quinta-feira, 16 de junho de 2016

Atuar em oceanografia implica obrigatoriamente em ter uma carreira acadêmica?

Por Adriana Lippi

Desde que ingressei na graduação de oceanografia sempre ouvi questionamentos relacionados ao "o que você vai fazer": O que o oceanógrafo faz? Trabalha com pesquisa, né? Vai trabalhar no TAMAR, certo? entre outros. Eu também não tinha muita certeza de como iria ser depois de formada, mas considerava a carreira na ciência.

Ao começar o meu curso também me engajei em diferentes atividades durante a graduação: participei de entidades estudantis, empresa júnior, me lancei a editar um informativo impresso para os alunos, resolvi que queria fazer um site primeiro para a atlética e depois para o  centro acadêmico, organizei alguns eventos… e tentei me formar nesse meio tempo.

Quando me deparei com a parte "científica-acadêmica": iniciação científica e trabalho de graduação, senti uma imensa dificuldade. Óbvio que bateu a maior crise existencial: "Poxa, mas eu fiz tanta coisa nesses anos e não consigo escrever essa monografia! Não consigo ter uma bolsa de iniciação? Posso montar um site inteiro, mas não consigo entender o que estou fazendo nessa pesquisa...". Entreguei a monografia mesmo assim, fazendo como foi possível, levei várias puxadas de orelha de relator e orientador. Acabei optando por não ingressar num mestrado logo após a graduação, ao contrário da maioria dos meus colegas que seguiram na área, consegui uma bolsa de desenvolvimento tecnológico em um projeto no INPE e lá fiquei por 6 meses.


Ilustração: Joana Ho.

Nesse período tive oportunidade de (re-)ingressar na vida acadêmica, possibilidades de mestrado, tempo para estudar, poucas responsabilidades. Até tentava, mas não me animei. Ler artigos científicos e bolar um projeto com hipótese, metodologia e selecionar e citar referências me deixava ansiosa só de pensar. Demorei até aceitar que era possível que a ciência não encaixasse com as minhas habilidades e ambições, pelo menos nessa altura da minha vida.

No final do último ano de graduação e nesse período no interior consegui fazer uma graninha fazendo sites, habilidade que consegui desenvolver durante a graduação, depois de fazer a disciplina de introdução à lógica de programação. Na disciplina descobri que programar era algo que gostava muito e isso me levou a programar sites. Fazia isso por gosto, às vezes para tapar algum buraco, quando precisava de um site para um evento. Demorei muito até ver que poderia usar essa habilidade para pagar umas contas. Tive um grande amigo, que até hoje é meu parceiro no trabalho e na vida, que insistiu muito comigo até que pudesse enxergar que poderia fazer isso como profissional.

Tinha um lado de mim que me incomodou por muito tempo: “Estou fazendo oceanografia, não quero desperdiçar a graduação fazendo sites, que todo mundo pode fazer. Quero ser oceanógrafa!”. Porém, volta e meia aparecia alguém precisando dos “meus serviços”: fazer um site ali, organizar um evento aqui, ajudar com uma diagramação acolá… Na grande maioria todos essas pessoas eram do meio científico: professores universitários, pesquisadores, entre outros.

Demorou mais um tanto para que pudesse ver que fazendo isso não estava desviando da minha área de oceanografia. Foi um professor que me mostrou: “Atividades-meio importam”, ou seja, posso não estar fazendo a atividade-fim: pesquisa, publicações, livros, porém minha atuação (atividades-meio) ajudava que essas atividades-fim fossem desenvolvidas de uma forma melhor. Aí perdi a vergonha do meu trabalho!

A partir dessa conclusão, consegui me ver de uma forma mais definida como profissional, investir mais na minha capacitação, divulgar um pouco melhor o que fazia, etc. Desde então consegui uma colocação dentro de uma empresa onde aprendi muito, e recentemente optei por mudar meus caminhos indo para o terceiro setor.

Sobre Adriana:
Oceanógrafa, programadora web, viciada em ler, aprender e questionar, com mania de controle de tarefas, equipes e finanças de projetos, diretora do Instituto Costa Brasilis. Me apaixonei pelas diatomáceas ainda no colégio, achava que passaria o resto da minha vida trabalhando com esses minúsculos e quase invisíveis seres, mas não podia ignorar as coisas visíveis do meu dia-a-dia que achava importante realizar. Participei da A.A.A Oceanográfica, do Centro Acadêmico Panthalassa, encabecei O Escafandro (periódico feito pelos alunos da graduação do IOUSP), participei da organização de eventos científicos (SNO2010, SBO2011, Oceanos & Sociedade 2013, ISBS2015), fui gerente de Tecnologia de Informação e Comunicação na SALT e agora to tentando descobrir como viver no mundo das ONG’s, mas com saudades das minhas diatomáceas!

8 comentários:

  1. Adorei teu depoimento Adriana, acho que muitas pessoas já se sentiram ou se sentem um peixinho fora d´água de vez enquando... se achar é realemnte difícil, e o mais importante é lembrar que nada esta engessado... Tenho amigos que termiram o doutorado/mestrado e foram para o mercado de trabalho. Gosto muito desse post: http://batepapocomnetuno.blogspot.com.br/2015/09/10-habilidades-profissionais-que-voce.html que mostra bem isso, como mesmo na pesquisa desenvolvemos habilidades que podem ser usada para outros fins. Sucesso pra você no caminho em que seguir ;)

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  2. Sucesso sempre, Dri! Você é super competente, merece esse encontro consigo mesma :) Dúvidas e indecisão teremos sempre, a diferença vai estar em como as enfrentamos. Bjão

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  3. Muito legal o depoimento! Me identifico bastante com vc! Trabalhei com microalgas na faculdade e agora estou fazendo análises dr sistemas.

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  4. Nossa dri, me identifiquei demais com o seu depoimento. Parabéns!

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  5. Adriana com este depoimento abre mentes e caminhos. Mostra que o melhor de cada um está dentro da gana e vontade de cada um buscar o que é melhor para si; independente do que o sistema deseja ou não a vocês. Há postos tradicionais a serem ocupados, há criatividade e empreendedorismo para gerar novas frentes. Para o IOUSP, o caminho pavimentado pela Adriana trouxe benefícios incríveis inimagináveis. Em nome do corpo docente, segue duas palavras singelas mas que exprimem um oceano de gratidão: muito obrigado! MCOS

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  6. Obrigada pessoal! Espero que o texto ajude ao pessoal a ter uma visão mais flexível da graduação em oceanografia, ver que ela não é determinante e que cada um pode tentar se adaptar ao curso.

    Um grande obrigada à Equipe do Bate Papo com Netuno que trabalha muito pra que o blog sempre traga olhares muito interessantes! Agradeço pela oportunidade oferecida de poder escrever aqui!

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  7. Adriana, sempre acreditei no seu potencial mesmo quando você queria convencer todo mundo do contrário... beijos e muito sucesso sempre!!!!!

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  8. Adriana, seu texto está demais! Curtinho, gostoso de ler e faz com que todo mundo se sinta um pouco no seu lugar. Quem nunca duvidou dos caminhos traçados durante a carreira e pensou em mudar? Essa reflexão é super importante e com certeza vai ajudar muita gente em conflito nesse oceano de possibilidades que é a vida universitária. Mais uma vez, obrigada.

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