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quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Os efeitos da falta de comunicação da ciência com a sociedade

Por Jana del Favero



Com o corte de verba anunciado pela CAPES no último dia 3, muitos pesquisadores brasileiros começaram a usar as redes sociais para contar para a sociedade o que pesquisam utilizando as hashtags #MinhaPesquisaCapes e #ExistePesquisaNoBr. Nós mesmas, aqui do Bate-papo com Netuno, fizemos um levantamento de editoras e convidadas que tiveram bolsa CAPES em algum momento de sua carreira, e em menos de de duas horas já tínhamos mais de 20 pesquisas descritas.

Mas que culpa temos nós, pesquisadores, nesse corte do governo? Por que esperamos o anúncio de uma medida tão drástica, para só então começar a falar com a sociedade e divulgar a importância das nossas pesquisas? Por que esperamos que ideias absurdas, como o  movimento anti-vacina, o conceito de  terraplana, entre outros, comecem a pipocar para que a ciência venha a público? Falar com a sociedade não deveria ser algo rotineiro dos cientistas? Por que não falamos?

O primeiro motivo que me vem na mente seria a persistente falta de tempo, que caminha  lado a lado com a falta de incentivo (e/ou falta de reconhecimento). Nós, cientistas brasileiros, além de realizarmos nossa pesquisa, conciliamos: 1. Dar aula (para graduação e pós graduação; 2. Orientar (iniciação científica, mestrado e doutorado); 3. Propor e gerenciar projetos de pesquisa, ensino e extensão; 4. Comprar equipamento e demais materiais para pesquisa e ensino (isso inclui conseguir financiamento, fazer orçamentos, pechinchar preços e realizar a compra em si); 5. Organizar escala de trabalho em laboratório e de trabalhos de campo; 6. Participar de inúmeras reuniões e comitês (departamento, colegiado de curso, pós graduação, etc); 7. Participar de bancas de avaliação (concurso, TCCs, pós graduação). A falta de incentivo está no fato de que as agências de fomento, as avaliações para ascensão de carreira e os  concursos para a seleção de professor em universidades públicas não consideram (ou dão um peso muito baixo) se você divulgou sua pesquisa ou se você tem alguma atividade de extensão. Para pontuar, o mais importante é o número de  artigos publicados em revista científica, e essas revistas quase nunca alcançam o público geral (não estou falando que artigos revistos por pares não são importantes, mas não deveriam ser a única métrica). 

Então os cientistas não falam por falta de incentivo, a população não valoriza porque não sabe como a ciência pode afetar sua vida,  o governo não incentiva porque os cientistas não falam e a população não cobra, e assim entramos em um ciclo vicioso difícil de ser quebrado. Vale lembrar que a maior parte das pesquisas no Brasil vem de dentro das universidades, e são realizadas por pesquisadores, em sua maioria mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos que são pagos por agências de fomento à pesquisa, como a CAPES. Sem a comunicação, a sociedade jamais conseguirá enxergar que não existe um remédio, um peixe no mercado ou um meio de locomoção sem pesquisa! 

Um exemplo dessa desconexão entre ciência e sociedade foi a manchete divulgada por um jornal que anunciava que a CAPES não teria verba para pagar os auxílios aos pesquisadores a partir de agosto de 2019, mas gostaria de deixar claro que a CAPES não paga auxílio aos pesquisadores, e sim bolsas de dedicação exclusiva que são a única forma de sustento para a maioria desses pesquisadores. Essa remuneração pelo trabalho de pesquisa é assim chamada porque sobre ela não incidem encargos, como impostos, mas também não traz benefícios como férias, 13° salário, fundo de garantia e seguro desemprego. Em muitos casos, o bolsista não pode nem realizar outra atividade remunerada durante o tempo de recebimento da bolsa. Assim, as bolsas são na verdade "salários" e única fonte de renda da qual a maioria desses pesquisadores depende para viver.

Quem não trabalha melhor quando está bem remunerado? Quando não precisa se preocupar se sua bolsa vai ser cortada ou não? Quando não precisa, frequentemente, pedir extensões de prazo ou submeter novos projetos?

Então deixo aqui um desafio para todos os colegas pesquisadores: falem! Não deixem as hashtags #MinhaPesquisaCapes #ExistePesquisaNoBrasil serem algo provisório. E também desafio os não cientistas: apontem algo em sua vida que não foi criado pela ciência ou que não dependa dela. Valorizem tudo que vocês tiverem ao seu redor, pois desse jeito você estará valorizando a ciência!

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Tubarão: caçador ou caça?

Por Cláudia Namiki


Ilustração: Joana Ho


   Se você aprecia uma boa moqueca, já deve ter comido carne de cação. Ou pelo menos já observou as belas postas de cação à mostra em feiras e peixarias. Mas você sabe o que é o cação?

   Cação nada mais é do que o nome dado à carne dos tubarões e das raias (ou arraias) que comemos (Figura 1). Ou seja, quando compramos cação, significa que vamos comer tubarão! Surpreendentemente, a maioria das pessoas não sabe disso, segundo apontou um estudo realizado em Curitiba, onde mais da metade das pessoas afirmaram que comem cação, mas que nunca comeram raia ou tubarão (Bornatowski et al., 2015).


Figura 1: Anúncio das postas de cação comercializadas no CEAGESP em São Paulo. http://ceagespoficial.blogspot.com.br/2017/04/cacao-e-destaque-da-semana-aproveite.html



   O problema é que existem 145 espécies de tubarão e raias no Brasil, dentre as quais 33% estão ameaçadas de extinção. Mas, como qualquer espécie de raia ou tubarão é vendida sob o nome de cação, já em postas (provavelmente para não assustar a freguesia), não há como saber exatamente o que está sendo vendido e, dessa forma, ao consumir o cação, podemos estar contribuindo para a extinção de uma espécie. Considerando que o nosso país ocupa o 11º lugar na produção, e o primeiro lugar na lista de importadores de carne de tubarão do mundo (segundo o relatório da FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations), aqui no Brasil, a nossa chance de contribuir para esse terrível fim se torna bastante elevada (Barreto et al., 2017). O consumo das nadadeiras de tubarão em alguns países da Ásia, onde são consideradas uma iguaria e são vendidas por valores elevados, têm contribuído para o aumento da pesca do tubarão. A retirada das valiosas nadadeiras do tubarão é chamada de “finning” (Figura 2). Normalmente, após o finning, os animais são cruelmente jogados no mar ainda vivos, pois o baixo preço de venda da carne do tubarão não compensa o custo do armazenamento. No entanto, a prática do finning é proibida por lei no Brasil. Então os pescadores armazenam o charuto (nome dado ao corpo do tubarão após a retirada das nadadeiras) para ser vendido a um preço muito baixo, incentivando ainda mais o consumo de cação.

Figura 2: Finning - nadadeira dorsal recém retirada de um tubarão martelo. Foto: © Jeff Rotman/jeffrotman.com . http://ocean.si.edu/ocean-news/shark-finning-sharks-turned-prey

   Se a nem a extinção de uma espécie e nem a crueldade do finning comove algumas pessoas, há ainda outros motivos para se evitar comer a carne de tubarão. Um deles é a preservação da nossa própria saúde: como predador de topo os tubarões acumulam grandes quantidades de metais pesados, como mercúrio e chumbo, em um processo chamado de biomagnificação (já falamos desse assunto aqui no blog). Assim, quando a pessoa come o tubarão se torna o próximo consumidor na cadeia alimentar e acumula os metais pesados presentes em sua carne (Alves et al., 2016, Escobar-Sánchez et al., 2011, Lopez et al., 2013). Os metais pesados são extremamente tóxicos para o organismo, principalmente em grandes quantidades, causando diversos problemas de saúde.

   O outro motivo é um serviço ecológico: os tubarões controlam o crescimento de populações de diversas espécies, seja por predação direta ou por mantê-las afastadas de determinada área por “medo” de serem devoradas. Grandes tubarões podem se alimentar de outros tubarões, de leões marinhos, de tartarugas e de outros animais da megafauna carismática. Porém, muitas espécies de tubarões se alimentam principalmente de invertebrados, como camarões, siris e caranguejos. Infelizmente até plástico pode fazer parte da dieta do tubarão (Figura 3). Também existe uma espécie filtradora que se alimentam de plâncton, como o tubarão baleia. Recentemente, pesquisadores americanos descobriram que uma espécie de tubarão martelo (Sphyrna tiburo), se alimenta principalmente de gramas marinhas quando jovem. Ainda não se sabe se o jovem tubarão ingere a grama por acidente ao caçar outros animais, ou se ele é realmente capaz de digerir e se alimentar desses vegetais. Essa descoberta pode revelar a existência de interações na cadeia trófica marinha até então ignoradas pelos pesquisadores.

Fonte: http://www.sciencemag.org/news/2018/01/meet-world-s-first-salad-eating-shark



Figura 3: Tubarão tigre (acima) e alguns de seus itens alimentares (abaixo). Modificado de: Currents, The Ocean Foundation. https://chooseyourcurrent.org/2017/08/whats-in-a-tiger-sharks-stomach/




   Dessa forma, embora tenham criado fama de maus, graças aos filmes da franquia Tubarão e outros filmes trash (na minha humilde opinião), o homem não faz parte da dieta desses animais. Os ataques a seres humanos normalmente ocorrem por engano. Lugares com alta frequência de ataques de tubarão, normalmente estão associados a lugares onde os tubarões costumam se alimentar. Nas praias urbanas de Recife o alto índice de ataques de tubarão se deve a uma série de fatores, entre eles a construção do Porto de Suape, que destruiu o manguezal onde as fêmeas dos tubarões costumavam parir. Sem esse local, os tubarões passaram a frequentar as águas do estuário do rio Jaboatão, que desemboca nas praias, aumentando a frequência de encontro com banhistas e consequentemente elevando o número de ataques.

   A pesquisadora Dana Bethea, que dedica sua vida a estudar tubarões e raias, sugere algumas medidas para evitar o ataque de tubarões: evitar nadar ao nascer e ao pôr do sol, pois os tubarões estão mais ativos durante o crepúsculo; evitar nadar em águas com pouca visibilidade, dessa forma o tubarão pode te enxergar melhor e não vai mordê-lo; evitar áreas onde os tubarões se alimentam; não nadar sozinho; e remover as jóias antes de entrar na água, pois o brilho das mesmas pode levar o tubarão a crer que você é um peixe prateado saltitante. E se mesmo assim você continuar com medo, Dana sugere que você não entre na água, pois os tubarões não podem sobreviver em terra firme (rsrsrs).


   O fato é que, embora os ataques de tubarões a seres humanos sejam acidentes muito tristes, eles poderiam ser evitados em sua grande maioria e são estes grandes animais que estão sendo atacados por nós, com uma frequência tão elevada que podemos levá-los à extinção rapidamente.


Para saber mais:








Referências Bibliográficas


Barreto, R.R., Bornatowski, H., Motta, F.S., Santander-Neto,  J., Vianna, G.M.S., Lessa, R.. 2017. Rethinking use and trade of pelagic sharks from Brazil. Marine Policy, 85: 114–122.


Hugo Bornatowski, Raul Rennó Braga, Carolina Kalinowski, Jean Ricardo Simões Vitule. 2015. “Buying a Pig in a Poke”: The Problem of Elasmobranch Meat Consumption in Southern Brazil. Ethnobiology Letters, 6 (1): 196-202.

Luís M.F. Alves, Margarida Nunes, Philippe Marchand, Bruno Le Bizec, Susana Mendes, João P.S. Correia, Marco F.L. Lemos, Sara C. Novais. 2016. Blue sharks (Prionace glauca) as bioindicators of pollution and health in the Atlantic Ocean: Contamination levels and biochemical stress responses. Science of the Total Environment, 563–564: 282–292.

Sebastián A. Lopez, Nicole L. Abarca, Roberto Meléndez C.  2013. Heavy metal concentrations of two highly migratory sharks (Prionace glauca and Isurus oxyrinchus) in the southeastern Pacific waters: comments on public health and conservation. Tropical Conservation Science, 6 (1): 126-137.

Ofelia Escobar-Sánchez,  Felipe Galván-Magaña, René Rosíles-Martínez.  2011. Biomagnification of Mercury and Selenium in Blue Shark Prionace glauca from the Pacific Ocean off Mexico. Biol Trace Elem Res 144:550–559. DOI 10.1007/s12011-011-9040-y.

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Estudo dos Oceanos é a chave para um futuro sustentável

Por Vivian Kuppermann Marco Antonio


Ilustração: Joana Ho.

Vocês sabiam que a próxima década (2021-2030) foi declarada pela ONU como a década da ciência dos oceanos?

Os oceanos cobrem 71% da superfície da Terra. Eles regulam o clima e fornecem diversos recursos essenciais e, em alguns casos, ainda intocáveis para o Homem. São fonte de alimento, matérias-primas, energia e transporte, e ainda são usados para recreação e lazer.

Hoje, mais de 40% da população global mora em regiões de até 200 km de distância do mar. Além disso, 12 entre 15 megalópoles são costeiras.

No entanto, o rápido desenvolvimento industrial e o aumento populacional desordenado têm impactado demais os oceanos. Mudança climática, exploração não sustentável de recursos naturais, poluição e degradação de habitat ameaçam a produtividade e a saúde das nossas águas.

Tempestades, proliferação de algas tóxicas e erosão de costa são apenas algumas das consequências disso e são devastadoras para comunidades que vivem em regiões litorâneas. Ao longo da evolução humana, nós criamos estratégias para aumentar a nossa resiliência a esses danos causados pelo mar. Mas até quando isso será suficiente?

Para se ter ideia, em 2015, a baixada santista registrou ventos de 106 km/h – um furacão leve apresenta velocidades de cerca de 115km/h – foi quase lá.  Com esses ventos, as cidades sofreram diversos estragos. Árvores e placas caídas, destelhamento e destruição de algumas construções. 

Em 2017, o vendaval voltou, deixando 38 mil imóveis sem luz, além de derrubar mais árvores e letreiros comerciais. No Porto de Santos (SP), o maior da América Latina,  um homem ficou preso em um guindaste. 

O fenômeno foi causado pelo fato da água do mar estar mais quente que o normal, gerando áreas de baixa pressão e criando instabilidades que permitem o desenvolvimento desses fortes ventos.

E não é só isso. Vamos pensar em comida:
Pesquisas mostram que mais de 50% das espécies de peixes consumidos para alimentação no mundo estão sendo exploradas acima do limite. Segundo um estudo de 2006, liderado por Boris Worm, da Universidade de Halifax, no Canadá, a previsão é de que estoques de peixes e de frutos do mar entrem em colapso até 2048 se nada for feito para conter a perda da biodiversidade marinha.

A sardinha brasileira (Sardinella brasiliensis) por exemplo, está muito presente na alimentação do brasileiro. É uma espécie extremamente importante para as regiões Sul e Sudeste do Brasil. Rica em diversos nutrientes, ela sempre foi considerada um alimento de baixo custo e nutritivo. 

Mas já reparou como o preço dela subiu? Pois é, o seu estoque já colapsou duas vezes, nos anos de 1990 e 2000, por excesso de pesca. Além disso, a sardinha é uma espécie que sofre influência direta de variações ambientais que, somadas à pesca intensa, levam à depleção do estoque desses animais. Em 2016, a quantidade de sardinha pescada voltou a cair a níveis assustadores. Alguns especialistas, inclusive, caracterizaram o episódio como mais um colapso da espécie.

Essa escassez foi causada pelo aquecimento anormal das águas, processo que pode estar associado tanto ao fenômeno El Niño, que ocorreu naquele ano, como também às mudanças climáticas globais. Vale dizer que a instabilidade política do setor, com trocas constantes de ministros, extinção de ministérios e diminuição de investimentos, não ajuda em nada o cenário.

Agora imaginem se esses fenômenos como o El Niño tornam-se mais frequentes e mais intensos com as mudanças climáticas? Até quando as espécies resistirão?

Precisamos encontrar novas formas de utilizar os recursos naturais e utilizá-los de maneira consciente. No entanto, segundo estimativas da Comissão Intergovernamental Oceanográfica (IOC) da UNESCO, o gasto nacional médio com pesquisas oceanográficas varia de 0,04 a 4% do total investido em pesquisa e desenvolvimento. É muito pouco para conseguirmos estudos de alta qualidade, que envolvam processos de longo prazo. E pesquisas oceanográficas são caras, sim, pois exigem embarcações, navios, laboratórios a bordo, equipamentos, pessoas qualificadas...

Mas ainda há tempo de reverter essa situação. 

Cientistas e atores sociais vêm, aos poucos, organizando um movimento de conscientização que levou a Organização das Nações Unidas, em sua Assembleia Geral, em dezembro de 2017, a declarar a próxima década como a Década da Ciência do Mar para o Desenvolvimento Sustentável

A iniciativa visa encorajar novas ações para um sistema de observação mais integrado e sustentável dos oceanos para facilitar novas descobertas e o monitoramento da costa e de águas mais profundas, ampliando, assim, as pesquisas para promover a conservação dos oceanos e a gestão dos recursos naturais. As atividades para esse período serão de responsabilidade da Intergovernmental Oceanographic Commission (IOC) da UNESCO.

O processo foi longo. O Documento Final da Conferência Rio + 20, “The Future we want”, de 2012, fez uma extensa referência aos oceanos. Em 2013, a Global Ocean Commission foi criada e, em 2016, lançou o seu relatório relatando a degradação do oceano e a necessidade de políticas mais efetivas para ajudar a restaurar a saúde e produtividade dessas águas. A agenda de 2030 para o desenvolvimento sustentável, lançada pelo ONU em 2016, também destacou os oceanos como protagonistas para as ações de conservação.

Essa declaração da ONU é uma gota de esperança para um futuro mais sustentável, mas exige maior engajamento de pesquisadores, de políticos e governantes, e da população em geral. Mais pesquisas, incentivos e respeito são essenciais para podermos avançar no conhecimento que temos sobre as águas que nos cercam,  aproveitando melhor os recursos disponíveis e ainda para garantir a sua existência para as gerações futuras.

É fundamental encontrar soluções que nos permitam a entender as mudanças que estão ocorrendo e reverter a degradação antes que seja tarde demais.
A iniciativa da ONU pretende transformar a forma como a sociedade global enxerga e usa os mares, por isso  começa a coordenar as suas ações no sentido de fomentar a conservação e o uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos, como sugere o objetivo de número 14 do Sustainable Development Goals (SDG).

E para começar a prática, é essencial entender a falta de conhecimento que ainda temos quando o assunto é a imensidão azul:


  • Não existe uma metodologia internacionalmente aceita para estimar o valor econômico dos serviços providos pelos oceanos para a raça humana;
  • A ciência ainda não é capaz de avaliar os impactos cumulativos da mudança climática, da poluição marinha e das atividades antrópicas sobre a saúde do oceano;
  • Apenas 5% do fundo oceânico já foi mapeado
  • Mais de 250 milhões de km2 de área do fundo do oceano está em completa escuridão e pode ser moradia para até milhões de espécies ainda desconhecidas;
  • Apenas 3 pessoas exploraram o ponto mais profundo dos oceanos até o momento.

A próxima década será a nossa hora, como sociedade, de apoiar, exigir e celebrar novas conquistas para a saúde dos nossos oceanos, para que possamos, lá na frente, brindar os serviços e recursos disponíveis às futuras gerações.

Referências:


Global Ocean Commission. The Future of Our Ocean: Next steps and priorities Report. Disponível em http://www.some.ox.ac.uk/research/global-ocean-commission (Global Ocean Commission, 2016).


Ministério do Meio Ambiente. Plano de Gestão para o uso sustentável de Sardinha-Verdadeira no brasil. Fonte: Ibama: http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/livros/planogestaosardinhaverdadeiradigital.pdf (2011).

UNESCO. United Nations Decade of Ocean Science for Sustainable Development (2021-2030) UNESCO press release. Disponível em https://en.unesco.org/ocean-decade (2017).


United Nations General Assembly. The future we want. Rio+20 conference outcome document A/RES/66/288. Disponível em https://sustainabledevelopment.un.org/futurewewant.html(United Nations, 2012).


United Nations General Assembly. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development.A/RES/70/1 Disponível em http://www.un.org/sustainabledevelopment/development-agenda/ (United Nations, 2015).


Worm, B., Barbier, E., Beaumont, N., Duffy, J. E., Folke, C., Halpern, B., & J, J. Impacts of biodiversity loss on ocean ecosystem services. Disponível em http://science.sciencemag.org/content/314/5800/787.full (2006)

quinta-feira, 8 de março de 2018

Marisqueiras

Por Gabrielle Souza 



Ilustração: Joana Ho



   Na construção histórica social, as profissões sempre foram divididas entre os sexos feminino e masculino, ou seja, determinadas atividades eram vistas como apropriadas para homens, enquanto outras que não exigiam muito esforço físico, geralmente na área do cuidado (dona de casa, professora, enfermeira, etc) para mulheres. Assim muitas de nós sempre fomos desencorajadas a realizar determinadas funções, pois reza a lenda que somos biologicamente “mais frágeis e menos inteligentes”.

    A partir daí já dá para ver que toda essa questão não passa de uma desculpa do patriarcado né?!

     Mas você deve estar se perguntando aonde eu quero chegar com isso. Bom, o que eu quero dizer é que, a cada dia que passa, estas relações de profissões direcionadas para determinados indivíduos estão caindo por terra e que, nós mulheres, estamos mostrando que podemos estar sim, em funções e cargos reconhecidos como “masculinizados”.

   Um grande exemplo disso são as mulheres marisqueiras. Elas estão espalhadas por todo o litoral do Brasil e realizam uma atividade chamada de mariscagem. A mariscagem consiste no processo de captura contínua de mariscos de forma artesanal, seja em regime de economia familiar ou autônoma, para seu próprio sustento ou comercialização. 

    Os mariscos retirados nessa atividade geralmente são capturados em bancos de lama ou areia, que localizam-se nos mangues ou próximo a eles. A captura se dá de diversas formas, porém a mais comum é a catação manual, onde as mulheres raspam a areia com o auxílio de uma colher até encontrar o marisco.



   Esta atividade inicialmente era realizada por homens, pescadores, que diante da sociedade seriam os mais aptos para o processo, pois são fortes e aguentam idas aos mares e mangues para obter o sustento da família. Enquanto o tratamento da captura sempre foi feito pelas mulheres, ou seja, são elas que limpam os peixes e mariscos que seus maridos, irmãos, tios, pais trazem do mar. 


     Mais recentemente, as mulheres começaram a assumir também o papel de extração dos mariscos. Porém, esta atividade é simplesmente invisível, apesar de extremamente importante, social e economicamente falando. A partir disso, só podemos concluir que, pelo simples fato de serem mulheres, não existe reconhecimento de seus direitos diante da profissão que exercem, seja por seus companheiros e familiares, como também pelo Estado, por meio do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que garante a aposentadoria e outro direitos. A falta destes direitos trabalhistas faz com que estas mulheres trabalhem em condições inadequadas, em geral com carga horária exacerbada da jornada de trabalho.

     Existem estudos que realizam um perfil social dessas mulheres, criando um panorama de aspectos socioeconômicos e de como elas se sentem sobre as situações que enfrentam. Um desses trabalhos foi realizado na Comunidade de Barra Grande, município de Cajueiro da Praia - Piauí, com uma faixa de 4 km de praia, que por decreto federal é uma Unidade Conservação, e está na categoria de uso sustentável. A grande parte das marisqueiras está na faixa etária entre 30 e 60 anos, sendo a média de idade de 42 anos. A falta de escolaridade é alta, as mulheres que cursaram o ensino fundamental incompleto correspondem a 34,92%, e quando somadas as não escolarizadas (17,46%) elevam ainda mais o percentual. A situação conjugal é predominantemente de mulheres casadas (44,44%), seguidas das que moram junto (28,57%), e a média de filhos é de quatro,havendo uma variação de zero a doze filhos. 


    Muitas dessas mulheres realizam outras atividades para auxiliar na renda mensal da família, como por exemplo: lavadeiras, rendistas, cozinheiras etc. Além de contarem suas histórias de vida, opinam sobre os problemas que enfrentam. Estes estão relacionados principalmente às condições de trabalho, e às questões burocráticas, solicitando a criação de um associação própria de mulheres marisqueiras, pois elas se sentem excluídas das colônias de pescadores que já existem no território.

   Além disso, as marisqueiras travam uma luta diária contra o machismo. Mas quem disse que elas desistem?! Um exemplo prático dessa luta, além da persistência em trabalhar mesmo diante de tantas dificuldades, é o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 47/2017. Este projeto define a profissão de marisqueira e suas competências além das responsabilidade que o poder público tem nas ações desenvolvidas pelas trabalhadoras, assegurando seus direitos e deveres. 

    As mulheres vêm conquistando o seu lugar na sociedade e dentro das organizações de trabalho, lugar que é seu por direito. Mas ainda reconhecemos que há muito a ser feito para que conquistemos uma forma igualitária de tratamento entre homens e mulheres. Valorizar o trabalho das mulheres marisqueiras é também valorizar a preservação da natureza, é reconhecer de forma justa um trabalho que é realizado com carinho, amor e dedicação.



Vídeos recomendados:
https://vimeo.com/96543725

https://projetosereias.com/videos/


Para saber mais:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/07/31/politica-de-apoio-a-atividade-de-mulheres-marisqueiras-sera-analisada-na-cdh




Referências Bibliográficas


FREITAS, Simone Tupinambá et al. Conhecimento tradicional das marisqueiras de Barra Grande, área de proteção ambiental do delta do Rio Parnaíba, Piauí, Brasil. Ambiente & Sociedade, [s.l.], v. 15, n. 2, p.91-112, ago. 2012. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1414-753x2012000200006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2012000200006>. Acesso em: 01 mar. 2018

 Diário do Nordeste. Marisqueiras reivindicam seus direitos. 2003. Disponível em: <http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/marisqueiras-reivindicam-seus-direitos-1.370455>. Acesso em: 01 mar. 2018.

Senado Notícias. Política de apoio à atividade de mulheres marisqueiras será analisada na CDH. 2017. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/07/31/politica-de-apoio-a-atividade-de-mulheres-marisqueiras-sera-analisada-na-cdh>. Acesso em: 01 mar. 2018.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

E se o mar secasse?

Por Pedro Marone Tura
Ilustração Joana Ho

As crianças fazem as melhores perguntas. Em minha última viagem à praia, uma criança ao saber que eu era oceanógrafo me fez uma das melhores perguntas que já ouvi. “O que aconteceria se o mar secasse?”. “Você quer saber o que aconteceria com os peixes e com o clima?”- perguntei. “Não, não. O que tem lá embaixo? Se não tivesse água, o que eu veria?”. Fiquei alguns segundos atônito com a simplicidade e complexidade da pergunta. O que eu poderia dizer a uma criança sobre o fundo do mar que respondesse à essa curiosidade e ao mesmo tempo não a matasse de tédio (esse sim, o principal desafio)? “Muito mais que naufrágios e corais”-comecei.


Apesar deste tópico ser inédito entre as FAQs (Frequently Asked Questions - Perguntas mais frequentes) das rodinhas de praia – geralmente relacionadas ao surf – percebi que a geomorfologia marinha é um assunto pouco apreciado pelo público geral. Você, sentado na beira da praia, já se perguntou como é o fundo do mar entre o Brasil e a África? Seria ele uniforme e tedioso? Ou então, será que eu encontro a mesma areia da praia preenchendo todo o fundo oceânico? Dois terços do nosso planeta estão submersos e, salvo quando o assunto é petróleo e pré-sal, pouco nos importamos com o que está além da linha d’água.


A geomorfologia marinha nos conta histórias incríveis sobre a própria evolução do planeta Terra. Cada praia, planície, parcel e ilha é o resultado de anos de processos sedimentares – balanço entre deposição e erosão de sedimentos - sobre um cenário forjado pelas forças tectônicas. Quantos anos? Todos eles. Mesmo que lentos, os ambientes oceânicos e costeiros estão sempre mudando. Adicione à equação a ação humana e o resultado é a paisagem atual. Mas se são tão dinâmicos, como é possível saber da história e evolução desses locais? Talvez já tenha ouvido a expressão: ‘O presente é a chave do passado’. Além de poética, essa frase representa um dos conceitos mais importantes da geologia – o uniformitarismo. Essencialmente, se hoje observo um certo resultado para um determinado processo, isso também foi verdade ao longo da história geológica. Dessa forma é possível reconstruir ambientes passados procurando por pistas do que aconteceu. Lógico ou mágico?


Mas claro, nenhuma criança quer ouvir sobre fácies sedimentares, próxies ou refletores. Alto lá! Comecei falando de um dos ambientes mais fascinantes para qualquer faixa etária: as fontes hidrotermais. “Dignas de um cenário de ficção científica!”. Em meio à escuridão do oceano profundo existem verdadeiras chaminés, que constantemente jogam no oceano uma variedade de elementos químicos. As fontes se concentram no limite entre placas tectônicas, em regiões com nenhuma luz. Ou seja, o principal processo de transformação da matéria inorgânica em orgânica - a fotossíntese - não ocorre nessas regiões. Ao invés da luz, os organismos aproveitam a energia das reações químicas dos elementos, um processo conhecido como quimiossíntese. O que no início se pensou que fosse uma região sem vida, mostrou-se uma das mais incríveis do ponto de vista biogeoquímico.

Fonte hidrotermal e sua fumarola negra. Elementos químicos são constatemente dispejados no oceano por essas chaminés (Fonte: https://www.sciencenews.org/article/deep-sea-hydrothermal-vents-more-abundant-thought).

“Agora olhe para trás. O que você acha da Serra do Mar?”. A Serra do Mar é uma cadeia de montanhas que impressiona por seu tamanho e extensão. Mas, com todo respeito, nem se compara às estruturas que encontramos escondidas no oceano. Imagine caminhar por uma planície e se deparar com montanhas que erguem-se por quilômetros de altura, sem aflorar na superfície. Navegantes desinformados nem imaginam a incrível formação que está sob seus pés. Essas estruturas não são raras e existem por todo oceano. Aliás, uma cadeia de montanhas corta todo oceano Atlântico, no encontro entre as placas tectônicas sul-americana e africana, a chamada Cordilheira Meso-Atlântica. Caprichosamente, a cadeia emerge próximo ao círculo polar ártico, na Islândia. Que tal nas próximas férias visitar uma cadeia de montanhas submarinas?

Esquerda: Mergulho na cordilheira Meso-Atlântica na Silfra fissure, Islândia (Fonte: https://www.flickr.com/photos/nrgie/3673050717). Direita: Caminho entre a cordilheira no Thingvellir National Park, Islândia (Fonte: https://www.flickr.com/photos/ableman/5989835706).

Em formato de cones irregulares, os montes submarinos existem em todas as bacias oceânicas. O ‘diâmetro’ dessas estruturas varia, mas geralmente não ultrapassa poucos quilômetros. Mas é claro, existem excessões. Imagine uma estrutura erguendo-se três quilômetros sobre o fundo oceânico e com uma área maior que o estado de Santa Catarina. Essa estrutura é a Elevação Rio Grande. Não bastasse seu tamanho, um cânion de aproximadamente 800 m de altura e mais de 25 km de espessura corta todo esse ‘edifício geológico’. Um Grand Canyon próprio. Impressionante? Sem dúvida. Devido à esses números, a Elevação Rio Grande foi carinhosamente chamada de a ‘Atlântida brasileira’ pela mídia e canais de divulgação.


E assim a conversa tomou bons minutos da nossa tarde e agregou outros curiosos. Exemplos não faltam. Novas técnicas de medição e exploração do fundo tem mostrado que ainda conhecemos pouco dos nossos oceanos. Na realidade, conhecemos mais sobre a superfície da Lua e de planetas como Marte do que do fundo oceânico. Se algum dia você já se sentiu chateado por ter nascido em uma época em que viagens espaciais ainda são prematuras, e navegações em naus e caravelas ultrapassadas, anime-se. Você nasceu na época certa para explorar os oceanos.

Para saber mais:


Sobre Pedro Marone Tura:
"Sou oceanógrafo e atualmente aluno de doutorado em oceanografia biológica pelo Instituto Oceanográfico - USP. Trabalho com o fluxo vertical de partículas na água e com o ciclo biogeoquímico dos elementos no ambiente marinho. Sempre apaixonado por oceanografia e sua interdisciplinaridade, hoje descobri uma nova paixão: a educação. Vejo nela a oportunidade de aproximar a sociedade do mundo acadêmico."

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O ar que você respira

Por Cláudia Namiki

No dia 03 de setembro, recebi uma linda mensagem me parabenizando pelo Dia do Biólogo, que dizia assim: “Biologia: muito obrigado por você NÃO fazer parte da minha vida”. Depois de perceber o NÃO, achei essa frase um verdadeiro paradoxo, já que bio significa vida, e o ser humano que escreveu essa mensagem devia estar “vivinho da silva”, utilizando o oxigênio produzido por outros seres vivos através da fotossíntese, para a manutenção de suas células enquanto pensava que não tinha nada de biologia em sua vida...



Ilustração: Joana Ho.

E se eu contasse que boa parte do oxigênio consumido por esse indivíduo foi produzido por microalgas e cianobactérias, organismos tão pequenos que a gente não consegue ver? Esses microrganismos formam o grupo que chamamos de fitoplâncton, que além de sustentar toda a teia trófica marinha, são responsáveis pela produção de aproximadamente 40% do oxigênio produzido anualmente no planeta (Falkowski, 1994). Assim, embora você não veja as microalgas e cianobactérias quando está em frente ao mar, saiba que elas podem afetar profundamente os ciclos de oxigênio e carbono na Terra tanto quanto as vistosas plantas terrestres.(veja aqui Por que alga não é planta, por que planta não é alga


Mas a importância dessas pequenas criaturas não para por aí:  a vida no planeta como ela é hoje não existiria sem as cianobactérias. Os geólogos descobriram que durante a primeira metade dos 4,6 bilhões de anos de existência da Terra quase não existia oxigênio livre em sua atmosfera. O oxigênio começou a se acumular na atmosfera terrestre a apenas 2,4 bilhões de anos, graças à fotossíntese realizada pelas antepassadas das cianobactérias atuais. As plantas terrestres só apareceram 2 bilhões de anos após os níveis de oxigênio na atmosfera começarem a subir (Falkowski, 2012).


Ou seja, todos os Homo sapiens sapiens, incluindo você, é claro, e todas as outras formas de vida dependentes de oxigênio devem, em grande parte, sua existência ao surgimento de uma única célula capaz de obter a energia do Sol para transformar a matéria inorgânica (carbono, água e outros nutrientes) em alimento.


Deste modo, não pense que Biologia não faz parte da tua vida só porque não foi o curso que você resolveu estudar! Ela está em tudo, inclusive no ar que você respira!


Para saber muito mais, assista ao vídeo na página

http://www.sciencemag.org/news/2017/03/meet-obscure-microbe-influences-climate-ocean-ecosystems-and-perhaps-even-evolution

Sugiro também que ouça a música do Spyro Gyro de Jorge Ben, para saber como as microalgas podem influenciar até a música popular brasileira. ;)





Post relacionado:


A fertilização dos oceanos e as mudanças climáticas 



Referências:


Paul G. Falkowski. The role of phytoplankton photosynthesis in global biogeochemical 
Cycles. Photosynthesis Research 39: 235-258. 1994.


Paul G. Falkowski. The power of plankton. Nature, 483: 17:20. 2012.