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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

É possível distinguir diferentes baleias assim como nós sabemos reconhecer as pessoas?

Por Liliane Lodi

Foto-Identificação:  A identidade de cada animal
As baleias-de-bryde são identificadas com base no perfil de suas nadadeiras dorsais, através da presença de cortes e cicatrizes, utilizando uma técnica chamada de foto-identificação. Os cortes e cicatrizes da nadadeira dorsal têm características únicas. Nenhuma baleia é igual a outra. Estas marcas assemelham-se às nossas impressões digitais ou a um código de barras.

A baleia-de-bryde é regularmente avistada na região Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo) em áreas próximas à costa em especial na primavera, verão e outono, pois não é uma espécie migratória como as outras baleias. Perfil característico de uma baleia-de-bryde na superfície.

Nos últimos 40 anos a técnica de foto-identificação tem sido utilizada para estudar inúmeras populações de golfinhos e baleias no mundo inteiro.
Trata-se de uma técnica não invasiva ou hostil, uma vez que o animal não precisa ser fisicamente capturado ou marcado. Basta obter boas fotos de sua nadadeira dorsal.

No Brasil existem registros confirmados desde o Rio Grande do Sul até a Bahia, e também nos estados da Paraíba e do Maranhão. A baleia-de-bryde ocorre tanto em áreas costeiras quanto em regiões oceânicas. A coloração cinza-escuro prateada uniforme no dorso e seu corpo esguio a torna uma das mais belas baleias.

Durante as interações inter e intraespecíficas dos indivíduos, ou ainda como resultado do impacto com certos elementos humanos (tais como redes de pesca e hélices de embarcações) e ambientais (interação com o fundo), a nadadeira dorsal pode sofrer alterações resultando em padrões reconhecíveis de cortes e cicatrizes permanentes ao longo do tempo.

Cortes e cicatrizes quando presentes na nadadeira dorsal nunca são iguais. É como se fosse uma impressão digital, o que permite o reconhecimento de animais diferentes.

A melhor fotografia de cada baleia (selecionada como aquela em que a nadadeira dorsal está mais em foco e perpendicular à câmara, em alta resolução) de uma dada ocasião é considerada como uma avistagem (captura).  À medida que este indivíduo identificado for observado em outras oportunidades trata-se de uma reavistagem (recaptura). Com este procedimento é possível construir um álbum ou um catálogo fotográfico.
Estudos de foto-identificação fornecem informações importantes que ampliam o conhecimento sobre as baleias que servem de base para a elaboração de estratégias de conservação. Além do trabalho desenvolvido por investigadores especializados, a participação pública pode adicionar informações importantes a este tipo de estudo. 

Baleia-de-bryde deslocando-se entre lixo sólido flutuante. As principais ameaças incluem as capturas acidentais em redes de pesca, degradação e perda do hábitat, poluição (doméstica, química e sonora), colisão com embarcações e molestamento intencional.


Como os pesquisadores não podem ter olhos em todos os lugares, foi criado em dezembro de 2017
o Programa de Pesquisa Participativa Brydes do Brasil, uma parceria entre o Projeto Baleias e Golfinhos do Rio de Janeiro e o WWF-Brasil. O programa é aberto não só para pesquisadores, mas também para ambientalistas, amantes da natureza, praticantes de esportes náuticos e quem mais quiser participar. É como se estivéssemos treinando novos olhos de pesquisadores em baleias!



Objetivos do Programa de Pesquisa Participativa Brydes do Brasil
  • Mobilizar e envolver a sociedade na pesquisa científica participativa,
  • Elaborar uma base de dados de baleias-de-bryde foto-identificadas em águas brasileiras, através de um acervo fotográfico concentrado,
  • Identificar, comparar e quantificar novas ocorrências das baleias-de-bryde identificadas em uma mesma área,
  • Determinar os deslocamentos da baleia-de-bryde na costa brasileira e áreas chave para à conservação da espécie,
  • Reunir registros para posterior análise objetivando entender se a(s) população(ções) está(ão) em decréscimo, mantida(s) ou aumentando, e
  • Conscientizar sobre a necessidade da conservação das baleias-de-bryde e do uso sustentável de nosso litoral como seu habitat

Como participar
Você não precisa ser um pesquisador para aprender como fotografar adequadamente uma baleia-de-bryde para propósitos de identificação individual em registros que possam ser de fato aproveitados em prol da conservação desses animais. Assim, se você deseja auxiliar na pesquisa sobre as baleias-de-bryde, torne-se um colaborador da rede!
Os resultados obtidos por esse banco de dados compartilhado pode fazer a diferença na conservação da espécie no Brasil!

Obtenção das fotos
As dicas para a obtenção de fotos de qualidade da nadadeira dorsal, de modo que possam permitir a identificação individual segura das baleias-de-bryde brasileiras, podem ser conferidas no web site.
As fotografias submetidas serão analisadas e as consideradas de boa qualidade serão integradas numa base de dados a partir da qual é construído o catálogo compartilhado. O autor das imagens mantém todos os direitos sobre as mesmas.
Quem tem olhos para ver e anda bem informado e equipado será sempre o fotógrafo mais premiado!
A Portaria do IBAMA n.º 117, de 26 de dezembro de 1996 define normas para evitar o molestamento intencional de cetáceos em águas jurisdicionais brasileiras. Sempre siga o protocolo de observação de baleias e não as perturbe para obtenção de fotografias.
Além dos detalhes e orientações para a identificação dessas gigantes, o web site também conta com espaços interativos para compartilhar fotografias, vídeos, artigos, textos de divulgação científica, notícias na mídia e outras informações relevantes sobre a espécie.

Navegue nesta onda: Conheça - Participe - Colabore - Divulgue!

Para saber mais:

- Programa de Pesquisa Participativa Brydes do Brasil
http://brydesdobrasil.com.br  (Formatos: celular, tablet e computador)

E-mail: contato@brydesdobrasil.com.br

- Facebook: Onde estão as Baleias e os Golfinhos? https://www.facebook.com/groups/baleiasgolfinhos.rj
- Instagram: @baleiasegolfinhosdorj
- Portaria do IBAMA n.º 117, de 26 de dezembro de 1996











Sobre Liliane Lodi:

Doutora em Biologia Marinha trabalha com ecologia de cetáceos, com ênfase em distribuição, uso do habitat, comportamento e conservação. É administradora do grupo do Facebook “Onde estão as Baleias e os Golfinhos?” e do Programa de Pesquisa Participativa Brydes do Brasil direcionados à área de Ciência Cidadã. É coordenadora do projeto de pesquisa Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro (Instituto Mar Adentro, WWF-Brasil e Fundação SOS Mata Atlântica).

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Minicurso Baleias e Golfinhos

Seu sonho é trabalhar com mamíferos marinhos? Este minicurso pode ser uma ótima oportunidade para saber mais sobre esses seres incríveis. Em dezembro, no Instituto Oceanográfico da USP.

Mais informações: https://www.iojunior.com/cursos

quinta-feira, 17 de março de 2016

Os sons do oceano

 Por Diogo Barcellos

Não há dúvidas quanto à importância dos predadores do topo da cadeia alimentar para o nosso planeta, e muito menos de quão valioso é cada elo que compõe uma determinada cadeia para o equilíbrio de diversos ecossistemas. Os predadores de topo de cadeia, quando representados por uma modelagem (através de uma representação simplista, como um desenho) em formato de gráfico de pirâmide trófica, estão posicionados no topo, ocupando menor área da representação por serem consumidores finais, afinal, já não há tanta energia disponível em relação aos outros níveis tróficos, os quais compõem os degraus da pirâmide. Lembrem-se que a energia conquistada com o alimento serve para muitas coisas, além de perdemos grande parte dessa energia simplesmente como calor.

Figura 1 – A: ilustração da Eubalaena australis (baleia franca austral) se alimentando do recurso em suspensão na coluna de água. Efetua a filtragem do alimento através de barbatanas composta por queratina. B: Foto da Inia geoffrensis (boto cor de rosa) aprisionando um peixe através de dentes ósseos.

Estes animais são menos numerosos, quando comparados à população de suas presas, mas não menos importantes. A vulnerabilidade de populações de predadores naturalmente pequenas tem levado muitos pesquisadores a investigarem os mais diversos temas da biologia destes animais com fins de conservação, já que cada organismo do ambiente marinho, como exemplo, os mamíferos marinhos da ordem dos cetáceos (baleias e golfinhos), possuem particularidades em relação à sua importância e contribuições no ecossistema marinho.

Este grupo de mamíferos, além de consumidores, vetores de nutrientes, são prestadores de serviços ecossistêmicos. Contribuem com a produtividade biológica, com o enriquecimento de nutrientes através da defecação, muitas vezes provocando a ressuspensão de nutrientes ao se movimentarem pela coluna de água, contribuindo com os ciclos biogeoquímicos e aumentando a intensidade da fotossíntese com a dispersão dos nutrientes. Quando morrem, efetuam a transferência de carbono da superfície até águas profundas onde em regiões abissais fornecem as carcaças como habitat e estrutura de apoio de assembleias bióticas. Além desses aspectos, são considerados como sentinelas dos ecossistemas aquáticos por acumular todos os compostos químicos orgânicos e inorgânicos da teia trófica local.

Os cetáceos se destacam também entre os grupos de organismos que evoluíram dependentes do uso do som em meio aquático. Ou seja, os golfinhos e baleias emitem sons com diferentes propósitos, por exemplo, para atrair parceiros para cópula, para expressões de alerta entre predadores e presas e delimitação de território. Este grupo de mamíferos usufrui das propriedades físicas do som quando se considera que a energia acústica, quando emitida em meio aquático, se propaga de forma mais eficiente do que em ambiente aéreo. Dependendo da taxa de frequência e energia acústica investida, o som pode atingir longas distâncias, propagando-se em velocidade 4,3 vezes mais rápido do que  no meio aéreo.

Figura 2 – Ilustração do processo de emissão e interpretação dos impulsos sonoros emitidos pelos odontocetos. As linhas vermelhas representam os clicks emitidos e amplificados pelo melão (uma estrutura que fica localizada no crânio de cetáceos, formada por gordura e lipídeos, ótimo amplificador de ondas sonoras). Os cliques da ecolocalização atingem o alvo, podendo ser este um peixe. Os ecos dos cliques refletem (representados pelas linhas pontilhadas) e provocam a vibração da mandíbula do animal. A gordura localizada nesta região transmite a informação para a bula timpânica, para o impulso sonoro ser interpretado no sentido geoespacial do odontoceto. Retirado de Castro & Huber (2012).



Figura 3 – Cliques de ecolocalização representados no 
espectograma. Espectograma é uma representação gráfica
 do som através da transformação do teorema de Fourier,
 com escala de tempo (em segundos) na horizontal em 
relação frequência (kHz), na vertical. No caso dos 
cliques de ecolocalização, os sons são emitidos em
 curto espaço de tempo.
Além disso, o som pode ser utilizado como um processo de percepção ativa, envolvendo a produção e a recepção de ondas, ou seja, a ecolocalização. Neste caso o som é utilizado como referência geográfica. Este processo envolve a produção de som, geralmente emitido em um curto intervalo de tempo e em alta frequência, cujo eco ou reverberação no ambiente é interpretado e utilizado como auxílio na orientação ou na captura de uma presa. Resumidamente, o som pode ser utilizado pelos cetáceos com funções de comunicação e sociabilidade, assim como em um sistema de georreferenciamento.



Cliques de ecolocalização da baleia cachalote (Physeter macrocephalus).


Entretanto, nem todos os cetáceos ecolocalizam. Entre os cetáceos viventes há dois grupos principais: os misticetos (comumente reconhecidos como baleias) e os odontocetos (golfinhos), os quais podem ser diferenciados, por exemplo, pelos seus aparatos bucais e utilização destes para captura de alimento. Outra maneira de diferenciar esse dois grupos é por meio das características do repertório sonoro. Apesar dos misticetos e dos odontocetos emiterem sons,  apenas os odontocetos são reconhecidos como ecolocalizadores.

Figura 4 – Espectograma de assobio de Tursiops truncatus
 (golfinho nariz de garrafa). Os sons emitidos com 
mais intensidade e com padrão em frequência e duração
 em tempo representam o desenho do assobio do 
golfinho nariz de garrafa no espectograma.


Assobios do golfinho nariz de garrafa 
(Tursiops truncatus). 
Além dos cliques de ecolocalização, os odontocetos emitem sons para comunicação, por exemplo, os assobios. Os assobios são emitidos em taxas de frequência sonora entre 500 Hz e 5 kHz, em curta duração, entre segundos e milisegundos, e podem ser emitidos com repetições. Por outro lado, os misticetos emitem sons mais prolongados, podendo durar de minutos a horas e, em geral, utilizam espectro de baixa frequência sonora (aproximadamente 1 kHz) para se comunicarem. O repertório sonoro de misticetos pode ser dividido em duas categorias gerais, conhecidos como melodias/canções e chamados (calls). Muitas das emissões sonoras emitidas pelos cetáceos não são audíveis ao ouvido humano, já que a faixa audível para o ser humano em meio aéreo se encaixa entre 20 Hz (sons considerados graves) e 20 kHz (sons considerados de timbre agudo), dependendo da intensidade emitida pela fonte emissora.


Estudos de acústica de cetáceos são geralmente realizados com a gravação de sons emitidos com uso de hidrofones: sensores que funcionam da mesma maneira que um microfone, com diferença que os hidrofones foram desenvolvidos para serem utilizados imersos em água. Estes dispositivos captam e convertem as vibrações sonoras em sinais elétricos, os quais são registrados em gravador ou computador, gerando arquivos digitais que podem ser analisados com apoio de programas computacionais específicos.

Figura 5 – Hidrofone fundeado a 7 metros de profundidade. A cada mês o hidrofone é substituído por outro igual para que o monitoramento acústico permaneça.

O Monitoramento Acústico Passivo (MAP) tem sido utilizado como ferramenta para a detecção e estimativa de abundância de cetáceos, podendo relacionar sua ocorrência com sazonalidade, comportamento e uso de área. O equipamento utilizado para realizar o MAP é composto por um hidrofone acoplado a uma placa eletrônica e um conjunto de baterias e pode ser programado previamente em computador para efetuar gravações sonoras contínuas ou em intervalos de tempo. Através de sua aplicação, é possível monitorar a presença de cetáceos continuamente, independentemente das condições climáticas e oceanográficas, tendo apenas como fator limitante o consumo do cartão de memória e das baterias.

Canto da baleia Jubarte (Megaptera novaeangliae). 


Chamado da baleia jubarte (Megaptera novaeangliae).

Monitorar o uso de área de cetáceos através da acústica é uma tarefa desafiadora quando considerado que esta linha de pesquisa encontra-se nos primeiros passos no Brasil. Como doutorando nesta área interdisciplinar, posso dizer que a experiência e o aprendizado são constantes e cada etapa é incrivelmente motivadora, desde o aprendizado sobre a biologia dos cetáceos, o estudo da história da bioacústica, as propriedades do som, a acústica de cetáceos e seus repertórios, a escolha do local de estudo, a projeção de fundeios e técnicas para anexar o hidrofone, as coletas de dados e triagens e por fim a identificação do som dos cetáceos nas gravações. Não deixo de mencionar a ansiedade em detectar o os sons dos cetáceos nas gravações obtidas a cada mês. Em geral, os sons mais frequentes que obtenhosão sons de crustáceos, de bexiga natatória de peixes e ruídos gerados por embarcações. Como mencionado anteriormente, “em menor número, mas não menos importante”, no mundo sonoro subaquático os sons de cetáceos não são tão frequentes, mas quando obtidos e quando se torna possível a identificação das espécies, todo o esforço é recompensado.

Referências:
Au, W.W.L.; Hastings, M.C. 2008. Principles of Marine Bioacoustics. Springer, p. 670.
Castro, P. & Huber, M.E. Biologia Marinha. Ed. Artmed, 8 edição.
Griffin, D.R.; Novick, A. 1955. Acoustic orientation of neotropical bats. Journal of Experimental Zoology, v. 130, p. 251-300.
Payne, R.S. & McVay, S. 1971. Songs of humpback whales. Science, v. 173, p. 585-597.
Pershing, A.J.; Christensen, L.B; Record, N.R. 2010. The impact of whaling on the ocean carbon cycle: why bigger was better. PlosOne, v. 5, n. 8,p. 1-9.
Roman, J.; Estes, J.A.; Morissette, L.; Smith, C.; Costa, D.; McCarthy, J.; Nation, J.B.; Nicol, S.; Pershing, A.; Smetacek, V. 2014. Whales as marine ecosystem engineers. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 12, n. 7, p. 377-385.
Roman, J.; McCarthy, J.J. 2010. The whale pump: marine mammals enhance primary productivity in a coastal basin. PlosOne, v. 5, n. 10, p. 1-8.
Urick, R.J. 1983. Principles of underwater sound. 3rd ed. McGraw-Hill, New York, p. 17-30.


Sobre Diogo Barcellos
Sou biólogo (graduado e licenciado) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2011). Durante a graduação desenvolvi estudo da dieta de três espécies de peixes do estuário de Itanhaem, litoral sul do Estado de São Paulo e fiz um estudo de revisão bibliográfica a respeito das modificações morfológicas de vertebrados durante a transição do meio aquático para o meio terrestre. Em 2014 conclui Mestrado em Ciências pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Durante o mestrado desenvolvi estudo sobre a morfologia dos estatólitos, crescimento e longevidade da lula Doryteuthis plei. Durante a minha transição entre o final do mestrado e início do doutorado, iniciei estudos relacionados com acústica de cetáceos. Sempre carreguei dúvidas e curiosidades a respeito do ambiente marinho e da música. Em Julho de 2015 iniciei o meu doutorado no IO-USP. Desenvolvo um estudo de monitoramento de cetáceos via acústica em duas áreas no Estado de São Paulo: Canal de São Sebastião e na Ilha Anchieta, em Ubatuba.