quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Sobre mudar a rota de navegação

Por Raquel Saraiva

Ilustração: Joana Ho

Mudar de carreira não é fácil - bom, pelo menos assim eu pensava quando resolvi abandonar minha carreira na fisiologia animal para encarar uma nova graduação em jornalismo. Grandes mudanças são sempre muito difíceis de encarar. E se elas não nos são impostas pelas circunstâncias da vida, mas partem de uma insatisfação nossa, acho que são ainda mais complicadas.

Quem nunca pensou em como seria se tivesse escolhido outra carreira? Passei muitos anos refletindo sobre isso - eventualmente e sem compromisso. Tomar a decisão de mudar foi, para mim, a parte mais difícil da mudança. Encarar o medo de voltar para os estudos de pré-vestibular, de falhar no Enem e medo de estar tomando a decisão errada custou muitas noites insone, muito choro e ansiedade.

Decidi pela biologia aos 17 anos. Gostava de embriologia e fisiologia, fantasiava uma carreira na ciência ou no jornalismo científico. Decidi, assim, optar pela área de saúde. Ingressei no curso e descobri aos poucos como era na realidade aquela vida que eu tinha idealizado.

Eu poderia listar os problemas da academia e da vida de professor e assim justificar minha mudança. Mas seria injusto. Todos sabemos que qualquer profissão tem seus louros e agruras. Se você gosta do que faz, os louros pesam mais na balança. Eu via muitos profissionais, alguns passando por mais dificuldades que eu, super felizes nos seus laboratórios e no campo - e não entendia como aquilo era possível.

Tentei ‘resolver’ minha insatisfação várias vezes. Foram anos de conversas com amigos, com meus pais, procurei ajuda na psicologia e na religião. No mestrado, escolhi trabalhar na área que sempre gostei e com uma orientadora que, além de super competente, era educada, prestativa e gentil. E sou muito feliz pelo trabalho que desenvolvemos juntas. Também fui muito, muito feliz no ano que fui monitora e, anos depois, professora substituta de Fisiologia Animal na UFBA.

O Facebook me lembrou essa semana uma publicação que fiz nesse período, quando lecionava. “Minha profissão é a melhor do mundo”, eu escrevi. Foi bom para lembrar dos momentos que curti minha profissão de bióloga. E eu estive feliz em muitos momentos, principalmente na sala de aula. Mas no restante do tempo eu estava insegura e detestava minha rotina.

Lembro de um pensamento que era recorrente "vou ser feliz quando eu estiver no mestrado" ou "vou ser feliz quando eu publicar meu artigo do mestrado"... bom, a “felicidade plena” que eu tanto esperei nunca veio - na verdade, ela se limitava a pequenas alegrias com as vitórias que eu tinha. Hoje, mesmo quando estou chateada com algo no curso ou em relação à profissão, eu estou feliz e tenho consciência disso em todos os momentos.  Achei que o recomeço seria difícil - e está sendo. Mas é muito mais gostoso que difícil.

Levei muito tempo para me convencer que eu não estava satisfeita e que jamais seria naquela carreira - insight óbvio que só veio com a maturidade. Eu aprendi que a gente tem que ser feliz agora - fazemos planos futuros para a vida pessoal, para a carreira, mas a felicidade deve ser vivida diariamente. Uma frase que não sai da minha cabeça é um verso da música Beautiful Boy, de John Lennon: “Life is what happens to you while you’re busy making other plans” (A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos).

Eu ouvi meu coração. Mas não só isso. Tenho muitos amigos próximos que são jornalistas, então conhecia relativamente bem a rotina da profissão. Também procurei ajuda com uma psicóloga que, por sinal, tinha se graduado e feito mestrado em veterinária antes de estudar psicologia, e ela também foi muito importante para me ajudar a enfrentar a mudança.

Assumir que jornalismo era mesmo o amor da minha vida foi fácil. Mesmo a área sendo complicada (vide as dezenas de passaralhos [demissões em massa] nas redações nos últimos meses). Sabendo que seria complicado lidar com as opiniões de pessoas próximas ("por que não faz medicina?", "acho que relações internacionais é melhor", “tem que ser forte para aguentar a carreira acadêmica”), compartilhei a novidade apenas depois da minha aprovação na UFBA.

Sei que sou privilegiada por ter tido a possibilidade de mudar - por uma série de fatores, muitos não podem fazer isso. Um fator importante foi me sentir amparada e acolhida. Eu contei com apoio da minha família, de meu marido e de poucos amigos mais íntimos. Pessoas que não questionaram minha escolha ao ver meus olhos brilharem e não mediram esforços para me ajudar. Isso foi fundamental para me dar forças para prosseguir na busca do meu sonho.

Não me arrependo de ter feito a mudança beirando os 30. Começar um outro curso com mais maturidade é maravilhoso, sinto que estou aproveitando muito mais a nova graduação, com menos medo e fazendo escolhas mais conscientes. A graduação em biologia e o mestrado com toxinologia me ajudaram a escrever de forma mais objetiva e clara, além de terem me dado uma boa bagagem para discutir temas ligados à saúde - como tenho feito aqui no blog com a divulgação científica. Por isso, sinto que estou fazendo o curso de jornalismo na hora certa. E quem sabe não enveredo pelo jornalismo científico um dia?

Hoje eu faço planos e penso nas mil (maravilhosas) possibilidades que a carreira me oferece, não me esquivo de falar sobre o jornalismo em qualquer lugar que esteja, não reclamo de ter que fazer coisas do trabalho ou da faculdade tarde da noite ou de madrugada nos finais de semana… pela primeira vez eu estou amando fazer o que faço. O jornalismo é parte da minha vida e não apenas uma profissão. E eu amo viver isso.

É bom realizar sonhos e também ter consciência de estar realizando-os. Desfrutar de cada momento, por mais irrelevante que pareça - para os outros. Porque eu sei o quanto sonhei em estar aqui, e não quero deixar nada passar em vão.

17992044_10207149000438333_4088882636839387644_n.jpgSobre Raquel:

Estudante de jornalismo, bióloga (2010) e mestre em Zoologia (2014). Trabalhou com neurociências, fisiologia animal e toxinologia. Hoje realiza o sonho de estudar jornalismo, é apaixonada por todas as áreas da comunicação, está no quarto semestre do curso na UFBA e feliz da vida se dedicando ao estágio na redação de um jornal. É editora do blog Bate-Papo com Netuno desde 2016.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Os furacões e seus nomes

Por Carolina Barnez Gramcianinov


Ilustração: Silvia Gonsales

A temporada de ciclones tropicais no Atlântico começou dia 19 de abril e já temos um furacão para entrar na história. Irma foi devastador e provavelmente não teremos mais furacões com esse nome no Atlântico. Você sabe por quê? Já se perguntou de onde vem os nomes dados aos furacões e por que isso é feito?

Nomear os ciclones tropicais (ou furacões) com nomes próprios, simples e curtos facilita a comunicação e os alertas à população. Antigamente, códigos envolvendo a latitude e longitude eram usados, mas isso causava certa confusão pela quantidade de letras e números. Durante a temporada de furacões é comum ter mais de um sistema atuando no Atlântico ao mesmo tempo e é importante que o alerta seja entendido claramente para cada um deles.  A confusão entre furacões que ocorrem ao mesmo tempo e atuam em regiões diferentes ou em sequência era muito comum quando a notícia era passada, principalmente via rádio, o que atrasava e comprometia os alertas e planos de evacuação.


Animação com imagens de satélite do dia 14 de Setembro de 2017 do Oeste do Pacífico Norte, com os ciclones tropicais Talim (mais ao norte) e Doksuri (mais ao sul). Esta imagem em infravermelho colorido mostra as características das nuvens, e consequentemente, chuva, associada aos sistemas atmosféricos. Quanto mais fria é a nuvem, mais alta ela está e maior é o potencial de chuva forte. Na escala de cores adotada, nuvens mais altas são representadas pela cor vermelha. (fonte: http://www.ssd.noaa.gov/PS/TROP/Basin_WestPac.html, acessado em 14/09/2017).

A tradição de nomear furacões tem sua origem no Oceano Índico Oeste, onde as comunidades atingidas os nomeavam de acordo com o santo do dia. No início do século XIX, um meteorologista australiano passou a dar nomes femininos aos ciclones e essa prática foi adotada ao redor do mundo, especialmente por meteorologistas da Marinha e Exército durante a 2a Guerra Mundial. Apenas em 1978 nomes masculinos passaram a ser usados no leste do Pacífico Norte e, um ano depois, no Atlântico e Golfo do México.


Atualmente, os nomes são escolhidos a partir de listas organizadas pela Organização Mundial de Meteorologia (WMO, em inglês1). Existe uma série de listas para cada região oceânica afetada por ciclones tropicais, totalizando 10 grandes listas. Todas obedecem ordem alfabética, o que permite saber qual é o número do ciclone da estação. Em qualquer região, um ciclone tropical que começa com A é o primeiro da estação. Regiões com muita atividade de ciclones têm listas mais extensas. A lista do Atlântico e Golfo do México, por exemplo, possui 21 nomes por estação, a do Pacífico Norte Central possui apenas 12. Mas e, se durante a estação, houver mais furacões do que nomes? Cada região tem uma saída para isso. No Atlântico inicia-se o alfabeto grego, Alfa, Beta e assim por diante. Em outras regiões passa-se para a lista do ano seguinte, e em algumas existe até uma lista de nomes reservas!


Imagens do satélite GOES do Furacão Wilma (2005) atingindo a Florida (EUA). Este foi o ciclone tropical mais intenso registrado na bacia do Atlântico, atingindo ventos de 295 km/h. (fonte: NOAA - http://www.ssd.noaa.gov/PS/TROP/trop-atl.html)

Cada grande região já tem uma lista que contempla nomes para mais de um ano. Quando se chega ao último nome da última lista disponível, volta-se à primeira. Por exemplo, no Atlântico temos 6 listas, isso significa que a cada 7 anos, as repetimos. Portanto, em 2023 estaremos usando a mesma lista deste ano! Por isso, às vezes, ouvimos nomes repetidos, ou, quando vamos pesquisar sobre um furacão aparece mais de um com o mesmo nome. Mas então há a pergunta: por que nomes de ciclones "famosos" como Katrina e Sandy não aparecem mais na lista? A resposta é que, por consideração às vítimas, ciclones que causaram muitos danos e mortes têm seus nomes retirados das listas. Nesse caso a WMO elege um nome com a mesma inicial para a substituição. Esse é o caso dos ciclones tropicais Haiyan (Filipinas, 2013), Sandy (EUA, 2012), Katrina (EUA, 2005) e Mitch (Honduras, 1998), por exemplo. Para mais nomes aposentados de furacões, clique aqui.

O furacão Irma (2017) já está entre os mais intensos da história e foi o ciclone mais intenso a atingir os EUA desde o Katrina (2005). Outra característica marcante foi a quantidade de dias que ele ficou em sua intensidade máxima: foram cerca de 2 dias com ventos que atingiram quase 300 km/h (2).  Os danos foram enormes e já se discute sua retirada da lista de nomes (3). Ele é o décimo nome com “I” a ser retirado da lista do Atlântico, sendo esta inicial a com maior quantidade de nomes retirados: Ione (1955), Inez (1966), Iris (2001), Isidore (2002), Isabel (2003), Ivan (2004), Ike (2008), Igor (2010), Irene (2011),  Ingrid (2013).


Exemplo do monitoramento realizado pelo Centro Nacional de Furacões dos EUA (NHC, em inglês). Na imagem podemos ver o furacão José e duas perturbações com pequeno potencial de desenvolvimento de ciclones marcados com "X" amarelo (chances menos que 40%). (fonte: http://www.nhc.noaa.gov/, acessado em 14/09/2017).


Se quiser saber qual será o nome do próximo ciclone tropical, confira as listas no site da Organização Mundial de Meteorologia1.
Quer saber qual será o nome do próximo furacão? Veja na página do National Huricane Center: http://www.nhc.noaa.gov/

Referências

(1) https://public.wmo.int/en/About-us/FAQs/faqs-tropical-cyclones/tropical-cyclone-naming
(2) http://fingfx.thomsonreuters.com/gfx/rngs/STORM-IRMA/010050RH1R0/index.html
(3) https://www.usatoday.com/story/weather/2017/09/07/irma-likely-join-long-list-retired-hurricane-names-start-i/641999001/ 

Sou oceanógrafa pelo IO-USP, onde também fiz mestrado em Oceanografia Física. Sempre me interessei pelo impacto dos oceanos no tempo e no clima, o que me motivou a entrar no doutorado em Meteorologia no IAG-USP. Desde que entrei na graduação, me apaixonei pela física dos oceanos e seus impactos em outros processos. Agora no doutorado, foi impossível não me encantar com a dinâmica e termodinâmica da atmosfera. Busco estar entre esses dois meios e acredito que ainda falta um entendimento integrado entre estas áreas para uma melhor compreensão do sistema climático.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Minicurso sobre isótopos

Que tal viajar no incrível mundo dos isótopos? Então se inscreva nesse curso que ocorrerá de 23 a 26 de outubro no Instituto Oceanográfico, da Universidade de São Paulo

Mais informações: https://www.iojunior.com/cursos