sexta-feira, 14 de julho de 2017

13 anos de faculdade

Por Ana Lidia Salmazo 

Ilustração: Lídia Paes Leme 
   Era agosto de 2004, eu tinha 19 anos e após uma doença grave e repentina, perdi meu pai, meu chão, minha estabilidade e principalmente minha concentração nos estudos. Na época, eu fazia cursinho, pensava em cursar medicina, era boa aluna e disciplinada. E então, foram uns quatro meses de tristeza, apatia e total desinteresse até que chegou a hora do vestibular...


   Fui na banca de jornal (é pessoal, a internet fez maravilhas pelos sedentários!!) e comprei meu manual/ficha de inscrição da famosa e temida FUVEST, o vestibular mais concorrido do país...amarelei e não tive coragem de prestar medicina.



   Nesta época, uma das revistas que vinham no “pacote FUVEST” era uma lista, com uma pequena descrição de todos os cursos oferecidos pela USP, em ordem alfabética. Ao consultar a possibilidade de prestar Odontologia, me deparei, pela primeira vez na vida com a descrição de “OCEANOGRAFIA”. Logo eu, pseudo-futura surfista, que amava a praia, o mar, a maresia e já tinha assistido “Procurando Nemo” umas mil vezes... Fiz uma pesquisa rápida, assisti uma reportagem que dizia que “oceanografia é a profissão do futuro” e me decidi. Prestei. Passei. Fui. 

   Eu não tinha a menor ideia em que eu estava me metendo! Minha vida mudou completamente, foram sete anos da experiência mais profunda que já passei e claro houveram muitas coisas boas e muitas coisas ruins.


   Dentre as coisas boas, minha vida social e minha independência deram um salto quase quântico! Fui morar “sozinha” com um monte de gente maravilhosa, fiz amigos e principalmente amigas incríveis, tive contato com pessoas cultas, malucas, intelectuais, diferentes, acadêmicos famosos e esquisitos de todos os tipos. Foram muitas quintas na ECA (Escola de Comunicação e Artes) e tardes no CEPE (Centro de Práticas Esportivas), vários perrengues de grana e da minha nova vida adulta, mas só posso dizer que, neste sentido (e em muitos outros) a USP foi uma grande Universidade para mim e me “formou” de várias maneiras, mesmo que eu nunca tenha um diploma que mostre isso.


   Me lembro também de alguns professores que, mesmo em meio ao meu desinteresse acadêmico, conseguiram me tocar e me ensinar algumas coisas, e depois vieram a ser muito importantes na minha vida. E, claro, as viagens de campo!!! Só quem já fez uma viagem assim, no início da faculdade, com a turma toda da sala, sabe o quanto é divertido. Me lembro tanto das práticas, que tornam qualquer curso mais tolerável, quanto das noites de “confraternização” com os colegas com a mesma nostalgia e saudades... (Ah! A juventude!)

   Agora, a parte complicada: eu cursava Oceanografia, na USP, que é um curso de exatas, oferecido em São Paulo, capital. E, apesar de ter algumas disciplinas de geologia, química e biologia, o curso tem muitas matérias pesadas de exatas. Tem cálculos (vááááriosss), tem mecânica dos fluidos (disfarçada com outro nome e um professor que, digamos, leva jeito em reprovação em massa), tem programação (que eu inventei de fazer com uma turma da FÍSICA, à noite!!! Pensa num arrependimento!), geofísica, ondas e marés... É muita matemática ! Além disso, a maioria dessas disciplinas eram pré-requisito para alguma outra (ou outras) e quando você pegava uma dependência já estava um ano a mais na faculdade no mínimo, sem choro nem vela!


   Então, comecei a entrar numa bola de neve. Após seis anos na universidade, faltavam poucas matérias, em sua maioria de exatas, para terminar, mas eu iria levar mais três anos para cursá-las, caso não reprovasse de novo em nada. Eu não gostava do curso, não tinha tesão de estudar, muito menos aquele monte de equações bizarras, e naquele ponto não me via como oceanógrafa ou tinha alguma ideia do que ou onde gostaria de trabalhar, caso me formasse algum dia. Além disso, precisava trabalhar, de 6 a 8 horas, 6 dias na semana de garçonete, no restaurante mais lotado da cidade. Estava sempre cansada, insatisfeita, atrasada e deprimida. Então, tomei a melhor e mais difícil decisão da minha vida. Larguei tudo.

   Tranquei a faculdade, pedi demissão, entreguei meu apartamento em São Paulo e voltei para Campinas. Demorei um ano, nessa nova reviravolta, para me conhecer e repensar. Nesse momento, um emprego diferente apareceu. Guia de eco-turismo e professora em campo!!! Conheci muitos lugares e pessoas e no final, acabei conhecendo a mim mesma.

   Descobri meu amor pela natureza, por lugares simples, mas ricos de verde, de energias e de cheiros. Descobri que gosto de ensinar, que tenho encantamento pelas crianças e suas sabedorias inatas. E que eu realmente gosto de saber. Gosto de aprender e até de estudar (vejam só! Depois de ter crises de pânico na iminência de uma prova de Cálculo IV, eu redescobri o prazer de sentar e estudar!!) e comecei a estudar possibilidades. 

   Decidi estudar Biologia, principalmente pela beleza desta ciência, que investiga os mais complexos processos que envolvem o surgimento, a evolução e a manutenção da vida no planeta. Mas também pela minha facilidade na área, além de já ter bastante bagagem da primeira universidade. É, alguns decidem suas carreiras aos 17, outros, aos 26.... 

   Comecei, então, tudo de novo! Agora na era digital, pós governo Lula, me inscrevi no ENEM, pela internet mesmo! E passei na UFSCar, sem precisar de vestibular!! Gosto muito do curso! Me interessa e me intriga a maioria dos assuntos. Estudo, quase tudo, por prazer, sou uma boa aluna novamente e tive a chance de estudar um ano na Suécia, pelo programa federal Ciências sem Fronteiras! 

   Como a vida é uma caixinha de surpresas, dentre todas as áreas e possibilidades da biologia, hoje estou no último ano, fazendo meu Trabalho de Conclusão de Curso com microbiologia marinha, no laboratório de plâncton! Acrescentando nessa nova descoberta de carreira aquele velho amor pelo mar que me fez embarcar em toda essa viagem. 




Ana Lídia Salmazo, quase oceanógrafa, quase bióloga...

Um comentário:

  1. Lídia, achei incrível seu texto. Que história! Além de trazer uma reflexão importante sobre nosso sistema se ensino, sobre o engessamento das universidades tradicionais. Se a USP fosse mais maleável você poderia ter mudado de curso enquanto cursava oceano e não precisaria ter abandonado a Universidade. Muitos não conseguem voltar depois que abandonam, parabéns pela perseverança!

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