Não há dúvidas quanto à importância
dos predadores do topo da cadeia alimentar para o nosso planeta, e muito menos
de quão valioso é cada elo que compõe uma determinada cadeia para o equilíbrio
de diversos ecossistemas. Os predadores de topo de cadeia, quando representados
por uma modelagem (através de uma representação simplista, como um desenho) em
formato de gráfico de pirâmide trófica, estão posicionados no topo, ocupando
menor área da representação por serem consumidores finais, afinal, já não há
tanta energia disponível em relação aos outros níveis tróficos, os quais
compõem os degraus da pirâmide. Lembrem-se que a energia conquistada com o
alimento serve para muitas coisas, além de perdemos grande parte dessa energia
simplesmente como calor.
Estes animais são menos numerosos,
quando comparados à população de suas presas, mas não menos importantes. A
vulnerabilidade de populações de predadores naturalmente pequenas tem levado
muitos pesquisadores a investigarem os mais diversos temas da biologia destes
animais com fins de conservação, já que cada organismo do ambiente marinho,
como exemplo, os mamíferos marinhos da ordem dos cetáceos (baleias e
golfinhos), possuem particularidades em relação à sua importância e
contribuições no ecossistema marinho.
Este grupo de mamíferos, além de
consumidores, vetores de nutrientes, são prestadores de serviços
ecossistêmicos. Contribuem com a produtividade biológica, com o enriquecimento
de nutrientes através da defecação, muitas vezes provocando a ressuspensão de
nutrientes ao se movimentarem pela coluna de água, contribuindo com os ciclos
biogeoquímicos e aumentando a intensidade da fotossíntese com a dispersão dos
nutrientes. Quando morrem, efetuam a transferência de carbono da superfície até
águas profundas onde em regiões abissais fornecem as carcaças como habitat e
estrutura de apoio de assembleias bióticas. Além desses aspectos, são
considerados como sentinelas dos ecossistemas aquáticos por acumular todos os
compostos químicos orgânicos e inorgânicos da teia trófica local.
Os cetáceos se destacam também entre os grupos
de organismos que evoluíram dependentes do uso do som em meio aquático. Ou
seja, os golfinhos e baleias emitem sons com diferentes propósitos, por
exemplo, para atrair parceiros para cópula, para expressões de alerta entre
predadores e presas e delimitação de território. Este grupo de mamíferos
usufrui das propriedades físicas do som quando se considera que a energia
acústica, quando emitida em meio aquático, se propaga de forma mais eficiente
do que em ambiente aéreo. Dependendo da taxa de frequência e energia acústica
investida, o som pode atingir longas distâncias, propagando-se em velocidade
4,3 vezes mais rápido do que no meio
aéreo.
Além disso, o som pode ser utilizado
como um processo de percepção ativa, envolvendo a produção e a recepção de
ondas, ou seja, a ecolocalização. Neste caso o som é utilizado como referência
geográfica. Este processo envolve a produção de som, geralmente emitido em um
curto intervalo de tempo e em alta frequência, cujo eco ou reverberação no
ambiente é interpretado e utilizado como auxílio na orientação ou na captura de
uma presa. Resumidamente, o som pode ser utilizado pelos cetáceos com funções
de comunicação e sociabilidade, assim como em um sistema de
georreferenciamento.
Cliques de ecolocalização da baleia cachalote (Physeter macrocephalus).
Entretanto, nem todos os cetáceos
ecolocalizam. Entre os cetáceos viventes há dois grupos principais: os
misticetos (comumente reconhecidos como baleias) e os odontocetos (golfinhos),
os quais podem ser diferenciados, por exemplo, pelos seus aparatos bucais e
utilização destes para captura de alimento. Outra maneira de diferenciar esse
dois grupos é por meio das características do repertório sonoro. Apesar dos
misticetos e dos odontocetos emiterem sons,
apenas os odontocetos são reconhecidos como ecolocalizadores.
Além dos cliques de ecolocalização,
os odontocetos emitem sons para comunicação, por exemplo, os assobios. Os
assobios são emitidos em taxas de frequência sonora entre 500 Hz e 5 kHz, em
curta duração, entre segundos e milisegundos, e podem ser emitidos com
repetições. Por outro lado, os misticetos emitem sons mais prolongados, podendo
durar de minutos a horas e, em geral, utilizam espectro de baixa frequência
sonora (aproximadamente 1 kHz) para se comunicarem. O repertório sonoro de
misticetos pode ser dividido em duas categorias gerais, conhecidos como
melodias/canções e chamados (calls).
Muitas das emissões sonoras emitidas pelos cetáceos não são audíveis ao ouvido
humano, já que a faixa audível para o ser humano em meio aéreo se encaixa entre
20 Hz (sons considerados graves) e 20 kHz (sons considerados de timbre agudo),
dependendo da intensidade emitida pela fonte emissora.
Estudos de acústica de cetáceos são
geralmente realizados com a gravação de sons emitidos com uso de hidrofones:
sensores que funcionam da mesma maneira que um microfone, com diferença que os
hidrofones foram desenvolvidos para serem utilizados imersos em água. Estes
dispositivos captam e convertem as vibrações sonoras em sinais elétricos, os
quais são registrados em gravador ou computador, gerando arquivos digitais que
podem ser analisados com apoio de programas computacionais específicos.
Figura 5 – Hidrofone fundeado a 7 metros de profundidade. A cada mês o hidrofone é substituído por outro igual para que o monitoramento acústico permaneça.
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O
Monitoramento Acústico Passivo (MAP) tem sido utilizado como ferramenta para a
detecção e estimativa de abundância de cetáceos, podendo relacionar sua
ocorrência com sazonalidade, comportamento e uso de área. O equipamento
utilizado para realizar o MAP é composto por um hidrofone acoplado a uma placa
eletrônica e um conjunto de baterias e pode ser programado previamente em
computador para efetuar gravações sonoras contínuas ou em intervalos de tempo.
Através de sua aplicação, é possível monitorar a presença de cetáceos
continuamente, independentemente das condições climáticas e oceanográficas,
tendo apenas como fator limitante o consumo do cartão de memória e das
baterias.
Chamado da baleia jubarte (Megaptera novaeangliae).
Monitorar
o uso de área de cetáceos através da acústica é uma tarefa desafiadora quando
considerado que esta linha de pesquisa encontra-se nos primeiros passos no
Brasil. Como doutorando nesta área interdisciplinar, posso dizer que a
experiência e o aprendizado são constantes e cada etapa é incrivelmente
motivadora, desde o aprendizado sobre a biologia dos cetáceos, o estudo da
história da bioacústica, as propriedades do som, a acústica de cetáceos e seus
repertórios, a escolha do local de estudo, a projeção de fundeios e técnicas
para anexar o hidrofone, as coletas de dados e triagens e por fim a
identificação do som dos cetáceos nas gravações. Não deixo de mencionar a
ansiedade em detectar o os sons dos cetáceos nas gravações obtidas a cada mês.
Em geral, os sons mais frequentes que obtenhosão sons de crustáceos, de bexiga
natatória de peixes e ruídos gerados por embarcações. Como mencionado
anteriormente, “em menor número, mas não menos importante”, no mundo sonoro
subaquático os sons de cetáceos não são tão frequentes, mas quando obtidos e
quando se torna possível a identificação das espécies, todo o esforço é
recompensado.
Referências:
Au, W.W.L.; Hastings,
M.C. 2008. Principles of Marine Bioacoustics. Springer, p. 670.
Castro,
P. & Huber, M.E. Biologia Marinha. Ed. Artmed, 8
edição.
Griffin, D.R.; Novick, A. 1955. Acoustic orientation of neotropical
bats. Journal of Experimental Zoology, v. 130, p. 251-300.
Payne, R.S. & McVay, S. 1971. Songs of humpback whales. Science, v.
173, p. 585-597.
Pershing, A.J.; Christensen, L.B; Record, N.R. 2010. The impact of
whaling on the ocean carbon cycle: why bigger was better. PlosOne, v. 5, n.
8,p. 1-9.
Roman, J.; Estes, J.A.; Morissette, L.; Smith, C.; Costa, D.; McCarthy,
J.; Nation, J.B.; Nicol, S.; Pershing, A.; Smetacek, V. 2014. Whales as marine
ecosystem engineers. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 12, n. 7, p.
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Roman, J.; McCarthy, J.J. 2010. The whale pump: marine mammals enhance
primary productivity in a coastal basin. PlosOne, v. 5, n. 10, p. 1-8.
Urick, R.J. 1983. Principles of underwater sound. 3rd ed.
McGraw-Hill, New York, p. 17-30.
Sobre Diogo Barcellos
Sou biólogo (graduado e licenciado) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2011). Durante a graduação desenvolvi estudo da dieta de três espécies de peixes do estuário de Itanhaem, litoral sul do Estado de São Paulo e fiz um estudo de revisão bibliográfica a respeito das modificações morfológicas de vertebrados durante a transição do meio aquático para o meio terrestre. Em 2014 conclui Mestrado em Ciências pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Durante o mestrado desenvolvi estudo sobre a morfologia dos estatólitos, crescimento e longevidade da lula Doryteuthis plei. Durante a minha transição entre o final do mestrado e início do doutorado, iniciei estudos relacionados com acústica de cetáceos. Sempre carreguei dúvidas e curiosidades a respeito do ambiente marinho e da música. Em Julho de 2015 iniciei o meu doutorado no IO-USP. Desenvolvo um estudo de monitoramento de cetáceos via acústica em duas áreas no Estado de São Paulo: Canal de São Sebastião e na Ilha Anchieta, em Ubatuba.
Aiii que legal!!! Parabéns Diogo! perguntas, o hidrofone descarta? ou troca bateria e memoria e põe de novo? Sugestão para os leitores, por fone de ouvido no audio 4 é de arrepiar! ;)
ResponderExcluirObrigado pelo interesse. Boa pergunta. O hidrofone não se descarta. O hidrofone funciona de mesma maneira que uma máquina fotográfica, só que imersa na água. O hidrofone tira fotografias sonoras em intervalos de tempo, por um determinado período. Com isto, ele consome bateria e preenche o cartão de memória. Completada a sua autonomia, apenas suas baterias são substituídas e os dados de gravação (fotografias sonoras), são retirados do cartão de memória.
Excluirbom exemplo de dinheiro público bem empregado!!! Parabéns diogo, seu trabalho vale cada centavo nosso!!! Obrigado
ResponderExcluirObrigado Clay
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