sexta-feira, 31 de julho de 2015

Importância e curiosidades das coleções científicas

Por Jana M. del Favero

Entre o fim do mestrado e o começo do doutorado fiz uma pausa de um ano e meio na qual participei da montagem da Coleção Biológica Prof. Edmundo F. Nonato - ColBio, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (http://www.io.usp.br/index.php/infraestrutura/colecao-biologica). Foram meses verificando frascos com algum tipo de material biológico, entre peixes, zooplâncton, otólitos, e digitando todas as informações sobre os mesmos no computador, como datas de coleta, locais, profundidades de coleta, o tipo de amostrador usado, a embarcação etc. Foi durante esse período que percebi a importância das coleções científicas, que preservam materiais cuidadosamente coletados para diversos fins, possibilitando inúmeras pesquisas. 

Sou suspeita para falar, pois foi durante esse período trabalhando na coleção que observei que havia amostras de ovos e larvas de uma espécie de peixe (Engraulis anchoita) durante vários anos, desde 1974 até 2010, o que me possibilitaria uma análise da distribuição e abundância desses organismos  em um longo período de tempo, verificando a influência de fatores ambientais que não podemos analisar com poucos meses de coleta. Citando o que a Silvia Gonsales (nossa ilustradora) me disse, “as coleções armazenam peças com informações relevantes de um quebra-cabeça a ser montado e desvendado pelos pesquisadores”. É por isso que quando ocorre algum acidente, como o incêndio do Instituto Butantã em 2010, não são apenas cobras já mortas que se perdem, mas sim informações relevantes, insubstituíveis, que deixarão buracos nesses quebra-cabeças, que podem se tornar impossíveis de serem montados. 



Fig. 1: Organismos preservados depositados no ColBio. Foto: Gabriel Monteiro.

Outra grande importância das coleções biológicas é a economia financeira que podem proporcionar. Muitas vezes não nos damos conta  do alto custo de uma saída de campo para uma instituição ou para uma agência financiadora do projeto. A saída fica ainda mais cara se para a realização da mesma for necessário o uso de algum navio de pesquisa, principalmente se a área estudada for muito afastada da costa ou muito grande! Eu mesma, no meu projeto de doutorado não gastei um real com coletas, graças ao material guardado no ColBio.

Agora suponhamos que você faz um trabalho no qual quer saber quais espécies de peixes ocorrem em uma certa região. Você identifica as espécies e na hora da publicação, ou em algum outro momento, algum pesquisador o questiona se você identificou corretamente a espécie X. Se a sua espécie X tiver ao menos um indivíduo depositado (guardado) em alguma coleção biológica, o pesquisador questionador pode analisar por si mesmo o “espécime-testemunho”, ou seja, o indivíduo por você depositado, e comprovar a identificação daquela espécie. 

Ou até mesmo quando você está identificando um indivíduo coletado e tem dúvidas quanto à sua classificação. Nessa hora não há nada melhor do que consultar uma coleção científica e analisar as possíveis espécies que seu indivíduo parece pertencer. Incontáveis vezes fui ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo-MUZUSP (http://www.mz.usp.br) durante o meu mestrado para ver indivíduos depositados na coleção ictiológica (de peixes). Se vocês achavam que o museu de uma universidade ou de ciências só tem aquela parte de exposição onde os visitantes circulam livremente, engana-se! Muito maior, e na minha opinião mais importante, são as coleções científicas. 

Ah, e se esse museu arquivar o holótipo então, a coleção torna-se ainda mais preciosa. Holótipo ou espécime-tipo é o indivíduo que o pesquisador designou como base no momento da descrição de uma nova espécie. E sim, estamos constantemente descobrindo novas espécies e designando novos holótipos, principalmente no oceano, ainda tão pouco explorado! 

Explorando o banco de dados do Museu de História Natural de Londres, achei diversos holótipos do Brasil, dentre os quais  citarei um que me chamou a atenção:  uma espécie de esponja (leia mais sobre esponjas aqui) coletada em 1996 na região de São Sebastião, SP. Aos curiosos de plantão segue o link da coleção científica do Museu de História Natural de Londres (http://data.nhm.ac.uk). Eu particularmente achei demais ficar pesquisando espécimes coletados por Darwin, Linnaeus, de exemplares coletados no Brasil, que hoje estão guardados em outro continente! 

É importante esclarecer que o holótipo nem sempre precisa ser o indivíduo inteiro, principalmente no caso de espécies extintas, cuja descrição é muitas vezes baseada em fósseis (por exemplo, um holótipo de um dinossauro descrito pode ser o fêmur do mesmo). Em alguns casos o holótipo pode até ser uma ilustração! 



Fig. 2: Holótipo de Marocaster coronatus, uma espécie de estrela-do-mar extinta. O material está depositado no Muséum de Toulouse, França. Fotógrafo: Didier Descouens.



Fig. 3: Desenhos científicos mostrando 3 estágios larvais de uma espécie de peixe. (Ilustração: Silvia Gonsales).
E por falar em ilustração, a Silvia Gonsales fala rapidamente em seu perfil aqui do blog sobre a importância das ilustrações científicas: “o desenho ajuda os pesquisadores a representarem e/ou explicarem suas ideias com algo além de palavras. Por exemplo, quando uma espécie nova é descoberta, alguém precisa descrevê-la, ou seja, fazer um registro exato de como ela é. O desenho científico complementa e sintetiza esse registro, mostrando todas as suas características importantes que, muitas vezes, não aparecem claramente em fotografias”. Assim, o desenho da espécie descrita auxilia, e muito, os pesquisadores na identificação de uma espécie ou até mesmo do estágio de desenvolvimento no qual  ela se encontra. No seu Trabalho de Conclusão de Curso, Silvia Gonsales utilizou desenhos científicos para descrever e caracterizar as fases larvais de uma espécie de peixe (vejam o desenho abaixo como exemplo de 3 estágios). E no post da Claudia Namiki ela mostra como o desenho científico foi utilizado para descrever otólitos (veja aqui). Os originais dos desenhos científicos também ficam depositados em coleções científicas, disponibilizados para consulta de pesquisadores.

O desenho é fácil de ser arquivado e guardado por muito tempo, mas como são guardados os outros materiais? Bem, tudo depende do que está sendo depositado. Os otólitos e ossos apenas precisam estar limpos e etiquetados para serem depositados, as amostras de plâncton normalmente encontram-se em  frascos de vidro preservadas em formaldeído 4% e peixes em álcool 70%. Plantas são prensadas, secas em estufas e fixadas em cartolina, chamadas exsicatas, como as da coleção que há no Jardim Botânico de São Paulo (http://botanica.sp.gov.br/curadoriadoherbario) e no do Rio de Janeiro (http://www.herbariovirtualreflora.jbrj.gov.br/jabot
/herbarioVirtual/ConsultaPublicoHVUC/ConsultaPublicoHVUC.do). Há também a taxidermia, conhecida popularmente como a atividade de “empalhar”, pois antigamente se utilizava palha para preencher a pele do animal que estava sendo montado. Hoje em dia, usa-se um material semelhante às fraldas, como os animais taxidermizados do  Museu de Pesca de Santos (http://www.pesca.sp.gov.br/museu.php). Aposto que muitos aqui nunca pensaram que o animal “empalhado” poderia também ser usado a favor da ciência, não somente utilizado por caçadores para ficar expondo animais em sua sala de estar (credo!).


Fig. 4: Exemplo de peixes fixados em álcool 70%, de aves marinhas taxidermizadas, do esqueleto de uma ave montado (Fotos: Jana M. del Favero) e de uma exsicata (Foto: Richieri Sartori). 

Uma das coleções que conheci que mais me fez brilhar os olhos foi a coleção de vidro de flores e de invertebrados marinhos da Universidade de Harvard, parte exposta no Museu de História Natural e no Museu de Zoologia Comparada, da própria universidade. Ambas as coleções foram inicialmente criadas para serem utilizadas em salas de aula, uma vez que nem a planta prensada e nem o animal fixado mostram como o organismo realmente é (na fixação, principalmente de invertebrados, o animal perde a cor e pode deformar). No caso do organismo de vidro, mesmo estando muito perto, eu juraria que era de verdade, e olha que os modelos foram feitos entre 1887 e 1936. Uma obra de arte a favor da academia! Mais informações sobre a coleção de flores de vidro podem ser obtidas em http://hmnh.harvard.edu/glass-flowers e sobre os invertebrados marinhos em http://hmnh.harvard.edu/sea-creatures-glass. No final de ambas as páginas há um filminho com imagens belíssimas, contando a história e como foram feitos esses organismos de vidro.


Fig. 5. Organismos de vidro da coleção do Museu de História Natural da Universidade de Harvard. Foto: Jana M. del Favero.

Os museus podem guardar ainda preciosidades blibliográficas em suas coleções, como por exemplo, livros com as descrições de Carolus Linnaeus, um dos pesquisadores pioneiros na identificação de animais, considerado o “pai da taxonomia”, mantidas pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.. Este material é tão raro e de grande relevância que  é preciso ser  manuseado com luvas.

Uma pesquisa recente relatou que apenas 12% dos entrevistados visitaram um museu de ciência e tecnologia nos últimos 12 meses. Apesar de baixo, essa porcentagem aumentou se comparado com a mesma pesquisa em 2006, na qual apenas 4% afirmaram terem visitado um museu no último ano, e 8% em 2010. Entre os que não foram à nenhum museu, apenas 14,2% justificaram com a falta de interesse, sendo que 32,2% não tiveram tempo e 31,1% afirmaram que só não foram pois não existe nenhum em sua região.  Segundo o site que divulgou a pesquisa, o fato demostra muito mais a falta de acesso ao museu, ou de conhecimento sobre o mesmo, do que a falta de interesse, mostrando que a oferta é restrita e a informação é esparsa (Fonte: http://percepcaocti.cgee.org.br).

Então, após as curiosidades apresentadas aqui, que tal planejar uma ida ao museu e tentar enxergá-lo de um modo diferente?! 

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Pós-graduação e gravidez: Parte II

Por Marília Bueno

Comecei a namorar o Thiago bem cedo, três anos antes de entrar na faculdade... Fui estudar na Unesp de São Vicente e todo mundo me falava que nenhum namoro resiste à uma faculdade à distância... O nosso resistiu e muito bem, obrigada! Logo engatilhei no mestrado, na USP de Ribeirão Preto. Foram mais dois anos de muitas viagens e que passamos tranquilamente. No fim do mestrado, entrei na tão conhecida crise: o que fazer agora? Um amigo me disse uma frase que nunca vai sair da minha cabeça: você prefere ser uma pesquisadora excepcional sozinha ou uma boa pesquisadora com uma família formada? Nunca tive dúvida que escolheria a segunda opção. E pensando nisso, escolhi fazer o doutorado na Unicamp, em nossa cidade natal, e assim conciliar melhor a vida profissional e pessoal. Eis que não passo na prova de Ecologia... E agora? Decidimos nos casar! Já tinham se passado 9 anos de namoro... O ano de 2009 foi super corrido, dei muitas aulas e planejei nosso casamento para outubro. Voltamos da lua-de-mel, prestei a prova de Ecologia novamente e passei! E comecei meu doutorado em 2010.


Estava tudo caminhando muito bem, tanto no doutorado quanto no casamento. Muitas disciplinas teóricas, muito trabalho de campo e uma disciplina cursada nos Estados Unidos. Fiquei muito impressionada com uma das professoras do curso. Uma mulher muito nova, casada com um docente da mesma universidade, com dois filhos pequenos e um currículo fenomenal! Claro que conversei muito sobre esse dilema que nós mulheres cientistas vivemos... Quando ter um filho? E comecei a conversar com muitas pessoas sobre o assunto... Vi casos de mulheres que esperaram a vida profissional se estabilizar para engravidar e não conseguiram, porque o tempo, além de tudo, é nosso inimigo. Ouvi opiniões de que a melhor época para engravidar é durante o doutorado, já que a pressão não é tão grande como num pós-doc e você tem mais tempo pra fazer as coisas. Enfim, o assunto ficou permeando minha mente por um tempo...



Mas sabem aquele momento que a gente sente que está faltando alguma coisa na nossa vida? Sempre ouvi dizer que o casal sentia a hora de ter um filho e nunca acreditei. Mas esse momento realmente chegou! Foi quando decidimos tentar engravidar no segundo semestre de 2013. Corri com os experimentos de campo e de laboratório, porque queria terminar toda a parte prática e deixar somente a escrita para depois do nascimento do bebê. E após apenas um mês de tentativas, lá estava eu com meu exame de sangue positivo! Fui pra campo até o 7º mês de gravidez e, obviamente, não consegui terminar tudo o que eu queria... Faltaram alguns experimentos de laboratório. 




O Murilo nasceu super saudável e virou nossa vida de ponta cabeça! Tudo muda, em especial nossas prioridades. E claro que ele passou a ser a coisa mais importante da minha vida. Mesmo assim, a vontade de voltar à vida acadêmica já batia na porta no final da licença maternidade. E voltamos com tudo. Ele entrou no berçário da Unicamp com 6 meses e dei seguimento ao doutorado... Consegui terminar meus experimentos e deu tudo certo. Hoje já sou doutora! Mas não foi fácil... Tenho pra mim que se eu tivesse conseguido terminar toda a prática antes do Murilo nascer, teria sido muito mais fácil. A vida fica mais complicada, embora muito mais gostosa, quando estamos com o filho no colo. Tarefas que demandam muito tempo (como meus experimentos, por exemplo) acabam demorando muito mais que o previsto. E quando estamos em casa, aproveitamos os horários da soneca do bebê para escrever os artigos e relatórios, mas claro que depois de fazer comida, lavar louça, passar roupa... 


Eu acredito sim que o final do doutorado é um bom momento para se ter um filho. Mas pela minha experiência, não aconselho deixar atividades práticas pendentes. Hoje o Murilo tem 1 ano e 9 meses e uma doutora mamãe, como ele mesmo diz, que tem muito trabalho pela frente! 




Sobre Marília: 

Bióloga e Doutora em Ecologia pela Unicamp, que praticamente nasceu num costão rochoso, já que trabalha neste ambiente desde o segundo ano de graduação! Seus interesses são pela atuação de processos físicos nas populações de invertebrados marinhos do entre-marés. Tem conhecimento sobre caranguejos, cracas, litorinídeos, mexilhões e anfípodes. E, claro, além de tudo, é casada e mãe de um filho lindo com quase 2 anos! Você pode acessar o curículo dela aqui.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Pós-graduação e gravidez: Parte I

Por Andréa Green Koetker

Duas coisas que parecem não combinar muito, ou nada na verdade, doutorado e gravidez. Engana-se redondamente quem pensa assim…

Defendi meu doutorado com uma barrigona de 34 semanas e foi simplesmente maravilhoso!!! Não porque a banca pegou leve na arguição, até mesmo porque de leve não teve nada! Foram cinco horas de ‘sabatina’ e discussões, por vezes até acaloradas. Mas sim, porque a gravidez me trouxe a serenidade necessária para concluir o doutorado com êxito, mas sem arrancar os cabelos e com as unhas intactas. Mas deixa eu voltar um pouquinho...



Fazia um tempo que eu e meu marido queríamos ter um filho. Já estávamos casados há alguns anos, mas sempre adiávamos por causa do trabalho e pós-graduação. Estava no último ano do doutorado na USP, em Oceanografia Biológica, quando decidimos não esperar mais. Adiantei toda a parte de laboratório, pra ficar o mais longe o possível de formol e outros produtos químicos e, com os dados em mãos, começamos as tentativas, achando que demoraria pelo menos uns seis meses. Que nada... um mês depois, em setembro de 2012, estava gravidíssima e o primeiro sintoma já veio com tudo, sono, MUITO sono. Mas era um sono assim INCONTROLÁVEL, que vinha a qualquer hora do dia e eu era OBRIGADA a desmaiar na cama. Aí me desesperei... pensei em trancar o doutorado para terminá-lo depois que o Bernardo (até então sem nome e sem sexo) nascesse. Pedi conselho para vários professores e todos me disseram: ‘termina antes, depois é muito mais complicado’. Ainda bem que dei ouvido a esses sábios cientistas.

Depois dos três primeiros meses tudo mudou, o sono passou e conseguia trabalhar horas a fio em casa, no meu computador, trocando mensagens com meu orientador por e-mail e Skype, visto que já não morávamos mais em São Paulo, tínhamos voltado pra nossa terra, Florianópolis. Em fevereiro de 2013 a tese estava pronta, fui para São Paulo para imprimí-la e depositar as cópias e enquanto meus amigos comemoravam com muita cerveja eu brindava com meu singelo e adocicado suco de fruta.

Depois disso fiquei um mês e meio curtindo muito a gravidez, indo pra praia, preparando o quarto do Bernardo, todo o enxoval, fazendo yoga, caminhadas e, quando faltavam duas semanas para a defesa comecei a preparar a apresentação. Terminei no quarto do hotel em SP, na caixinha, como eu e meu marido chamávamos o Ibis Budget. Cinco minutos antes da defesa estava tomando café na cantina do IO (Instituto Oceanográfico). Detalhe: quanto mais no final da gravidez, mais desligada você fica... Até que alguém me falou: vamos lá Déa, tá na hora. Eu costumo ficar nervosérrima ao apresentar trabalhos, mas logo nesse, minha tão temida defesa de DOUTORADO, foi tudo muito tranquilo. O Bernardo ficou lá quietinho, feito um anjo, que ainda é, e eu consegui focar muito bem no que estava acontecendo. Depois de quase uma hora de apresentação, quatro de arguição, três pausas para banheiro e uma para lanche da esfomeada grávida eu me tornei doutora em Ciências. A famosa comemoração pós-defesa, com muitos comes e mais ainda bebes foi, na verdade, um chá de bebê que minhas amigas prepararam carinhosamente.

Voltei para Floripa com o dever cumprido. Um mês e meio depois o Bernardo nasceu, de parto normal, em casa, à luz de velas, com sonzinho rolando, dentro de uma piscina plástica com meu marido ao nosso lado e minha irmã como enfermeira obstetra chefe da equipe de parto domiciliar (Hanami www.equipehanami.com.br). Já nas primeiras semanas tive a constatação de que teria sido loucura ou, no mínimo, muito mais complicado, deixar para terminar o doutorado com o Bernardo demandando todo o meu tempo. Era um ciclo contínuo de aproximadamente duas horas que incluía dar de mamar, colocar para arrotar, trocar a fralda, interagir e dormir; dar de mamar, colocar para arrotar, trocar a fralda, interagir e dormir e assim sucessivamente.



Mas a veia científica e as horas que passei com meu grande amigo computador não me deixavam abandoná-lo assim, tão subitamente. Me dediquei a uma última apresentação no power point, contendo 25 slides e 70 fotos, tudo bem formatado e explicado, na qual relatei aos meus grandes amigos de São Paulo tudo o que vivenciei durante a gravidez, trabalho de parto e duas primeiras semanas de existência do Bernardo. Merecia um prêmio de melhor apresentação rsrs.

Meu conselho às futuras mães cientistas: não adiem a gravidez, se o corpo e a mente pedem é porque está na hora e, se está na hora, a gente dá um jeito.

Sobre Andréa: 
Fez graduação em Ciências Biológicas pela UFSC, mestrado e doutorado em Oceanografia Biológica pela USP, sempre trabalhando com ecologia de larvas de crustáceos decápodes. Se você quer saber mais sobre sua vida profissional acesse seu currículo lattes.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

XII CAEB: Congresso Aberto aos Estudantes de Biologia (CAEB)

Por Izadora Mattiello


Para todos os estudantes da área de Biológicas, recomendamos este evento que ocorrerá semana que vem (20 a 24 de julho) na Unicamp, Campinas – SP.
O CAEB é um congresso organizado por estudantes para estudantes! Em sua programação possui palestras, minicursos e mesas redondas de diversos assuntos relacionados à atuação na carreira. Durante as noites haverá uma programação cultural, onde vocês poderão ver a divulgação do nosso Blog Bate Papo com Netuno!
Este ano, contará com a presença do Nobel Profa. Dra. Ada Yonath (Weizmann Institute) que dará uma palestra sobre “Cristalografia de proteínas e estrutura do ribossomo”. Terá um minicurso sobre “Ecologia e comportamento animal marinho” e a palestra “Projeto Mantas do Brasil: estudo e conservação da maior espécie de raia do mundo”.
Infelizmente já acabaram as inscrições, mas para quem está em Campinas e região, pode se informar com a Comissão Organizadora das atividades que são de livre acesso! E, claro, fiquem de olho na próxima edição!
Mais informações: www.caeb.com.br 

terça-feira, 14 de julho de 2015

Uma história sobre esponjas

Por Lilian Pavani

Apaixonar-se é meio assim, inesperado, inexplicável, incompreensível. De repente, pronto: é amor! Mais curioso é quando isso ocorre em relação a algo tão diferente de você, como uma esponja – e não estou falando do nosso amigo Bob, aquele da calça quadrada. Pois bem, aconteceu comigo.

Quando decidi estudar biologia, gostava de biologia marinha, biologia celular e queria fazer pesquisa. A biologia celular foi deixada de lado ainda no primeiro semestre da faculdade. Mas a biologia marinha continuava lá, esperando uma oportunidade para ser testada. Mas o que era a biologia marinha para mim até então? Praia e recifes de coral cheios de peixinhos, como eu tinha visto em Porto de Galinhas. O que eu ia estudar eu realmente não fazia a menor ideia.

Quando comecei a estudar zoologia dos invertebrados, além do susto de descobrir que havia mais de trinta filos de animais, e não apenas os nove que eu havia estudado na escola, eu olhei pela primeira vez para as esponjas com outros olhos. 

Pode algum organismo ser mais aleatório do que uma esponja? As esponjas não tem tecidos verdadeiros (não possuem lâmina basal), portanto, não podemos falar em folhetos embrionários, celoma ou órgãos. São praticamente um aglomerado de células com funções diferentes e especializadas, que conseguem se organizar e constituir um organismo único, assimétrico, que come, cresce e se reproduz. E fazem tudo isso sem sair do lugar, pois são sésseis, e ainda enfeitam o ambiente com suas lindas cores!! Pronto, gamei!


Figura 1. Esponja Tedania ignis, meu objeto de estudo (Foto Renata Goodridge).

Naquela disciplina, a cada aula um aluno poderia escolher um filo para fazer uma pequena apresentação de curiosidades. Claro que me voluntariei para falar das esponjas. E descobri mais: uma vez que são filtradoras, as esponjas são bioindicadoras da qualidade ambiental e, por serem sésseis, produzem metabólitos secundários usados para competir por espaço com outros organismos. E esses metabólitos possuem  interesse farmacêutico!

Mais ou menos na mesma época li no jornal da faculdade que um rapaz da economia havia desenvolvido um estudo sobre os efeitos econômicos da queda do turismo e pesca na região de Ilhabela e São Sebastião, decorrentes de um vazamento de óleo que havia ocorrido algum tempo antes. Ahá! A luzes se acenderam: eu poderia estudar esponjas para descobrir mais sobre poluição nas praias!


Figura 2. Tedania ignis incrustada em uma rocha (Foto Eduardo Hajdu).

Na minha universidade não tinha ninguém especializado em esponjas, mas  as esponjas vivem em costão rochoso e praticamente todo mundo trabalhava com isso. Apesar de todos estarem envolvidos com a finalização do Projeto Biota, a minha orientadora me deu um voto de confiança e permitiu que eu fosse escrevendo um projeto enquanto fazia um estágio no laboratório. Mas eu teria que incluir anfípodes (pequenos crustáceos que me renderiam  um mestrado mais tarde) e deixar um pouco de lado a poluição.

No começo aquilo me chateou, mas somente até eu perceber o mundo que poderia caber dentro de uma esponja, ou mesmo sobre ela. Elas funcionam como substrato secundário para a vida marinha, ou seja, ampliam a área de ocupação dos costões rochosos permitindo que muito mais organismos morem ali, pois oferecem uma série de microhabitats especialmente para organismos juvenis, contribuindo assim para a biodiversidade local.

Para o meu estudo escolhi a esponja Tedania ignis, popularmente chamada de esponja de fogo, uma vez que pode provocar dermatites parecidas com queimaduras em contato com a pele. Essa esponja vive em locais de fácil acesso e pude coletá-la sem o auxílio de equipamento de mergulho, sempre em maré de sizígia (maré de grande amplitude que ocorre durante a lua cheia e a lua nova). Nesse período de maré bem baixa essas esponjas são facilmente avistadas no costão rochoso.

No laboratório, a cada triagem eu fui descobrindo vários organismos marinhos que nunca tinha visto, como pequenos hidrozoários e picnogonidas (aranhas-do-mar), ou então encontrava “miniaturas” de outros mais conhecidos, como bivalves. E que surpresa era abrir uma câmara e descobrir lá dentro um “ninho” de nematodas! Foi uma atividade realmente muito prazerosa.

Meu estudo durou um ano, com amostragens mensais. Assim pude analisar a variação temporal da fauna acompanhante, buscando alguma relação com fatores ambientais, como a quantidade de matéria orgânica do local de coleta, e também com a própria esponja, utilizando seu peso seco como parâmetro.


Figura 3. Exemplo de moluscos bivalves encontrados tanto dentro como sobre a esponja Tedania ignis: a. Modiolos carvalhoi; b. Sphenia antillensis; c. Isognomon bicolor; d. Lithophaga bisculata (foto sem escala).

O que descobri é que nessa esponja a maioria  dos organismos vive sobre sua superfície. Esses organismos que habitam o lado externo foram mais afetados pela quantidade de matéria orgânica presente no ambiente e pela variação do tempo do que aqueles do interior da esponja, indicando que para a fauna epibionte os fatores ambientais, principalmente recursos alimentares (matéria orgânica em suspensão), são mais importantes. 

O curioso desse estudo foi que pensei que quanto maior a esponja (maior peso seco), maior seria a quantidade de organismos em seu interior. Mas o resultado foi exatamente o contrário! Embora eu não tenha estudado o tamanho das câmaras dessa esponja, descobri em outros trabalhos que a fauna que vive dentro das esponjas é influenciada pelo tamanho e formato de suas câmaras mais que pelo tamanho total da esponja, e que parece haver uma preferência por câmaras pequenas. Provavelmente, quando a esponja estudada cresce, suas câmaras crescem também, o que torna seu interior menos interessante para os animais endobiontes, pois canais grandes podem oferecer menor diversidade de nichos do que canais pequenos.


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Figura 4. Corte longitudinal da esponja T. ignis, com detalhe para os canais. Em cinza, o sedimento marinho, principal fonte de alimento filtrado pelas esponjas. (Foto Mariana Fernandes e Izadora Mattiello).

E assim as esponjas me ensinaram a escrever um projeto de iniciação científica e permitiram o meu primeiro contato com as ciências do mar. Tenho por elas admiração, gratidão e amor eternos <3 ! 


Sobre Lilian Pavani:
Bióloga, mestre em ecologia e especialista em engenharia ambiental pela Universidade Estadual de Campinas, amante de esponjas e outros invertebrados marinhos, principalmente os coloridos. Após navegar entre esponjas, algas, anfípodes e petróleo, as correntes e ventos a levaram literalmente a outras estradas, onde atuou no estudo de fauna atropelada, supervisão e gerenciamento ambiental de obras de rodovias. Nutre interesses muito diversos como educação, inovação e cozinha, toca flauta doce em um grupo amador de música antiga, escreve pensamentos e observa pássaros. Enfim, vive com os pés na areia e meio que assim, entre marés.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Um “mar” de algas

Por Cássia Goçalo e José Eduardo Martinelli Filho

Você já deve ter ido a uma praia e se decepcionado quando viu muitas algas marrons boiando na água do mar. Além do mal cheiro, uma grande dificuldade ao nadar... Pois é, essas algas são geralmente inofensivas aos seres humanos e podem ser fontes de substâncias anticoagulantes, antioxidantes, antipiréticos e analgésicos, além de funcionarem como biofiltros da poluição marinha causada pelos seres humanos.

Está ocorrendo um aumento na frequência e na intensidade das algas encalhadas nas praias ao redor do mundo. O fenômeno chamado de “marés de algas” seria explicado pela eutrofização costeira (aumento de nutrientes no ambiente marinho, relacionado a poluição). As “marés de algas” podem prejudicar as economias locais baseadas no turismo, aquicultura e a pesca artesanal tradicional, impedindo pequenos barcos de navegarem e entupindo tanques de cultivo.

Há algumas semanas houve uma invasão de Sargassum (um tipo de algas marrons ou pardas) no litoral do estado do Pará. As algas também foram registradas em grandes quantidades em Fernando de Noronha e no estado do Maranhão. Como relatado pelo Prof. Martinelli da Universidade Federal do Pará “Elas são transportadas pelo oceano através das correntes marinhas por quilômetros de distância. A floração de algas que ocorreu no Brasil, possivelmente é provinda do mar do Sargaço e do Caribe. Essas algas podem ser utilizadas como fertilizante, sendo colhidas antes de atingir a costa, processadas e distribuídas aos agricultores tradicionais”. Confira a reportagem completa http://g1.globo.com/pa/para/bom-dia-para/videos/t/edicoes/v/algas-marinhas-mudam-a-paisagem-da-praia-do-atalaia-em-salinas/4110776/.




Algas pardas do gênero Sargassum encalhadas na praia do Atalaia, em Salinópolis, Estado do Pará, durante o mês de maio de 2015.






As algas do gênero Sargassum são encontradas em bancos de algas nos mares tropicais e subtropicais e conseguem flutuar pois possuem “bolsas” de ar. Servem como habitat de muitos organismos marinhos e espécies de peixes como o “porquinho”, até mesmo golfinhos e tartarugas foram observados entre as algas. No post Algas flutuantes: o meio de transporte dos invertebrados marinhos vimos como os animais são transportados por macroalgas flutuantes do gênero Macrocystis, da mesma forma que ocorre com o Sargassum.


Sargassum, com as bolsas de ar que auxiliam a flutuação no mar.


O encalhe de algas no litoral do Pará é um fenômeno recente, só chamou a atenção quando em 2013, grandes quantidades foram relatadas uma vez no município de Salinópolis. Já em 2014, pilhas de algas se acumularam durante dois períodos no mês de maio. Em 2015, até o momento, já foram três eventos. Para ilustrar o tamanho do problema, para uma única praia (Atalaia, município de Salinópolis) o professor estimou cerca de 174 e 234 toneladas de alga para os dois encalhes ocorridos em 2014. 

Tais eventos duram entre 2 a 5 dias, período em que as praias ficam lotadas de algas. O turismo é afetado uma vez que, expostas ao sol, as plantas entram em rápida decomposição, liberando um cheiro desagradável para a maioria dos banhistas. Já as crianças que moram no local se divertem com a pilha de algas, enquanto pescadores reclamam da grande quantidade do material em suas redes de arrasto. Algas pardas do gênero Sargassum encalhadas na praia do Atalaia, em Salinópolis durante o mês de maio de 2015. 

Descrevendo assim, as algas até parecem nocivas para o ambiente e para as atividades humanas, mas tais organismos podem ser benéficos, inclusive para a economia local se forem utilizadas as estratégias necessárias. Outras espécies de Sargassum são utilizadas em países como o Japão e a China na alimentação e também como fertilizantes, além de matéria-prima para a extração de gelatina e até mesmo de álcool. Para a região afetada na costa paraense, o mais viável, num primeiro momento, seria a coleta das algas e distribuição para os agricultores locais, para a produção de adubo. 

Vale lembrar que o complexo de espécies Sargassum natans/fluitans são algas que podem fechar seu ciclo de vida na coluna de água, ou seja, independente do fundo marinho. As algas encontradas nas praias da região Norte do Brasil e em Fernando de Noronha pertencem justamente a tais espécies. As mesmas também são responsáveis pela formação do mar de Sargassum no Caribe. O professor Martinelli apresenta duas explicações sobre a origem das algas: a primeira é de que essas algas se desprendam do mar de Sargaço e sejam transportadas até a costa norte do Brasil. A segunda é de que uma população dessas algas já esteja se desenvolvendo recentemente na costa da região norte do Brasil. 

Amostras de algas foram enviadas para as professoras Maria Teresa Széchy e Beatriz de Barros Barreto, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, para sequenciamento do DNA e assim dar subsídios para as explicações levantadas.  

Estudos sobre as marés de algas são considerados essenciais para se obter reais perspectivas ambientais e econômicas futuras para o Brasil, em termos de viabilidade e aproveitamento deste recurso natural ao invés de apenas considerá-las como "ervas daninhas". 


Artigos e sites recomendados: 

Montes, R. C. Estudo Ficoquímico da alga marinha Sargassum vulgare var. nanum E. de Paula (Sargassacea) do litoral paraibano. Universidade Federal da Paraíba. Dissertação de Mestrado, João Pessoa, 2012. 115 p. 

Smetacek, V.; Zingone, A. 2013. Seaweed tides on the rise. Nature. Vol 504 p. 84-88.  

Sobre o convidado:

O professor José Eduardo Martinelli Filho (também conhecido como Zé Du) foi aluno de mestrado e doutorado do Instituto Oceanográfico da USP e colega das editoras deste blog. Foi professor substituto na UNESP São Vicente em 2008, professor assistente na UFPA campus de Altamira entre 2009 a 2012 e professor adjunto da Faculdade de Oceanografia da UFPA em Belém, desde 2012. Formado em Biologia, atua principalmente nos temas Oceanografia Biológica, Ecologia Marinha e Zoologia de Invertebrados.