante, temos a área Delta da Marinha do Brasil. Esta é uma área de  710 km2 delimitada em torno do arquipélago destinada a treinamentos militares. Apesar de ser, teoricamente, importante para o Brasil, os treinos de tiro trouxeram grandes impactos à ilha de Alcatrazes, usada como alvo até 2013. Como exemplos dos impactos causados temos a ocorrência de sucessivos incêndios florestais, a supressão de cerca de 12 % da vegetação original para a construção de estruturas de apoio e a introdução do capim-gordura, espécie exótica invasora. Nenhum trabalho foi feito a fim de averiguar os efeitos na biota marinha. Atualmente, em toda a extensão da área Delta é proibido fundear (lançar âncora; ancorar) e pescar. Apesar de não ser este seu objetivo, a área Delta representa a maior zona de exclusão de pesca da zona costeira do Estado de São Paulo.

Tendo isto esclarecido, podemos começar a conversa sobre o trabalho que desenvolvi no meu mestrado.

Ao terminar meu TCC, vi que aquele lugar que tanto me fascina é tão carente de informação que eu poderia continuar a gerar informações úteis e relevantes sobre a área. E foi o que eu fiz... eu tive uma ideia que foi muito bem aprimorada pela minha nova orientadora. Eu estava migrando da oceanografia química para a oceanografia biológica (aí está uma das maravilhas de ser oceanógrafa!), e estar aberta a novas proposta foi fundamental!

A ideia foi avaliar a integridade biótica dos ecossistemas da região do arquipélago dos Alcatrazes utilizando a ictiofauna marinha demersal (também conhecida como comunidade de peixes marinhos associados à superfície de fundo) como indicadora da qualidade ambiental. E todo mundo me pergunta: o que é integridade biótica? Costumo responder que é o quanto aquele ecossistema consegue se manter saudável, íntegro,  apesar das influências externas, como o tráfego de embarcações, atividade portuária, etc.

Os dados que utilizei foram provenientes de três fontes diferentes: 

1. Um trabalho publicado em 1989, pelo Prof. Alfredo M. Paiva Filho (ex-diretor do Instituto Oceanográfico da USP) e colaboradores. Foi muito interessante saber a história deste trabalho e como o instinto de pesquisador já nasce com a gente: a ideia de coletar lá surgiu durante uma travessia entre Ubatuba e Santos, como se fosse um daqueles “clicks” de ideias brilhantes que a gente tem. Foram lá, coletaram, publicaram e este foi o único trabalho utilizando a ictiofauna demersal publicado até então!

2. Em 2011, juntamente com o nosso levantamento abiótico, foi feito uma coleta que auxiliaria na elaboração do Plano de Manejo da ESEC (isso promoveria uma melhor e mais organizada gestão da ESEC).

3. Nova coleta realizada em 2014 para este projeto. Foi a primeira vez do Barco de Pesquisa Alpha Delphini pescando e uma grande experiência para todos nós!

Para avaliar os dados, utilizei dois métodos: o Índice de Integridade Biótica (IIB) e as curvas ABC (Abundance Biomass Comparison). Estes métodos foram estabelecidos na década de 1980, mas ainda são extremamente subutilizados no Brasil. O IIB é baseado em características das comunidades que são consideradas indicadores da saúde do ecossistema. Quais seriam essas características num ecossistema dito saudável? Um maior número de espécies, dentre as quais os indivíduos estejam bem distribuídos; com maior ocorrência de predadores de topo, aqui representados pelos elasmobrânquios, e especialistas em relação à alimentação (piscívoros ou invertívoros, por exemplo). A presença também de um maior número de indivíduos jovens (não aptos a reprodução) pode ser considerada uma característica positiva, indicando que determinado habitat pode estar sendo utilizado como área de alimentação e crescimento dos peixes.

Já as curvas ABC se baseiam nas características das espécies: por exemplo, quando houver influência de fatores estressores, as espécies dominantes serão, de modo geral, aquelas de menor porte, numerosas e com rápido ciclo reprodutivo e ciclo de vida curto, o que chamamos de espécies r-estrategistas. Assim, percebemos uma maior quantidade de organismos com pequena biomassa, portanto, a curva de distribuição de abundância predominaria sob a curva de biomassa num ambiente impactado e vice-versa (Fig. 4).


Curvas ABC: exemplo do comportamento das curvas em ambientes não impactado, impactado e seriamente impactado, respectivamente. Fonte: Warwick (1986).

Registramos 90 espécies de peixes, sendo 12 de elasmobrânquios. Dentre elas, aquelas que ocorreram nos três períodos e estão dentre as mais abundantes foram: Dactylopterus volitans (coió ou voador-de-fundo), Prionotus punctatus (cabrinha) e Pagrus pagrus (pargo; Fig. 5). Essas, juntamente com mais de 30 outras espécies, são apontadas como fauna acompanhante da pesca camaroeira no sudeste brasileiro, podendo ser descartadas, vendidas como mistura ou vendidas separadamente, como a merluza, o peixe-sapo (ou peixe-diabo), cinco espécies de linguado, etc.


Espécies mais abundantes e observadas em 1986, 2011 e 2014: Dactylopterus volitans (coió ou voador-de-fundo), Prionotus punctatus (cabrinha) e Pagrus pagrus (pargo). Crédito: Natasha T. Hoff.
Os principais resultados apontam para um ambiente que, apesar de protegido, vem ainda se recuperando. Em 1986, ainda não havia a área Delta nem ESEC, ou seja, não havia nada que protegesse de alguma forma a ictiofauna da região, com exceção da distância da costa. O ambiente foi classificado como pobre e a curva de abundância predominou sob a de biomassa. O ecossistema tinha baixa riqueza de espécies, uma espécie de elasmobrânquio (grupo formado pelas raias, tubarões e cações) e baixo número de predadores de topo de cadeia (no caso, seriam os organismos piscívoros, que se alimentam prioritariamente de peixes).

Deste momento até 2011, a fiscalização por parte da ESEC era incipiente e, portanto, atribuí à presença da Marinha do Brasil e da área Delta na área à proteção e melhora da qualidade ambiental neste período. Assim, passou-se de uma qualidade ambiental pobre para moderada e as curvas de abundância e biomassa se aproximaram. Muitas espécies mais foram registradas, inclusive de elasmobrânquios, que passou de uma para nove espécies, além de espécies piscívoras, etc.

A partir de 2011, aumentou o contingente e as possibilidades de uma maior efetividade de proteção do arquipélago. Isso, associado à presença da área Delta, garantiu uma melhora ainda maior na qualidade ambiental em 2014, que passou de moderada para boa, mas as curvas de abundância e biomassa permaneceram próximas, indicando que há ainda sinais de estresse na comunidade de peixes.

Dessa forma, foi possível observar que, apesar das limitações dos métodos e dos dados utilizados, os resultados foram relevantes e condizentes com o histórico de proteção ambiental do arquipélago dos Alcatrazes e da ESEC Tupinambás, que ainda precisa de maior proteção efetiva.

Com tão poucas informações sobre o arquipélago, optamos por realizar um grande levantamento bibliográfico e assim mapear o arquipélago, associando essas informações com dados relacionados  à susceptibilidade de cada trecho do arquipélago ao óleo (para prevenção caso ocorra algum derrame de petróleo que atinja a região. E eu espero que isso não aconteça!). Esse mapeamento gera o que chamamos de Carta de Sensibilidade Ambiental ao Derramamento de Óleo, ou simplesmente Carta SAO (Fig. 6). A carta contempla informações sobre a biota, correntes marinhas, localização de sítios arqueológicos, pontos históricos e o ISL (Índice de Sensibilidade do Litoral, que varia conforme a capacidade de penetração e permanência do óleo nos diferentes pontos da região em estudo), entre outras informações relevantes.


Carta de Sensibilidade Ambiental ao derramamento de Óleo (Carta SAO) da região do arquipélago dos Alcatrazes, São Sebastião – SP. Observação: escala não original.

Além do próprio mapeamento, ao realizar a carta, foi apontada uma grande lacuna de conhecimentos sobre fitoplâncton (tema já abordado neste blog) e produtividade primária, espécies de invertebrados marinhos, algas, etc.

Finalmente, quanto à alta biodiversidade que o arquipélago dos Alcatrazes apresenta, espera-se que esta se mantenha protegida pelas restrições de pesca e do tráfego de embarcações na área Delta da Marinha do Brasil, pela existência da Estação Ecológica Tupinambás e pela distância da costa. A pesca demersal, por exemplo, afeta não somente as espécies-alvo, mas aquelas removidas pela captura de pesca acidental (ou bycatch), além de desestruturar os habitat associados à superfície de fundo.

O arquipélago dos Alcatrazes ainda representa um região costeira importantíssima, e ainda muito pouco conhecida. Precisamos compreender suas relações ecológicas, ocupação e uso da área pelos diferentes organismos para, assim, subsidiar sua conservação e manejo.


Quer saber mais?

Unidades de Conservação: 
http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao

ESEC Tupinambás: 
Leite, K. L. (2014), Gestão e integração de uma Unidade de Conservação Marinha Federal (Estação Ecológica Tupinambás) no contexto regional de gerenciamento costeiro do Estado de São Paulo, Dissertação de mestrado, Escola Nacional de Botânica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

Minha dissertação: 
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/21/21134/tde-22092015-135056/pt-br.php

Fauna acompanhante e pesca camaroeira:
Graça Lopes, R., A. R. G. Tomás, S. L. S. Tutui, E. S. Rodrigues, & A. Puzzi (2002), Fauna acompanhante da pesca camaroeira no litoral do estado de São Paulo, Brasil, B. Inst. Pesca, São Paulo, 28(2), 173–188.
Sedrez, M. C., J. O. Branco, F. Freitas Júnior, H. S. Monteiro, & E. Barbieri (2013), Ichthyofauna bycatch of sea-bob shrimp (Xiphopenaeus kroyeri) fishing in the town of Porto Belo, SC, Brazil, Biota Neotrop., 13(1), 165–175.
Vianna, M., F. E. S. Costa, & C. N. Ferreira (2004), Length-weight relationship of fish caught as by-catch by shrimp fishery in the southeastern coast of Brazil, B. Inst. Pesca, São Paulo, 30(1), 81–85.

Sobre a autora:


Possui graduação em Oceanografia pela Universidade de São Paulo, e mestrado em Ciências (Oceanografia, área de concentração Oceanografia Biológica) pela USP. Atualmente, é doutoranda em Ciências pelo programa de pós-graduação em Oceanografia, área de concentração Oceanografia Biológica, pelo Instituto Oceanográfico da USP. 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

E quando os parques são marinhos?

Por Barbara de Moura Banzato


Na maioria das vezes que me perguntam sobre o meu trabalho, as pessoas não costumam entender logo de cara. Normalmente respondo que trabalho com parques marinhos, já que esse nome soa mais familiar para todos, e então cito alguns parques terrestres famosos no Brasil: Parque Nacional de Foz do Iguaçu, as Chapadas, Fernando de Noronha, etc.


Mas, afinal, e quando os parques são marinhos? Então tento explicar.


Os ecossistemas costeiros estão entre os mais produtivos e altamente ameaçados no mundo e atualmente tem experimentado mudanças ambientais muito aceleradas. Para tentar conservar estes recursos marinhos de tanta importância, a estratégia mais usada pelo mundo é a criação de Áreas Marinhas Protegidas (AMP).


Despedida da Esec Tupinambás, com a Ilha de Alcatrazes ao fundo, São Sebastião, SP.
Foto de Arquivo pessoal (2012)


A criação de AMPs potencializa ações fragmentadas de proteção de espécies isoladas (Tamar, Projeto Baleia Jubarte, Peixe-Boi, entre outros), reduzindo o potencial impacto de atividades humanas - como o turismo, porto e a mineração - e protegendo os habitats vulneráveis, uma vez que abrangem o ecossistema como um todo. Além disso, têm grande importância socioeconômica, pois mantêm recursos da pesca inerentes à área protegida e aumentam a produtividade pesqueira protegendo áreas reprodutivas. Por isso essas áreas são importantes para a conservação da biodiversidade marinha e para a restauração de estoques pesqueiros simultaneamente, representando uma possibilidade de garantir a manutenção biológica e a recolonização de áreas vizinhas devido a seu efeito reserva (Norse, 1993; Agardy, 1994; Kelleher, 1999; Fournier & Panizza, 2003).


No Brasil as AMPs são estabelecidas principalmente através das Unidades de Conservação (UC), que não necessariamente são parques. Assim como no continente, há diversas outras categorias incluídas nas áreas de Proteção Integral e de Uso Sustentável. (Veja este post que cita o SNUC e as diferentes categorias de UCs).


Mesmo reconhecendo a importância das UCs, temos muito que avançar. O Brasil foi o primeiro país signatário que participa de acordos internacionais que visam à conservação dos recursos naturais (como a Convenção de Ramsar e a Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB. (Leia mais aqui e aqui).


E em 2010, durante a Conferência das Partes da CDB foram acordadas as Metas de Aichi, entre as quais se inclui o objetivo de melhorar a situação da biodiversidade protegendo ecossistemas através da inclusão de ao menos 10% das áreas marinhas e costeiras, sobretudo em áreas de especial importância para a biodiversidade e provisão de serviços ecossistêmicos. Mesmo assim a criação de novas UCs ainda tem se dado de maneira bastante tímida.


Neste mesmo ano foi publicado pelo Ministério do Meio Ambiente um “Panorama da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos no Brasil” (BRASIL, 2010), e desde então nada mudou. Recentemente acessei o site do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, o CNUC, e vi que continuamos com apenas 1,5% do território marítimo brasileiro protegido, sendo 0,1% em áreas de Proteção Integral e 1,4% de Uso Sustentável. (Link para o CNUC).

Este panorama ainda está abaixo do observado no restante dos países há quase dez anos. Mora et. al. (2007) analisaram as AMPs em recifes de coral e observaram que estas representavam cerca de 19% das áreas com recifes de coral do mundo: 17% destinadas ao uso sustentável (US) e 1,5% à proteção integral (PI). Desta última categoria, a maior parte está localizada na Austrália (69%), Pacífico e Índico Oeste (7%) e aproximadamente 2% no Oceano Índico Central. No entanto, os autores demonstraram que os países apresentam estatísticas de criação de AMPs como se isso resultasse em ações efetivas, no entanto a maior parte dessas AMPs não é realmente implantada. No Brasil, além da baixa representatividade, as poucas UC marinhas existentes são carentes de recursos e frequentemente consideradas “parques de papel” (veja o post sobre esse tema aqui), ou seja, que existem apenas no decreto de criação.

Se nas UCs terrestres isto é uma realidade, nas UCs marinhas pode ser ainda pior. A gestão destas áreas foi por muito tempo baseada nas técnicas e manejo adotados em áreas continentais, mas na verdade apresentam características que as diferem. Então qual a diferença das UCs marinhas na prática?


Por exemplo, a impossibilidade de estabelecer limites entre AMPs, já que não há barreiras físicas no meio líquido como em uma floresta, o que por um lado garante a conectividade entre populações de espécies pesqueiras e por outro ameaça com a contaminação continental. Também não é possível estar o tempo todo nestes locais e estabelecer sedes na própria UC, o que dificulta a logística de fiscalização e pesquisa.


Por isso, em 2011 resolvi estudar a efetividade das três únicas UCs de Proteção Integral marinhas de São Paulo: duas Estações Ecológicas (ESEC) administradas pelo ICMBio, um parque Estadual administrado pela Fundação Florestal:



Baseada numa metodologia chamada EMAP -Evaluación del Manejo de Áreas Protegidas (Faria, 2004) selecionei indicadores qualitativos que fossem adequados para analisar se a realidade estava próxima das condições ideais esperadas, adaptando para as condições marinhas.


Avaliei estas unidades em cinco aspectos que envolvem a gestão:
  • Administrativo: recursos humanos, financeiros, infraestrutura, equipamentos, entre outros;
  • Planejamento: existência de plano de manejo, zoneamento, programas de educação e divulgação, cumprimento dos planos e metas;
  • Político-Legal: existência e aplicação de regras próprias, parcerias, apoio da sociedade, apoio da instituição gestora;
  • Informações disponíveis: dados atualizados sobre meio físico, biótico e socioeconômico, e;
  • Recursos protegidos: tamanho, presença de espécies raras, ameaças diretas, atividades proibidas, entre outras.


A avaliação foi feita através de questionários e conversas com a equipe, análise dos documentos gerenciais e algumas observações de campo com acompanhamento da rotina de cada UC. A soma dos resultados de cada aspecto gerou um resultado final para cada unidade, que foi então classificada de acordo com uma escala de pontuação correspondente a um padrão de eficácia, com a seguinte variação:


Quadro 1. Padrões de eficácia de gestão.
% em relação ao
ótimo
Nível de
qualidade
Significado


≤ 40,99%


Padrão Muito Inferior
Faltam muitos elementos para a gestão e essa situação não garante a permanência da unidade em longo prazo. Nas atuais condições, os objetivos de manejo não são alcançáveis.


41 – 54,99



Padrão Inferior
Há recursos para a gestão, mas a área é vulnerável a fatores externos e/ou internos em razão de haver somente os meios mínimos necessários à gestão, o que pode acarretar o descumprimento de alguns dos objetivos primários da área.


55 – 69,99


Padrão Mediano
A unidade apresenta deficiências muito pontuais que não permitem a constituição de uma sólida base para o efetivo manejo. Alguns de seus objetivos secundários podem ser desatendidos.


70 – 84,99


Padrão Elevado
Os fatores e meios para a gestão existem e as atividades essenciais são desenvolvidas normalmente, tendendo o conjunto em direção ao logro dos objetivos da unidade. As principais ações programáticas são levadas a cabo.


>85


Padrão de Excelência
A área possui todos ou quase todos componentes-chave para sua gestão efetiva, podendo absorver demandas e exigências futuras sem comprometer a conservação dos recursos protegidos. O cumprimento dos objetivos está assegurado.
Fonte: Faria (2004).


O Resultados encontrados foram de 68,19% para a ESEC dos Tupiniquins, 70,66% para a ESEC Tupinambás e 71,47% para o PEMLS.


Em maior ou menor nível, o principal problema observado é a falta de recursos de modo geral, aspecto que as UCs se mostraram mais frágeis, e que resulta na não conclusão de programas e metas propostas. Essa relação fica clara, por exemplo, observando que a falta de recursos financeiros leva a um número insuficiente de funcionários para atender todas as atividades demandadas e à falta de manutenção dos equipamentos (como embarcação) e, sucessivamente, falta operação regular de fiscalização, que por sua vez, deixa de ser utilizada no combate à exploração ilegal de recursos no interior da unidade.
Embarcação da Esec dos Tupiniquins, Itanhaém, SP,
que estava parada para manutenção. Arquivo pessoal
Estado do extintor na embarcação recebida para uso 
da Esec dos Tupiniquins, Itanhaém, SP. 
Arquivo pessoal
Por exemplo, a ESEC dos Tupiniquins, apesar de ser a primeira UC marinha criada em São Paulo, recebeu poucos investimentos financeiros, humanos e administrativos desde sua criação, sempre esteve em sede emprestada e a maior parte dos equipamentos que utilizava para desenvolver as atividades de manejo foi realocada de outros órgãos governamentais por já estarem em desuso devido às más condições de conservação ou impossibilidades de manutenção. A ESEC de Tupinambás, por outro lado, havia adquirido há pouco tempo sua embarcação de apoio e sede administrativa com recursos financeiros destinados à unidade por compensação ambiental.


Soma-se a isto a falta de informações disponíveis e falta de planejamento com que estas UCs foram criadas. Por exemplo, a falta de informações pretéritas sobre os usos socioeconômicos destas áreas e falta de informações ambientais resultou no enquadramento das ESECs em categoria que desconsidera uso das comunidades tradicionais e a vocação turística. Além disso, estas UCs possuem núcleos fragmentados e distantes, com tamanho insuficiente. O parque, por sua vez, não possuía Plano de Manejo, com informações sistematizadas da área e zoneamento estabelecido.


Mas, prefiro destacar alguns aspectos positivos.


Neste sentido, por exemplo, a ESEC dos Tupiniquins havia acabado de estabelecer seu Conselho Gestor em 2012 quando eu estava pesquisando por lá e, para garantir a participação das comunidades de pesca artesanal, realizava reuniões com tais comunidades em Cananeia na véspera das reuniões oficiais de Conselho.


Já o PEMLS teve desempenho melhor devido à sua categoria. Por se tratar de um parque, que tem uso público permitido, havia parceria com os mergulhadores, cuja presença ajudava a inibir a atuação irregular de pesca amadora e industrial na área protegida, e também um monitoramento constante das condições ambientais da área.


Ilha de Alcatrazes com suas aves marinhas,
São Sebastião, SP. Arquivo pessoal
Da mesma forma, a possibilidade da criação de um Parque Nacional Marinho no Arquipélago de Alcatrazes, foi um fator importante que contribui com melhorias na ESEC de Tupinambás, pois proporcionou grande visibilidade (estas áreas são contíguas), despertando interesse de parceria de diferentes atores da sociedade, resultando em expedições em parceria com pesquisadores de universidades que puderam gerar muitas informações para elaboração do Plano de Manejo.


Antiga Raia de tiro utilizada pela Marinha
com vegetação em recuperação. Arquivo pessoal
Destaco por fim a importância de planejamento territorial integrado, que através da criação das APAs Marinhas de São Paulo permitiu a determinação de uma área de exclusão de pesca adjacente ao Parque, que auxilia no desenvolvimento de uma zona de amortecimento.
(Veja mais aqui).



Ainda temos muito pela frente para que garantir a efetividade das UCs marinhas, mas estamos avançando graças ao comprometimento dos gestores que se esforçam na busca de parcerias para conseguirem atingir metas e contornar as dificuldades.


Tubarão baleia avistado em 03 de abril de 2016 no
Parque Estadual Marinho da Laje de Santos. Fonte: Link


Referências Bibliográficas:


AGARDY, M. T. 1994 Advances in marine conservation: the role of marine protected areas. Trends in Ecology and Evolution v.9, n.7.p 267-270
BRASIL. Panorama da conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos no Brasil. MMA. Gerência de Biodiversidade Aquática e Recursos Pesqueiros. Brasília: MA/SBF/GBA, 2010. 148 p.
FARIA, Helder Henrique. Eficácia de gestão de unidades de conservação gerenciadas pelo Instituto Florestal de São Paulo, Brasil. Tese de Doutorado em Geografia - Universidade Estadual de São Paulo: [s.n]401p. Presidente Prudente, 2004.
FOURNIER, J. PANIZZA, A. C. (2003). Contribuições das Áreas Marinhas Protegidas para a Conservação e a Gestão do Ambiente Marinho. RA.E GA, Curitiba, 7:55- 62.
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Sobre Barbara de Moura Banzato:

Possui graduação em Oceanografia pelo Centro Universitário Monte Serrat (2008) e mestrado em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo - PROCAM (2014). Recém aprovada no Doutorado do Programa de Evolução e Diversidade pela Universidade Federal do ABC (Faculdade de Ciências Naturais). Atua há 10 anos com gestão, planejamento e trabalhos de socioeconomia em Unidades de Conservação marinhas.