quarta-feira, 25 de maio de 2016

Amazonas: um mar de “água doce”


Já falamos aqui na sessão “Vida de Cientista” sobre nossas aventuras ao trabalhar com o oceano, quer seja embarcadas em grandes navios, em submarinos, ou com o pé em terra firme, porém em ilhas bem distantes. Entretanto, a aventura que vou contar agora nos levará para o interior do continente, no norte do Brasil, no Amazonas!


Oi?!... Amazonas?!... Mas o foco desse blog não é ciências do mar?!..

Vista de duas praias amazônicas. Vai falar que não lembra o mar? Fonte: Arquivo Pessoal.

Sim, vocês estão certos, Netuno é o Deus dos mares na mitologia romana e nossa maior atenção é para ele, o oceano! Porém, para chegar até o mar naveguei por diversos rios, e vou descrever um pouco do começo dessa trajetória. É engraçado pensar, mas foi lá, na Amazônia, que conheci pela primeira vez uma oceanógrafa, a Dra. Miriam Marmontel, coordenadora do Grupo de Pesquisas em Mamíferos Aquáticos do Instituto Mamirauá. Outro belo exemplo de que áreas distintas podem e devem caminhar juntas (lembram do post sobre a veterinária e a oceanografia?).


Bem, mas vamos desde o começo... Tudo começou há aproximadamente 10 anos atrás, quando eu estava indo para o último ano da graduação em biologia e já trabalhava com peixes em Minas Gerais. Foi quando uma amiga que estava fazendo um estágio voluntário no Mamirauá me ligou, contando que sua vaga seria logo aberta e perguntando se eu não tinha interesse em me inscrever... Pensei, tudo bem, me inscrevo, mal não vai fazer... porém fui aceita e mil coisas começaram a passar na minha cabeça... Tinha que viajar pra Tefé - AM, ia trabalhar no Instituto Mamirauá...


Tefé é um município no interior do estado do Amazonas, de aproximadamente 62.000 habitantes. Me explicaram que, por estar praticamente no meio do Amazonas, sua posição era bastante estratégica, e portanto lá tem base do exército, da marinha e da aeronáutica. Mas também é a cidade sede do Instituto Mamirauá, e era lá onde eu moraria por 6 meses.


Vista do porto de Tefé (à esquerda), e pôr - do - sol da janela do meu quarto (à direita). 
Fonte: Arquivo Pessoal.

A aventura de chegar lá não fica atrás de nenhuma outra descrita aqui no blog. Na ida peguei um avião pequeno em Manaus, a partir de onde sobrevoei a selva amazônica, e tudo que se via era um belo tapete verde, sem fim, apenas cortados pelas suas veias, os rios! Eu me  lembrava o tempo todo de meu pai, piloto de avião de pequeno porte, contando que prefere contornar a costa brasileira do que sobrevoar a Amazônia. Diz ele, que no caso de uma queda, ser localizado  no mar é mais fácil do que na floresta, pois o avião fica mais exposto para buscas, além dos grandes navios servirem como base para uma possível localização.


Seis meses após, na volta, o aeroporto de Tefé estava fechado devido à grande quantidade de urubus nas proximidades por causa de um lixão ali nas redondezas. O único problema era que Tefé não é ligada por terra com  nenhuma outra cidade, e não havia local para onde deslocar o lixão ou até mesmo fazer um futuro aterro. Me restou retornar navegando, ou passando 3 dias em um barco (daqueles que as pessoas penduram as redes, típico da região Norte do país), ou em uma lancha a jato (como era chamada) gastando apenas 24 horas. Escolhi a lancha por ser mais rápida pois queria passar um tempo em Manaus com uma amiga. Mas confesso que me arrependi amargamente, pois mesmo sem o costume de enjoar no mar, enjoei muito nessa lancha, tanto pelo desconforto da cadeira, quanto pelo barulho dos motores e, principalmente, pelo calor.


Já o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá é uma Organização Social fomentada e supervisionada pelo, até então, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Foi criado em 1999 e desde o começo vem desenvolvendo suas atividades por meio de programas de pesquisa, manejo e assessoria técnica nas áreas das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã. Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma categoria de área protegida prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC - lembra que já falamos desse sistema por aqui?!). O principal objetivo dessa categoria é conciliar a conservação da natureza à melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes, que participa de todo e qualquer processo relacionado com a reserva. Na Reserva de Desenvolvimento Mamirauá, a primeira reserva dessa categoria criada em 1996, presenciei a população local participando ativamente das atividades de pesquisa e manejo, da vigilância, da gerência e manutenção da Pousada Uakari (uma pousada localizada na própria reserva), entre diversas outras atividades.

O flutuante onde dormíamos em trabalhos de campo, juntamente com o laboratório (à esquerda); vista à partir do laboratório, sempre com a companhia dos jacarés (à direita). 
Fonte: Arquivo Pessoal.

Durante o estágio, pesquisei a biologia reprodutiva de algumas espécies de peixes ornamentais da família Cichlidae. O principal objetivo era buscar informações sobre as espécies que pudessem ser utilizadas em um futuro manejo sustentável das mesmas (para maiores informações acessar os links no final do texto). Participava também de uma das atividades de extensão do projeto, que consistia em receber os turistas da Pousada Uakari em nosso laboratório flutuante, apresentar as espécies ornamentais locais, as formas de coleta (fazíamos até uma pequena coleta com eles), e falar sobre as pesquisas em andamento. Era nesse momento, ou quando estava em campo auxiliando em outras coletas, que realmente sentia o coração bater mais forte por estar no Amazonas, me sentindo pequena perto da imensidão da floresta, da diversidade de peixes amostrados e da cultura dos ribeirinhos.


Com certeza foram seis meses inesquecíveis, de deslumbramento por esse canto incrível do Brasil, de muito aprendizado, e de convívio com  pessoas maravilhosas que tenho uma profunda admiração!


“Com licença aves, precisamos ir trabalhar”, tanto no período da seca (à esquerda), quanto no período das chuvas (à direita).  Fonte: Arquivo Pessoal.


Recomendo que naveguem pela página do Instituto Mamirauá para conhecer um pouco mais sobre as reservas, as atividades, as pessoas e tudo mais que falei brevemente nesse post:


O Plano de Manejo das Áreas de Coleta de Peixes Ornamentais da Reserva Amanã pode ser obtido em:


E os artigos publicados, oriundos do período que fiquei por lá em:




quinta-feira, 12 de maio de 2016

Dinâmica da produção primária e convecção profunda de retorno (overturn) no mar Mediterrâneo: uma abordagem por modelagem 3D de alta resolução

Por Fayçal Kessouri
Tradução: Catarina R. Marcolin

O meu trabalho tem como foco a modelagem de sistemas plactônicos utilizando um modelo de acoplamento físico-biogeoquímico. Este tipo de modelo é uma representação virtual 3D dos principais constituintes dos níveis tróficos mais baixos do ecossistema marinho. Inclui plâncton, bactérias e os nutrientes que os suportam sobre condições hidrológicas e forçantes atmosféricas realísticas. 

O modelo biogeoquímico com o qual trabalhei mostra o impacto de correntes dinâmicas sobre os nutrientes que suportam o plâncton marinho, incluindo nitrato, fostato e silicato. Como eles estão distribuídos no oceano? Como são consumidos? Quem os consome?

O modelo biogeoquímico mostra apenas uma parte das complexas relações  entre diferentes componentes de um ecossistema. Alguns exemplos são como os apresentados  a seguir na figura 1 abaixo: matéria inorgânica alimenta o fitoplâncton quando certas condições abióticas estão disponíveis (luz suficiente, camada estratificada dos oceanos), zooplâncton se alimenta de fitoplâncton. A matéria orgânica é mineralizada em inorgânica e serve de alimento para as bactérias, as quais liberam matéria orgânica e inorgânica dissolvidas, e o ciclo continua.


Figura 1: As relações entre os compartimentos nos ciclos biogeoquímicos nos oceanos. (POM: matéria orgânica particulada; DOM: matéria orgânica dissolvida; DIM: matéria inorgânica dissolvida ou nutrientes).

O plâcton marinho é a base de toda a vida marinha. Eles influenciam a pesca, a economia mundial, a saúde humana e tem um importante papel na manutenção da biodiversidade. O plâncton é composto de:
1 – Fitoplâncton: contém a maior massa de produtores marinhos do mundo. Algumas estimativas mostram que os produtores marinhos produzem mais da metade do oxigênio que respiramos na Terra.
2 – Zooplâncton: se alimentam de fitoplâncton (veja também o post da Catarina). Representam a maior migração animal diária do planeta. 
3 – Bacterioplâncton e virioplâncton: constituem a maior biomassa do planeta, procariotos e vírus são frequentemente esquecidos quando falamos em redes tróficas marinhas clássicas (leia mais aqui).

O mar Mediterrâneo fica entre três continentes (Europa, África e Ásia) e, portanto, está sujeito a pressões físicas da descargas de rios e de depósitos atmosféricos de matéria orgânica e inorgânica, os quais tem dois níveis de impactos: (1) equilíbrio geral de matéria orgânica e inorgânica em todo o mar, (2) eutrofização (elevação no nível de nutrientes) de águas costeiras.
Um dos nossos achados mais importantes usando este modelo é a quantificação de todas as importações e exportações de matéria nos últimos dez anos entre o Mediterrâneo e os ambientes adjacentes (continentes e oceano Atlântico). Nós estimamos que o Mediterrâneo enriquece o Atlântico em mais de 140 X 109 mols de nitrogênio todos os anos através do estreito de Gibraltar. 

O mar Mediterrâneo tem uma característica em comum com o Oceano Atlântico Norte e o Oceano Ártico: zonas de convecção profundas. No Mediterrâneo, uma mistura intensa é observada quase todos os invernos por dois meses. Imagine uma gota de água se movendo do fundo do Mediterrâneo a uma profundidade de 2300 m e subindo para a superfície em um único dia. Esta convecção de retorno a partir de gradientes criados por trocas de calor na superfície e fluxos de água doce é o motor da circulação termohalina global. Esta circulação criada por um gradiente de densidade é estimada estar numa escala de 70 anos no Mediterrâneo e 1000 anos nos oceanos do mundo.

As massas de águas profundas contem altas concentrações de nutrientes, os quais são propagados para a superfície durante eventos de mistura profunda. Quando a mistura se interrompe no final do inverno, alguns dos nutrientes são aprisionados nas águas superficiais e uma grande floração de fitoplâncton é formada, cobrindo uma área de 5 mil a 20 mil km2 (figura 2). Florações de fitoplâncton podem ser tão grandes que podem ser observadas do espaço por satélites e são, portanto, bem modeladas. Essas florações de fitoplâncton ocorrem diretamente acima do local da convecção profunda, o qual é referido como o giro norte do Noroeste do mar Mediterrâneo. Este giro é provocado por fortes correntes ciclônicas (sentido anti-horário no hemisfério norte).


Figura 2: Modelagem da concentração de fitoplâncton (clorofila a [mg/m3]) no NO do mar Mediterrâneo a) Condição de inverno, o centro da bacia é depletado em fitoplâncton por conta da mistura vertical de inverno. b) floração de fitoplâncton na primavera (Kessouri et al., in prep).


Fayçal Kessouri:
Atualmente sou pós-doutorando no Departamento de Oceano e Atmosfera da Universidade da Califórnia em Los Angeles, CA, EUA e o meu doutorado foi desenvolvido na Universidade de Toulouse na França (Laboratoire d’Aerologie). Meu campo de trabalho é biogeoquímica oceânica e modelagem 3D de ecossistemas planctônicos, especialmente forçantes físicas. Eu trabalhei com os impactos da convecção profunda no ecossistema planctônico no mar Mediterrâneo e atualmente estou trabalhando com o sistema de ressurgência da corrente da Califórnia e seus impactos na acidificação e hipóxia na costa oeste americana. Meu desejo em conseguir treinamento em modelagem numérica me motivou a trabalhar com um time de físicos para adquirir uma visão mais integrada do funcionamento dos ecossistemas e seus impactos. Isso me ajudou a estudar processos dinâmicos tais como a convecção que sempre me fascinou. Estou convencido de que a modelagem é uma ferramenta perfeita para complementar as redes de observações que tem sido feitas, especialmente se você quer estudar diferentes escalas espaciais e temporais.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Congresso Brasileiro de Oceanografia

Em novembro deste ano teremos o Congresso Brasileiro de Oceanografia acontecendo em Salvador. Além de ser um lugar paradisíaco para visitar, você poderá participar de mini-cursos, assistir palestras e interagir com pesquisadores da área. 







Para mais informações acesse o site: http://www.cbo2016.org/





sexta-feira, 6 de maio de 2016

Após a maternidade, de acadêmica a empresária

Ilustração de Caia Colla
Lorena Cruz é bióloga, formada pela UFBA, com mestrado em Ecologia pela mesma universidade. Em 2013, Lorena se tornou mãe de Manuela. Após um ano de dedicação integral e apaixonada à maternidade, começou a conciliar a maternidade e a academia com o empreendedorismo, fundando as empresas “Com Amor de Mãe”, de fabricação de tortas e doces, e “As Festas de Manuca”, que inovou o mercado de festas em Salvador (BA) ao desenvolver decoração de festas infantis com uma proposta ecológica. Lorena deu entrevista ao blog para falar sobre a transformação da sua vida pessoal e profissional após a maternidade, em especial a influência da filha sobre suas decisões em relação à carreira acadêmica.

Bate Papo com Neturo (BPCN): Lorena, você foi professora substituta do curso de Biologia da UFBA alguns anos antes e alguns anos após ser mãe. A maternidade mudou a professora Lorena?
Lorena: Eu não consigo entender como é que antes eu levava um, dois, três dias para preparar uma aula. Fico pensando ‘Meu Deus, como assim?’. Eu levava tanto tempo pra fazer uma aula! Eu fiquei mais eficiente, porque tinha que fazer a aula, tendo Manu para dividir a minha atenção. É claro que hoje em dia ela vai para a escola, então ela tem alguns horários definidos que me deixam mais livre. Mas durante os finais de semana, por exemplo, temos que dar atenção a ela, brincar e tal, então tenho que chegar em casa e ainda ler artigos para aula de segunda feira - inclusive tenho que fazer isso hoje (risos). Sem dúvida, eu fiquei super eficiente.
BPCN: Qual a sua opinião sobre o caso que aconteceu recentemente na UFRGS, quando uma professora impediu uma aluna do curso de Letras de assistir uma aula com sua filha de cinco anos? (Clique aqui para ver a notícia).
L: Estou chocada. Se fosse um professor, eu já acharia um absurdo. Sendo mulher, eu não consigo achar nenhuma explicação que justifique isso. Como mulher já entenderia, sendo mãe, entendo mais ainda. Eu já tive alunas que fizeram provas com o filho na sala porque  não tinham com quem deixar a criança, você vai fazer o quê? É justamente disso que eu falo, por que  ocorre tanta evasão de mães nos ambientes acadêmicos: a mulher vai assistir a aula, mas não tem com quem deixar a filha e não tem apoio algum no espaço onde vai estudar. Acho que não é a postura de todos os professores, mas é uma atitude extremamente ridícula e contribui para que as mães abandonem os estudos. Muitas até gostariam de continuar e não conseguem.
BPCN: Como uma pesquisadora decidiu migrar da área acadêmica para o empreendedorismo?
L: Primeiro, foi uma decisão meio forçada, para não sair de casa... (a entrevista é interrompida por Manuela, chamando nossa atenção para mostrar a “Peppa Pig” na televisão). Eu escolhi o empreendedorismo para ficar em casa com Manu. Eu comecei com a venda de chocolates, venda de doces, mas tinha em mente que não era aquilo que eu queria para minha vida para sempre. Ainda tinha planos de fazer doutorado na área de ecologia, e pensava nessa doceria como projeto pra eu tocar em paralelo ao meu plano principal, que era a academia. No entanto, as coisas foram mudando. Primeiro entrei numa faculdade particular pra dar aula, depois fiz concurso pra professor substituto novamente (Lorena já havia prestado concurso e lecionado como substituta alguns anos antes), e nesse meio tempo surgiu o outro negócio, que são as festas. Também tentei me inserir novamente em um laboratório pra tentar voltar à rotina acadêmica, publicar meu artigo do mestrado para me inscrever no doutorado... Mas meu artigo não foi aceito, está para ser submetido novamente. E com essa coisa do artigo não aceito, além de algumas frustrações dentro do laboratório, vendo que a vida na academia não parecia me proporcionar uma possibilidade de ser criativa, de inventar, eu me sentia meio limitada. Assim, eu voltei pro empreendedorismo, já na concepção das festas, e agora eu me sinto realizada: consigo criar, consigo pensar, consigo ter atividades diferentes, lá na academia eu me sentia mais presa.
BPCN: Lorena, após o término do mestrado você engravidou de Manuela e sua vida profissional mudou completamente. Aparentemente, alguns fatores limitaram você a continuar na academia. Quais fatores seriam esses?
L: Embora eu pudesse criar meu horário para o laboratório (por exemplo, se eu pudesse ir na segunda-feira, então eu iria toda segunda-feira), sempre foi exigida uma regularidade que eu não podia atender, porque eu ainda dava aula. Só no período de greve eu assumi mais essa regularidade de presença no laboratório. Mas, apesar de ter horário a cumprir, necessidade de rotina, isso é flexível na academia, então não era meu fator limitante. O primeiro fator que me limitou era trabalhar com microorganismos que eu não gostava muito, que eram os fungos. Às vezes eu não gostava do ambiente de trabalho. E também o fato de ter que desenvolver um projeto e ter que pensar e desenvolver perguntas para o projeto. Porque apesar de eu poder criar minha própria pergunta, ao mesmo tempo eu me sentia limitada em relação aos recursos, por exemplo. Então você pode pensar numa pergunta de pesquisa maravilhosa e não ter recurso para executar o projeto, isso me causava uma certa frustração. Mas, principalmente, senti que gostava muito de artesanato; eu gosto muito de coisas manuais, e na academia não posso fazer isso, a não ser que eu fizesse uma armadilha artesanal para os animais (risos), então isso também contribuiu para que eu não continuasse na academia.
Na verdade, acho que maternidade e academia ainda estão num processo confuso para mim. Eu gosto da academia, mas não me vejo como pesquisadora dentro da universidade, aquele modelo de professora efetiva, dedicação exclusiva. Eu queria ser mais livre, fazer pesquisa eventualmente. Mas eu admiro muito quem está dentro do ambiente acadêmico, principalmente conciliando com a maternidade. Ainda assim, para quem planeja ter filho e conciliar com a academia eu digo que é totalmente viável. Em todas as profissões existem mães, e na academia não é diferente.
BPCN: No artigo “Quando colocar filhos no cronograma?”, discutimos resultados de um trabalho de autoria de Willians & Ceci (2012) (Leia mais aqui), no qual evidencia-se que, entre pós-doutorandos, a chegada de um filho, ou mesmo o plano de ter filhos, tem menos impacto na carreira dos homens do que na carreira das mulheres, que apresentam índices muito maiores de desistência dos estudos. Quais fatores você acha que ajudariam a mulher a conciliar o papel de mãe com o papel de pós-graduanda?
L: Acho que a própria universidade precisa criar um espaço de acolhimento maior para a mãe. Por exemplo: creches. Na UFBA existe uma creche, mas para as mães da UFBA conseguirem uma vaga é um suplício. Vez ou outra os funcionários entram em greve e a creche não funciona. Tem mãe que precisa levar o filho para assistir aula. A universidade precisa ter uma estrutura melhor para receber os filhos dessas mães, porque muitas não tem com quem deixar os filhos. Uma pessoa que ganha R$ 2.200,00 de bolsa de doutorado não tem como pagar uma babá. Falta acolhimento das universidades para que as mães possam levar os filhos.
BPCN: No mesmo artigo, discute-se que o período biologicamente ‘ideal’ para ter filhos, que seria o período de fertilidade ótima da mulher, não coincide com o melhor período profissional das pós-graduandas, ou o período que a carreira fica mais estável. Quais conselhos você daria para uma mulher pós-graduanda que sonha em ser mãe?
L: Dizem que quem para para pensar não é mãe nunca. Então o conselho que eu dou para quem quer ser mãe é: seja. Porque não existe hora certa, não existe ‘quando acabar o mestrado’, ‘quando acabar o doutorado’, porque a cada hora que você acaba um ciclo, aparece sempre um novo projeto e você vai ter que se debruçar sobre ele, e você vai ter que adiar a maternidade. Sem ser clichê, posso dizer que o que sou hoje é por causa de Manuela. Criei duas empresas, uma é “Com Amor de Mãe” - se eu não fosse mãe eu não teria a empresa, e a outra é “As Festas de Manuca” - se não fosse Manuca não teria festa, não teria eu (risos). Eu me descobri mesmo depois dela. Não é romantismo, a maternidade te proporciona você se conhecer melhor. E você fica mais eficiente, isso é fato, você fica extremamente mais eficiente. Na verdade seus planos podem nem mudar tanto, embora os meus tenham mudado muito. Mas você pode adaptar os planos. Acho que a pessoa não vai deixar de concluir o doutorado porque é mãe, não vai deixar de fazer o doutorado porque é mãe. Eu estou deixando de fazer o doutorado em ecologia, mas ainda tenho vontade de fazer em sustentabilidade, alguma coisa que eu consiga aliar com as festas. Porque hoje eu encontrei o ramo da biologia que eu quero trabalhar, que é a sustentabilidade, e eu gosto de trabalhar nessa área na forma de festa. Então meu conselho é não pare para pensar, não pare para ficar planejando que ‘daqui a quatro anos, quando eu pegar meu canudo de doutora eu vou ser mãe’, porque daqui a quatro anos você vai receber uma proposta de pós-doutorado e você não vai poder ser mãe. E o tempo passa, você olha para trás e não consegue ver o que você construiu porque o seu principal objetivo, se for ser mãe, não foi alcançado. Então: seja.