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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Os furacões e seus nomes

Por Carolina Barnez Gramcianinov


Ilustração: Silvia Gonsales

A temporada de ciclones tropicais no Atlântico começou dia 19 de abril e já temos um furacão para entrar na história. Irma foi devastador e provavelmente não teremos mais furacões com esse nome no Atlântico. Você sabe por quê? Já se perguntou de onde vem os nomes dados aos furacões e por que isso é feito?

Nomear os ciclones tropicais (ou furacões) com nomes próprios, simples e curtos facilita a comunicação e os alertas à população. Antigamente, códigos envolvendo a latitude e longitude eram usados, mas isso causava certa confusão pela quantidade de letras e números. Durante a temporada de furacões é comum ter mais de um sistema atuando no Atlântico ao mesmo tempo e é importante que o alerta seja entendido claramente para cada um deles.  A confusão entre furacões que ocorrem ao mesmo tempo e atuam em regiões diferentes ou em sequência era muito comum quando a notícia era passada, principalmente via rádio, o que atrasava e comprometia os alertas e planos de evacuação.


Animação com imagens de satélite do dia 14 de Setembro de 2017 do Oeste do Pacífico Norte, com os ciclones tropicais Talim (mais ao norte) e Doksuri (mais ao sul). Esta imagem em infravermelho colorido mostra as características das nuvens, e consequentemente, chuva, associada aos sistemas atmosféricos. Quanto mais fria é a nuvem, mais alta ela está e maior é o potencial de chuva forte. Na escala de cores adotada, nuvens mais altas são representadas pela cor vermelha. (fonte: http://www.ssd.noaa.gov/PS/TROP/Basin_WestPac.html, acessado em 14/09/2017).

A tradição de nomear furacões tem sua origem no Oceano Índico Oeste, onde as comunidades atingidas os nomeavam de acordo com o santo do dia. No início do século XIX, um meteorologista australiano passou a dar nomes femininos aos ciclones e essa prática foi adotada ao redor do mundo, especialmente por meteorologistas da Marinha e Exército durante a 2a Guerra Mundial. Apenas em 1978 nomes masculinos passaram a ser usados no leste do Pacífico Norte e, um ano depois, no Atlântico e Golfo do México.


Atualmente, os nomes são escolhidos a partir de listas organizadas pela Organização Mundial de Meteorologia (WMO, em inglês1). Existe uma série de listas para cada região oceânica afetada por ciclones tropicais, totalizando 10 grandes listas. Todas obedecem ordem alfabética, o que permite saber qual é o número do ciclone da estação. Em qualquer região, um ciclone tropical que começa com A é o primeiro da estação. Regiões com muita atividade de ciclones têm listas mais extensas. A lista do Atlântico e Golfo do México, por exemplo, possui 21 nomes por estação, a do Pacífico Norte Central possui apenas 12. Mas e, se durante a estação, houver mais furacões do que nomes? Cada região tem uma saída para isso. No Atlântico inicia-se o alfabeto grego, Alfa, Beta e assim por diante. Em outras regiões passa-se para a lista do ano seguinte, e em algumas existe até uma lista de nomes reservas!


Imagens do satélite GOES do Furacão Wilma (2005) atingindo a Florida (EUA). Este foi o ciclone tropical mais intenso registrado na bacia do Atlântico, atingindo ventos de 295 km/h. (fonte: NOAA - http://www.ssd.noaa.gov/PS/TROP/trop-atl.html)

Cada grande região já tem uma lista que contempla nomes para mais de um ano. Quando se chega ao último nome da última lista disponível, volta-se à primeira. Por exemplo, no Atlântico temos 6 listas, isso significa que a cada 7 anos, as repetimos. Portanto, em 2023 estaremos usando a mesma lista deste ano! Por isso, às vezes, ouvimos nomes repetidos, ou, quando vamos pesquisar sobre um furacão aparece mais de um com o mesmo nome. Mas então há a pergunta: por que nomes de ciclones "famosos" como Katrina e Sandy não aparecem mais na lista? A resposta é que, por consideração às vítimas, ciclones que causaram muitos danos e mortes têm seus nomes retirados das listas. Nesse caso a WMO elege um nome com a mesma inicial para a substituição. Esse é o caso dos ciclones tropicais Haiyan (Filipinas, 2013), Sandy (EUA, 2012), Katrina (EUA, 2005) e Mitch (Honduras, 1998), por exemplo. Para mais nomes aposentados de furacões, clique aqui.

O furacão Irma (2017) já está entre os mais intensos da história e foi o ciclone mais intenso a atingir os EUA desde o Katrina (2005). Outra característica marcante foi a quantidade de dias que ele ficou em sua intensidade máxima: foram cerca de 2 dias com ventos que atingiram quase 300 km/h (2).  Os danos foram enormes e já se discute sua retirada da lista de nomes (3). Ele é o décimo nome com “I” a ser retirado da lista do Atlântico, sendo esta inicial a com maior quantidade de nomes retirados: Ione (1955), Inez (1966), Iris (2001), Isidore (2002), Isabel (2003), Ivan (2004), Ike (2008), Igor (2010), Irene (2011),  Ingrid (2013).


Exemplo do monitoramento realizado pelo Centro Nacional de Furacões dos EUA (NHC, em inglês). Na imagem podemos ver o furacão José e duas perturbações com pequeno potencial de desenvolvimento de ciclones marcados com "X" amarelo (chances menos que 40%). (fonte: http://www.nhc.noaa.gov/, acessado em 14/09/2017).


Se quiser saber qual será o nome do próximo ciclone tropical, confira as listas no site da Organização Mundial de Meteorologia1.
Quer saber qual será o nome do próximo furacão? Veja na página do National Huricane Center: http://www.nhc.noaa.gov/

Referências

(1) https://public.wmo.int/en/About-us/FAQs/faqs-tropical-cyclones/tropical-cyclone-naming
(2) http://fingfx.thomsonreuters.com/gfx/rngs/STORM-IRMA/010050RH1R0/index.html
(3) https://www.usatoday.com/story/weather/2017/09/07/irma-likely-join-long-list-retired-hurricane-names-start-i/641999001/ 

Sou oceanógrafa pelo IO-USP, onde também fiz mestrado em Oceanografia Física. Sempre me interessei pelo impacto dos oceanos no tempo e no clima, o que me motivou a entrar no doutorado em Meteorologia no IAG-USP. Desde que entrei na graduação, me apaixonei pela física dos oceanos e seus impactos em outros processos. Agora no doutorado, foi impossível não me encantar com a dinâmica e termodinâmica da atmosfera. Busco estar entre esses dois meios e acredito que ainda falta um entendimento integrado entre estas áreas para uma melhor compreensão do sistema climático.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Atuar em oceanografia implica obrigatoriamente em ter uma carreira acadêmica?

Por Adriana Lippi

Desde que ingressei na graduação de oceanografia sempre ouvi questionamentos relacionados ao "o que você vai fazer": O que o oceanógrafo faz? Trabalha com pesquisa, né? Vai trabalhar no TAMAR, certo? entre outros. Eu também não tinha muita certeza de como iria ser depois de formada, mas considerava a carreira na ciência.

Ao começar o meu curso também me engajei em diferentes atividades durante a graduação: participei de entidades estudantis, empresa júnior, me lancei a editar um informativo impresso para os alunos, resolvi que queria fazer um site primeiro para a atlética e depois para o  centro acadêmico, organizei alguns eventos… e tentei me formar nesse meio tempo.

Quando me deparei com a parte "científica-acadêmica": iniciação científica e trabalho de graduação, senti uma imensa dificuldade. Óbvio que bateu a maior crise existencial: "Poxa, mas eu fiz tanta coisa nesses anos e não consigo escrever essa monografia! Não consigo ter uma bolsa de iniciação? Posso montar um site inteiro, mas não consigo entender o que estou fazendo nessa pesquisa...". Entreguei a monografia mesmo assim, fazendo como foi possível, levei várias puxadas de orelha de relator e orientador. Acabei optando por não ingressar num mestrado logo após a graduação, ao contrário da maioria dos meus colegas que seguiram na área, consegui uma bolsa de desenvolvimento tecnológico em um projeto no INPE e lá fiquei por 6 meses.


Ilustração: Joana Ho.

Nesse período tive oportunidade de (re-)ingressar na vida acadêmica, possibilidades de mestrado, tempo para estudar, poucas responsabilidades. Até tentava, mas não me animei. Ler artigos científicos e bolar um projeto com hipótese, metodologia e selecionar e citar referências me deixava ansiosa só de pensar. Demorei até aceitar que era possível que a ciência não encaixasse com as minhas habilidades e ambições, pelo menos nessa altura da minha vida.

No final do último ano de graduação e nesse período no interior consegui fazer uma graninha fazendo sites, habilidade que consegui desenvolver durante a graduação, depois de fazer a disciplina de introdução à lógica de programação. Na disciplina descobri que programar era algo que gostava muito e isso me levou a programar sites. Fazia isso por gosto, às vezes para tapar algum buraco, quando precisava de um site para um evento. Demorei muito até ver que poderia usar essa habilidade para pagar umas contas. Tive um grande amigo, que até hoje é meu parceiro no trabalho e na vida, que insistiu muito comigo até que pudesse enxergar que poderia fazer isso como profissional.

Tinha um lado de mim que me incomodou por muito tempo: “Estou fazendo oceanografia, não quero desperdiçar a graduação fazendo sites, que todo mundo pode fazer. Quero ser oceanógrafa!”. Porém, volta e meia aparecia alguém precisando dos “meus serviços”: fazer um site ali, organizar um evento aqui, ajudar com uma diagramação acolá… Na grande maioria todos essas pessoas eram do meio científico: professores universitários, pesquisadores, entre outros.

Demorou mais um tanto para que pudesse ver que fazendo isso não estava desviando da minha área de oceanografia. Foi um professor que me mostrou: “Atividades-meio importam”, ou seja, posso não estar fazendo a atividade-fim: pesquisa, publicações, livros, porém minha atuação (atividades-meio) ajudava que essas atividades-fim fossem desenvolvidas de uma forma melhor. Aí perdi a vergonha do meu trabalho!

A partir dessa conclusão, consegui me ver de uma forma mais definida como profissional, investir mais na minha capacitação, divulgar um pouco melhor o que fazia, etc. Desde então consegui uma colocação dentro de uma empresa onde aprendi muito, e recentemente optei por mudar meus caminhos indo para o terceiro setor.

Sobre Adriana:
Oceanógrafa, programadora web, viciada em ler, aprender e questionar, com mania de controle de tarefas, equipes e finanças de projetos, diretora do Instituto Costa Brasilis. Me apaixonei pelas diatomáceas ainda no colégio, achava que passaria o resto da minha vida trabalhando com esses minúsculos e quase invisíveis seres, mas não podia ignorar as coisas visíveis do meu dia-a-dia que achava importante realizar. Participei da A.A.A Oceanográfica, do Centro Acadêmico Panthalassa, encabecei O Escafandro (periódico feito pelos alunos da graduação do IOUSP), participei da organização de eventos científicos (SNO2010, SBO2011, Oceanos & Sociedade 2013, ISBS2015), fui gerente de Tecnologia de Informação e Comunicação na SALT e agora to tentando descobrir como viver no mundo das ONG’s, mas com saudades das minhas diatomáceas!

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Os peixes e a física nuclear


Por Maria Luiza Flaquer da Rocha

A contaminação pode ser definida como a condição na qual substâncias estão presentes onde normalmente não estariam, ou quando ocorrem em concentrações acima dos níveis naturais para uma determinada região. A maior parte da contaminação que chega aos oceanos vem de atividades realizadas em terra e os ecossistemas costeiros, que incluem as áreas mais produtivas dos oceanos, são os mais diretamente afetados. Um dos principais resultados é a diminuição da biodiversidade e, como consequência, dos recursos naturais. É necessário, portanto, entender e quantificar os impactos causados por atividades humanas que afetam as regiões marinhas.

desenho_de_peixe[1]
                              
Um dos estudos que fiz no meu trabalho de doutorado foi a avaliação dos níveis de metais pesados (que são metais ou semi-metais da tabela periódica de elementos químicos cujas densidades são maiores que 5 g/cm3 e são potencialmente danosos para a maioria dos organismos) presentes na baía de Santos, no Estado de São Paulo, pela da análise do tecido muscular de um linguado chamado Achirus lineatus (Foto_1). Eu escolhi esse peixe porque ele vive em contato muito próximo com o sedimento (no fundo do oceano), pois gosta de ficar enterrado para se proteger dos predadores e poder surpreender a sua presa, que pode ser um camarão ou um poliqueta desavisado. E isto pode ser um problema para o Achirus porque é no sedimento que se encontra, normalmente, a maior concentração de contaminantes. Os metais, por exemplo, quando entram nos sistemas aquáticos, podem permanecer dispersos na coluna d´água ou podem “grudar” em partículas minerais como areia, silte e argila e afundar.


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Foto_1 – Linguado Achirus lineatus (Actinopterygii, Pleuronectiformes). Fonte: www.fishbase.org.

Mas por que investigar a presença de metais no ambiente? Porque os metais podem se bioacumular (processo de absorção de compostos químicos do meio) nos peixes e causar distúrbios no crescimento, na reprodução, no sistema imunológico, patologias na pele, brânquias, fígado e rins, além de deformações no esqueleto dos mesmos (foto_2). Além disso, podem também afetar a nós, seres humanos, ao consumirmos esses peixes contaminados. Por isso, esse tipo de estudo é tão importante.


Foto_2 – Esquema mostrando como o peixe pode absorver os metais.

Bom, mas onde entra a física nuclear? Depois que coletei os peixes que queria (foto_3), retirei uma parte do tecido muscular dos peixes que foi, posteriormente, seco e triturado para ser transformado em uma espécie de pastilha. Essa pastilha foi colocada num porta-amostra e depois inserida num acelerador de íons (foto_4), num método chamado Particle Induced X-Ray Emission (PIXE) ou Emissão de Raios-X Induzido por Partículas. Esse método é baseado numa técnica de física nuclear, onde a amostra a ser analisada é irradiada por partículas carregadas liberando raios-X característicos (feixe de íons com energia de 3 MeV/u.m.a. ou Megaelétron-Volt, unidade de medida de energia, empregada em física atômica e nuclear, equivalente a um milhão de elétrons-volt), que são detectados por um espectrofotômetro que é um instrumento de análise capaz de medir e comparar a quantidade de luz absorvida, transmitida ou refletida por uma determinada amostra. O método é sensível para elementos da tabela periódica e permite determinar, por correspondência, a composição elementar de amostras muito pequenas, com menos de 0,1 mg de massa. O feixe bombardeia uma área de 4 mm2, permitindo a determinação e a quantificação dos elementos investigados.

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Foto_3 – B. Pq. Velliger II (IOUSP) na baía de Santos (SP) e a rede de arrasto de fundo com os peixes coletados. Fotos: Diego Moraes.



Dessa maneira, eu pude saber se o peixe que reside na baía de Santos estava contaminado com metais pesados. Se você ficou interessado nesse método e quer mais informações, você pode dar uma olhada nesse site: http://implantador.if.ufrgs.br/index.php/Laborat%C3%B3rio_de_Implanta%C3%A7%C3%A3o_I%C3%B4nica, que é do laboratório onde essa análise foi realizada. Fica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.


Quando analisei os resultados, pude identificar alguns elementos metálicos presentes na musculatura dos linguados, dentre eles: cromo (Cr), arsênio (As), selênio (Se), chumbo (Pb) e mercúrio (Hg). O cromo é um elemento essencial para sistemas biológicos, embora em excesso seja tóxico causando danos ao fígado e ao rim. Pouco se sabe sobre os efeitos do arsênio e do selênio, mas há indicações que esses elementos afetam de alguma forma o processo reprodutivo dos peixes. O chumbo é um elemento que se acumula principalmente no tecido ósseo. Entre os elementos metais, o mercúrio é um dos mais danosos para os peixes; a maior parte do mercúrio é absorvida na forma de metil-mercúrio (MeHg), a qual é rapidamente assimilada pela trato digestório. Esse metal tende a se acumular no fígado e no rim, ou pode se ligar aos aminoácidos no tecido muscular.

Todos os valores que encontrei nas amostras estavam acima dos valores de referência desenvolvidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (ANVISA) do governo brasileiro, os chamados “Limites Máximos de Tolerância” ou LMT, para contaminantes inorgânicos em pescado.


As descargas de metais pesados no ambiente marinho têm se tornado motivo de grande preocupação em todo o mundo devido à toxicidade e comportamento bioacumulativo dos elementos. Estudos sobre metais pesados auxiliam a prevenção da degradação dos sistemas marinhos, mas também são importantes sob o ponto de vista da saúde pública, ao medir a concentração de metais nos organismos, principalmente daqueles que oferecem risco à saúde humana e que podem acarretar problemas neurológicos, gástricos, lesões renais e mesmo câncer, como no caso do chumbo.


Infelizmente os peixes marinhos não podem nos contar todos os danos que estão sofrendo com a poluição, mas a inclusão de estudos como este em avaliações ambientais pode auxiliar no detalhamento das alterações que estão ocorrendo no ambiente!


Gostou do assunto e quer saber um pouco mais? Acesse a minha tese em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/21/21131/tde-20012010-142416/pt-br.php


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Foto_4 – Detalhe do acelerador de partículas chamado Tandetron 3MV e ao lado, destaque para o monitor com o resultado da espectrofotometria dado por um gráfico. Laboratório de Implantação Iônica do Instituto de Física – UFRGS). Fotos: Dr Wellington Fernadez.


Sobre Maria Luiza Flaquer da Rocha:
Graduação em Ciências Biológicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Oceanografia Biológica no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP). Assistente de Pesquisa na Experimental Hatchery (RSMAS) – Projeto: Shrimp larvae culture system / Algae culture e monitoria na aula prática da disciplina Aquaculture Management I e II na University of Miami – EUA. Doutorado em Oceanografia Biológica no IOUSP. Pós-Doutorado em Oceanografia Biológica (IOUSP) em parceria com o Laboratório de Implantação Iônica do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.Atividade atual Pesquisadora bolsista, junto à Coleção Biológica Prof. Edmundo F. Nonato (ColBIO) do IOUSP, de outubro de 2011 até a presente data. E mãe do Rafael Soares, autor do post “O filho que concorreu com a ciência e empatou” (http://batepapocomnetuno.blogspot.com.br/2015/05/o-filho-que-concorreu-com-ciencia-e.html)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

10 habilidades profissionais que você desenvolve fazendo ciência


Por: Lilian Pavani

Quem faz (ou já fez) pesquisa científica sabe como é difícil explicar o que faz, uma vez que o seu trabalho não é um estágio ou emprego, você é bolsista de iniciação científica, mestrado ou doutorado, o que te coloca basicamente na posição de estudante. Quem nunca ouviu a frase “você trabalha ou só estuda?”. Ao contrário do senso comum, sim, você trabalha e muito!!
Engana-se quem pensa que trabalhar com pesquisa é moleza. Pesquisar vai muito além de ler artigos e livros, e envolve essencialmente a construção de conhecimento novo. Nesse ardoroso caminho, todo cientista é forçado a aprender muita coisa que é valorizada no “mundo real”.
Quando eu fazia pesquisa não tinha muita noção de todas as coisas que tinha aprendido, mas quando comecei a trabalhar no mundo empresarial percebi quantas habilidades eu possuía graças à minha iniciação científica e mestrado, ambos em ecologia marinha. Mas independentemente do assunto que você pesquisa, com certeza você concorda com o seguinte:

1. Você sabe usar Word e Excel
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Você pode precisar de uma série de softwares complicados para analisar algo específico do seu trabalho, mas jamais vai dispensar uma tabela de dados ou um gráfico feito no Excel, transformando de pizza para barras e trocando cores de séries de dados até achar o modelo que melhor representa seus resultados. E esteja você pleiteando uma bolsa, apresentando resultados ou formatando uma tese, com o perdão do trocadilho, você tira o Word de letra. Você insere tabelas, imagens e referências sem perder de vista a formatação de parágrafos, margens e rodapés.

2. Você sabe fazer belas apresentações em PowerPoint
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Quem nunca fez um pôster para apresentar em um congresso? E apresentações para uma disciplina da pós ou para sua banca examinadora? Com certeza você desenvolveu um bom senso estético e sabe como escolher a melhor cor de fundo, a melhor fonte, sabe distribuir os elementos do seu slide de forma simétrica e sabe que uma imagem vale mais que mil palavras, apresentando de forma maestral todas as informações importantes adequadas ao tempo disponível, seja 5, 20 ou 50 minutos.

3. Gerenciamento de projetos é algo natural
Provavelmente, tudo começou com uma pergunta que você gostaria de responder, uma necessidade que você identificou – etapa de Iniciação. Para responder a essa sua pergunta você precisou escrever um projeto de pesquisa, então teve que levantar informações, definir as atividades necessárias ao seu estudo, estimar os recursos necessários e prazos - etapa de Planejamento. 
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Com sua bolsa aprovada, você desenvolveu as atividades pré-definidas - etapa de Execução – e enquanto o seu projeto estava sendo desenvolvido, de tempos em tempos algumas atividades e processos foram revistos,  buscando um ajuste e melhorias - etapa de Monitoramento e Controle. Ao final das atividades você apresentou seus resultados em um relatório final e talvez até um artigo, que passou por rigorosa avaliação do seu orientador e outros pares (praticamente uma auditoria) - etapa de Finalização. Pronto, você pode nunca ter ouvido falar em PMBOK ou MS Project, mas sabe tudo de gerenciamento de projetos!

4. Qualidade é obrigação  
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Os níveis de exigência na área acadêmica chegam a ser estratosféricos. Já vi gente sendo desligada da pós graduação porque suas notas não atingiam o desejado pelo programa, o qual tem uma reputação a zelar junto à CAPES e agências financiadoras. Da mesma forma, se seu resumo não estiver satisfatório você não pode apresentar seu trabalho em um congresso e se seu artigo não estiver bem estruturado não será publicado em nenhum periódico. Os pares avaliam tudo e varrem o seu trabalho em busca de um deslize, portanto, fazer bem feito sempre é a ordem.

5. Você se transforma em uma pessoa criteriosa
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Em vista da obrigação da qualidade, quanto mais criterioso você for no desenvolvimento do seu trabalho, maior a chance de que ele seja bem feito. Sem perceber você acaba adquirindo esse hábito.

6. Argumentar é mais que necessário
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Tanto para discutir seus resultados quanto para solicitar financiamento ou convencer seu orientador, você precisa saber embasar, defender e provar seus pontos de vista.
  
7. Você aprende a lidar com pessoas
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Durante a sua pesquisa você precisa lidar com pessoas diferentes em diversos níveis hierárquicos o tempo todo. No mínimo você tem um orientador, quando não há também co-orientadores. Se você está no mestrado ou doutorado, você terá colaboradores, os alunos de iniciação científica. E sempre haverá a necessidade de se relacionar com outros membros do departamento onde você trabalha, principalmente outros professores. Quem conhece minimamente a área acadêmica sabe que costuma haver uma guerra de egos, e você estará sob o fogo cruzado, fazendo o possível para manter as coisas caminhando sem prejudicar o andamento da sua pesquisa.

8. Você entende que prazos são importantes e os cumpre
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Se você possui uma bolsa, você estará sempre atento aos prazos de relatórios de acompanhamento, aos prazos de prestação de contas e liberação de verbas. Se você ainda não tem, você está acompanhando os prazos do programa, bem como os editais para saber quando submeter uma proposta. E se você quer apresentar seu trabalho em um congresso, você tem prazo para envio de resumos (em alguns casos os organizadores podem estender o prazo, mas em geral as pessoas aproveitam a extensão de prazo para revisar).

9. Gerenciamento financeiro faz parte
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Em geral as bolsas de pós-graduação e algumas de iniciação científica possuem uma reserva técnica, uma verba extra que não remunera o pesquisador, mas serve para a aquisição de equipamentos, livros, realização de saídas de campo, enfim, atividades necessárias ao desenvolvimento da sua pesquisa. Essa verba não é   um valor alto e você aprende a gerenciar os recursos financeiros buscando o melhor custo-benefício. Em alguns casos, você aprende até a gerenciar verbas de projetos diferentes para a compra de materiais comuns a todos os envolvidos no laboratório.

10. Você sabe que o seu sucesso depende inteiramente de você

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O ambiente acadêmico acaba sendo muito hostil, exigindo muita dedicação. Por isso, em geral as pessoas buscam se qualificar o máximo possível e estão sempre em busca do aperfeiçoamento.


Portanto, se você tem a intenção de deixar a carreira acadêmica e seguir outra carreira, valorize-se! Você tem muito a oferecer! ;)

Sobre Lilian Pavani:

Bióloga, mestre em ecologia e especialista em engenharia ambiental pela Universidade Estadual de Campinas, amante de esponjas e outros invertebrados marinhos, principalmente os coloridos. Após navegar entre esponjas, algas, anfípodes e petróleo, as correntes e ventos a levaram literalmente a outras estradas, onde atuou no estudo de fauna atropelada, supervisão e gerenciamento ambiental de obras de rodovias. Nutre interesses muito diversos como educação, inovação e cozinha, toca flauta doce em um grupo amador de música antiga, escreve pensamentos e observa pássaros. Enfim, vive com os pés na areia e meio que assim, entre marés.

Lilian Pavani é também autora de outros posts em nosso blog. Clique aqui e leia mais. 


sexta-feira, 31 de julho de 2015

Importância e curiosidades das coleções científicas

Por Jana M. del Favero

Entre o fim do mestrado e o começo do doutorado fiz uma pausa de um ano e meio na qual participei da montagem da Coleção Biológica Prof. Edmundo F. Nonato - ColBio, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (http://www.io.usp.br/index.php/infraestrutura/colecao-biologica). Foram meses verificando frascos com algum tipo de material biológico, entre peixes, zooplâncton, otólitos, e digitando todas as informações sobre os mesmos no computador, como datas de coleta, locais, profundidades de coleta, o tipo de amostrador usado, a embarcação etc. Foi durante esse período que percebi a importância das coleções científicas, que preservam materiais cuidadosamente coletados para diversos fins, possibilitando inúmeras pesquisas. 

Sou suspeita para falar, pois foi durante esse período trabalhando na coleção que observei que havia amostras de ovos e larvas de uma espécie de peixe (Engraulis anchoita) durante vários anos, desde 1974 até 2010, o que me possibilitaria uma análise da distribuição e abundância desses organismos  em um longo período de tempo, verificando a influência de fatores ambientais que não podemos analisar com poucos meses de coleta. Citando o que a Silvia Gonsales (nossa ilustradora) me disse, “as coleções armazenam peças com informações relevantes de um quebra-cabeça a ser montado e desvendado pelos pesquisadores”. É por isso que quando ocorre algum acidente, como o incêndio do Instituto Butantã em 2010, não são apenas cobras já mortas que se perdem, mas sim informações relevantes, insubstituíveis, que deixarão buracos nesses quebra-cabeças, que podem se tornar impossíveis de serem montados. 



Fig. 1: Organismos preservados depositados no ColBio. Foto: Gabriel Monteiro.

Outra grande importância das coleções biológicas é a economia financeira que podem proporcionar. Muitas vezes não nos damos conta  do alto custo de uma saída de campo para uma instituição ou para uma agência financiadora do projeto. A saída fica ainda mais cara se para a realização da mesma for necessário o uso de algum navio de pesquisa, principalmente se a área estudada for muito afastada da costa ou muito grande! Eu mesma, no meu projeto de doutorado não gastei um real com coletas, graças ao material guardado no ColBio.

Agora suponhamos que você faz um trabalho no qual quer saber quais espécies de peixes ocorrem em uma certa região. Você identifica as espécies e na hora da publicação, ou em algum outro momento, algum pesquisador o questiona se você identificou corretamente a espécie X. Se a sua espécie X tiver ao menos um indivíduo depositado (guardado) em alguma coleção biológica, o pesquisador questionador pode analisar por si mesmo o “espécime-testemunho”, ou seja, o indivíduo por você depositado, e comprovar a identificação daquela espécie. 

Ou até mesmo quando você está identificando um indivíduo coletado e tem dúvidas quanto à sua classificação. Nessa hora não há nada melhor do que consultar uma coleção científica e analisar as possíveis espécies que seu indivíduo parece pertencer. Incontáveis vezes fui ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo-MUZUSP (http://www.mz.usp.br) durante o meu mestrado para ver indivíduos depositados na coleção ictiológica (de peixes). Se vocês achavam que o museu de uma universidade ou de ciências só tem aquela parte de exposição onde os visitantes circulam livremente, engana-se! Muito maior, e na minha opinião mais importante, são as coleções científicas. 

Ah, e se esse museu arquivar o holótipo então, a coleção torna-se ainda mais preciosa. Holótipo ou espécime-tipo é o indivíduo que o pesquisador designou como base no momento da descrição de uma nova espécie. E sim, estamos constantemente descobrindo novas espécies e designando novos holótipos, principalmente no oceano, ainda tão pouco explorado! 

Explorando o banco de dados do Museu de História Natural de Londres, achei diversos holótipos do Brasil, dentre os quais  citarei um que me chamou a atenção:  uma espécie de esponja (leia mais sobre esponjas aqui) coletada em 1996 na região de São Sebastião, SP. Aos curiosos de plantão segue o link da coleção científica do Museu de História Natural de Londres (http://data.nhm.ac.uk). Eu particularmente achei demais ficar pesquisando espécimes coletados por Darwin, Linnaeus, de exemplares coletados no Brasil, que hoje estão guardados em outro continente! 

É importante esclarecer que o holótipo nem sempre precisa ser o indivíduo inteiro, principalmente no caso de espécies extintas, cuja descrição é muitas vezes baseada em fósseis (por exemplo, um holótipo de um dinossauro descrito pode ser o fêmur do mesmo). Em alguns casos o holótipo pode até ser uma ilustração! 



Fig. 2: Holótipo de Marocaster coronatus, uma espécie de estrela-do-mar extinta. O material está depositado no Muséum de Toulouse, França. Fotógrafo: Didier Descouens.



Fig. 3: Desenhos científicos mostrando 3 estágios larvais de uma espécie de peixe. (Ilustração: Silvia Gonsales).
E por falar em ilustração, a Silvia Gonsales fala rapidamente em seu perfil aqui do blog sobre a importância das ilustrações científicas: “o desenho ajuda os pesquisadores a representarem e/ou explicarem suas ideias com algo além de palavras. Por exemplo, quando uma espécie nova é descoberta, alguém precisa descrevê-la, ou seja, fazer um registro exato de como ela é. O desenho científico complementa e sintetiza esse registro, mostrando todas as suas características importantes que, muitas vezes, não aparecem claramente em fotografias”. Assim, o desenho da espécie descrita auxilia, e muito, os pesquisadores na identificação de uma espécie ou até mesmo do estágio de desenvolvimento no qual  ela se encontra. No seu Trabalho de Conclusão de Curso, Silvia Gonsales utilizou desenhos científicos para descrever e caracterizar as fases larvais de uma espécie de peixe (vejam o desenho abaixo como exemplo de 3 estágios). E no post da Claudia Namiki ela mostra como o desenho científico foi utilizado para descrever otólitos (veja aqui). Os originais dos desenhos científicos também ficam depositados em coleções científicas, disponibilizados para consulta de pesquisadores.

O desenho é fácil de ser arquivado e guardado por muito tempo, mas como são guardados os outros materiais? Bem, tudo depende do que está sendo depositado. Os otólitos e ossos apenas precisam estar limpos e etiquetados para serem depositados, as amostras de plâncton normalmente encontram-se em  frascos de vidro preservadas em formaldeído 4% e peixes em álcool 70%. Plantas são prensadas, secas em estufas e fixadas em cartolina, chamadas exsicatas, como as da coleção que há no Jardim Botânico de São Paulo (http://botanica.sp.gov.br/curadoriadoherbario) e no do Rio de Janeiro (http://www.herbariovirtualreflora.jbrj.gov.br/jabot
/herbarioVirtual/ConsultaPublicoHVUC/ConsultaPublicoHVUC.do). Há também a taxidermia, conhecida popularmente como a atividade de “empalhar”, pois antigamente se utilizava palha para preencher a pele do animal que estava sendo montado. Hoje em dia, usa-se um material semelhante às fraldas, como os animais taxidermizados do  Museu de Pesca de Santos (http://www.pesca.sp.gov.br/museu.php). Aposto que muitos aqui nunca pensaram que o animal “empalhado” poderia também ser usado a favor da ciência, não somente utilizado por caçadores para ficar expondo animais em sua sala de estar (credo!).


Fig. 4: Exemplo de peixes fixados em álcool 70%, de aves marinhas taxidermizadas, do esqueleto de uma ave montado (Fotos: Jana M. del Favero) e de uma exsicata (Foto: Richieri Sartori). 

Uma das coleções que conheci que mais me fez brilhar os olhos foi a coleção de vidro de flores e de invertebrados marinhos da Universidade de Harvard, parte exposta no Museu de História Natural e no Museu de Zoologia Comparada, da própria universidade. Ambas as coleções foram inicialmente criadas para serem utilizadas em salas de aula, uma vez que nem a planta prensada e nem o animal fixado mostram como o organismo realmente é (na fixação, principalmente de invertebrados, o animal perde a cor e pode deformar). No caso do organismo de vidro, mesmo estando muito perto, eu juraria que era de verdade, e olha que os modelos foram feitos entre 1887 e 1936. Uma obra de arte a favor da academia! Mais informações sobre a coleção de flores de vidro podem ser obtidas em http://hmnh.harvard.edu/glass-flowers e sobre os invertebrados marinhos em http://hmnh.harvard.edu/sea-creatures-glass. No final de ambas as páginas há um filminho com imagens belíssimas, contando a história e como foram feitos esses organismos de vidro.


Fig. 5. Organismos de vidro da coleção do Museu de História Natural da Universidade de Harvard. Foto: Jana M. del Favero.

Os museus podem guardar ainda preciosidades blibliográficas em suas coleções, como por exemplo, livros com as descrições de Carolus Linnaeus, um dos pesquisadores pioneiros na identificação de animais, considerado o “pai da taxonomia”, mantidas pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.. Este material é tão raro e de grande relevância que  é preciso ser  manuseado com luvas.

Uma pesquisa recente relatou que apenas 12% dos entrevistados visitaram um museu de ciência e tecnologia nos últimos 12 meses. Apesar de baixo, essa porcentagem aumentou se comparado com a mesma pesquisa em 2006, na qual apenas 4% afirmaram terem visitado um museu no último ano, e 8% em 2010. Entre os que não foram à nenhum museu, apenas 14,2% justificaram com a falta de interesse, sendo que 32,2% não tiveram tempo e 31,1% afirmaram que só não foram pois não existe nenhum em sua região.  Segundo o site que divulgou a pesquisa, o fato demostra muito mais a falta de acesso ao museu, ou de conhecimento sobre o mesmo, do que a falta de interesse, mostrando que a oferta é restrita e a informação é esparsa (Fonte: http://percepcaocti.cgee.org.br).

Então, após as curiosidades apresentadas aqui, que tal planejar uma ida ao museu e tentar enxergá-lo de um modo diferente?!