quinta-feira, 25 de maio de 2017

Discussão científica na mesa do bar

Por: Raquel Moreira Saraiva

Pint of Science leva ciência para bares soteropolitanos


   Quem imaginaria um bar lotado para ouvir palestra de um pesquisador numa noite de segunda-feira? Isso aconteceu em várias cidades dos 11 países que sediaram o Pint of Science em 2017, ocorrido nos dias 15, 16 e 17 de maio. O festival, que começou na Inglaterra em 2013, acontece no Brasil desde 2015 e chegou a Salvador (BA) este ano. 

   No dia da estréia, a conversa sobre “História Ambiental da Baía de Todos os Santos” foi comandada pelo professor Eduardo Mendes, do Instituto de Biologia da UFBA, no Caranguejo do Porto, bar localizado na Barra. O pesquisador abordou aspectos econômicos, históricos e naturais de Salvador para explicar a trajetória da Baía de Todos os Santos (BTS), desde a chegada dos portugueses à região, no ano de 1.501, até os dias atuais.

   A BTS é a segunda maior baía do litoral brasileiro, com 1.233 km², e a única a possuir uma extensão expressiva de recifes de coral, além de estuários e manguezais. As características geológicas da BTS a tornam de fácil navegação, o que facilitou o desenvolvimento econômico da região através do acesso de embarcações de médio e grande porte. Por outro lado, a atividade portuária intensa é um dos principais fatores causadores de impacto ambiental na BTS, como ressaltou o professor no Pint of Science. 


O professor Eduardo Mendes falou sobre a História Ambiental da Baía de Todos os Santos
 (Foto: ASCOM UFBA).

   O acidente geográfico que caracteriza a BTS resulta principalmente de atividade tectônica e confere à região uma paisagem encantadora. Além disso, o clima tropical e a grande diversidade natural que compõe o sistema bentônico costeiro fazem de Salvador um importante pólo turístico e atrai cada vez mais o turismo de natureza, ou “ecoturismo”. A atividade humana, entretanto, tem gerado poluição e invasão de espécies exóticas, dois dos maiores problemas ambientais que a BTS tem enfrentado. Eduardo Mendes ressaltou a falta de atuação do poder público para reverter ou mesmo amenizar o quadro. Francisco Barros, professor do Instituto de Biologia da UFBA, prestigiou o evento e ressaltou que a popularização da ciência através de iniciativas como o Pint of Science é de extrema importância para conscientizar a população e para que medidas profícuas sejam tomadas em relação à preservação ambiental “O poder público quer o que a população quer. Se nós não estivermos bem informados, não temos muita chance de pressionar o poder público”.
   No Brasil, a comunicação científica ainda se concentra nos periódicos acadêmicos, que disseminam os resultados das pesquisas para os pares. As iniciativas de popularização da ciência, por sua vez, em geral se restringem a museus e estão atreladas a incentivos governamentais. Nesse cenário, o Pint of Science inova ao levar o conhecimento gerado na academia a um ambiente informal em um evento aberto ao público.
   Em 2017, o Pint of Science aconteceu em 22 cidades brasileiras, incluindo Salvador (BA), Teresina (PI) e Goiás (GO). Um evento como este tem grande importância e significado, especialmente nas regiões cientificamente menos tradicionais. Embora tanto o número de publicações quanto as redes colaborativas venham aumentando nos últimos anos, a hegemonia da produção científica nacional está longe de ser reduzida. O pesquisador Otávio Sidone, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, mostrou em um trabalho publicado no ano passado que, no período entre 2007 e 2009, sete universidades das regiões sul e sudeste foram responsáveis por mais da metade dos produtos científicos do Brasil. Essas regiões concentram não só universidades e institutos de pesquisa consolidados, mas também recursos humanos e financeiros. De acordo com Lima e colaboradores, em trabalho publicado em 2008, a descentralização do conhecimento gerado nas universidades e centros de pesquisa contribui inclusive para criar condição de ascensão social através da apropriação de conhecimento pela população, o que tem significado ainda mais importante no contexto de desigualdade social que o país apresenta.

   A linguagem acessível permitiu a compreensão da fala do professor Eduardo Mendes até para quem não é da área de biológicas. Cleiton Lima, servidor público da área de tecnologia e mestrando em Ciências da Computação, foi convidado para a palestra sobre a Baía de Todos os Santos por amigos, e avaliou a experiência como muito positiva “Eu acho que a relação da academia com a sociedade é muito distante, e eventos como esse fazem com que as pessoas despertem para temas que são importantes de discutir mas que estão enclausurados na universidade”.



O público compareceu à primeira edição do Pint of Science em Salvador 
(Foto: ASCOM UFBA).

   O evento parece ter cumprido seu papel. O garçom Vinícius de Lima se surpreendeu com o comportamento do público “Normalmente o salão é bem barulhento, e hoje, mesmo cheio, tava silencioso”. Vinícius disse que, por causa do trabalho, ouviu muito pouco da palestra, “mas gostei bastante do que ouvi, amanhã vou tentar prestar mais atenção”. Ana Leonor, professora da Faculdade de Farmácia da UFBA, participou da produção do evento e ressalta que basta estar no local para participar do Pint of Science “Mesmo o cara que tava em uma mesa no cantinho e nem sabia do evento, escuta e se interessa. Assim o senso crítico da população é estimulado”.
   Não só a comunidade não-acadêmica ganha com o evento. Antônio Dórea, estudante de mestrado de ecologia na UFBA, destaca que eventos como esse enriquecem também quem faz a ciência “A discussão que surge nesses ambientes, com pessoas diferentes, de outras áreas e com pontos de vista diferentes, pode abrir nossas mentes inclusive para a prática científica”. 
   Cleiton Lima já faz planos de assistir nos próximos anos e até de participar como palestrante “A partir de hoje me considero parte do evento. Eu gostaria de trazer o conceito de inteligência natural para o público entender como a matemática pode participar do dia a dia”. O professor Francisco Barros faz uma ressalva: “Vou fazer de tudo para participar nos próximos dias, mas não sei se consigo tomar outra cerveja durante a semana”. 
   A produção do evento também avaliou a estreia como um sucesso. “O público aderiu e a discussão fluiu bem, a tendência é isso aumentar cada vez mais”, disse Ana Leonor. Um brinde ao sucesso da ciência no bar!

Para saber mais:

Baía de todos os santos Aspectos oceanográficos Vanessa Hatje Jailson B. de Andrade








2 comentários:

  1. Muito importante o texto Raquel! De toda a minha rede de amigos, tenho uma amiga não pesquisadora que foi! Acredito que o evento seja um belo começo, mas mesmo em um bar, ainda não estamos atingindo os muros de fora da universidade!

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    1. Sim. Engraçado que o evento foi muito divulgado dentro das universidades. Ou seja, o público alvo acabou sendo os próprios acadêmicos. Tem que rever isso.

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