quinta-feira, 29 de junho de 2017

Termoclina


Você já ouviu falar em termoclina? O Descomplicando Netuno de hoje vai explicar pra você!


Os corpos d’água são separados por camadas que são determinadas por suas características físico-químicas, como temperatura e salinidade. A camada mais superficial do oceano tem contato com ondas superficiais e ventos, o que facilita a mistura das águas e, consequentemente, a distribuição de calor. Abaixo desta camada superficial (ou de mistura) encontra-se uma camada de transição entre as águas superficiais, mais quentes, e as  águas profundas, mais frias.  Essa camada de transição recebe o nome de termoclina, e é facilmente reconhecida por ser a camada em que ocorre uma queda brusca de temperatura (veja a ilustração abaixo).

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Perfil generalizado de temperatura x profundidade em zonas temperadas. A linha branca sólida demonstra uma condição de inverno com uma camada superficial mista de temperatura homogênea acima da termoclina permanente. As linhas verdes tracejadas mostram a formação das termoclinas sazonais nas águas superficiais (primavera e verão), isto devido à elevação da radiação solar, que coincide com a diminuição dos ventos (Imagem baseada no livro “Biological Oceanography an introduction” de Carol M. Lalli e Timothy R. Parsons).

A  profundidade e a intensidade da termoclina não é exatamente igual para todas as latitudes e áreas. Ela é um fenômeno semi-permanente em  baixas e médias latitudes (equador e trópicos), zonas com maior incidência de energia solar. As águas polares, por outro lado, possuem pouca incidência solar, não formando termoclina, visto que as águas superficiais destas regiões são tão frias quanto as águas mais profundas. A termoclina pode também variar sazonalmente:  em zonas temperadas uma termoclina sazonal  é formada na camada superficial durante o verão, pois com o aumento da temperatura e com a diminuição do vento há pouca mistura para distribuição do calor, instalando assim uma estratificação térmica; ela então  persiste até o outono, quando a temperatura diminui e os ventos aumentam, provocando a mistura das águas e desfazendo a termoclina sazonal (veja a ilustração acima).
A termoclina geralmente coincide com a picnoclina, pois a salinidade e temperatura influenciam na densidade da água. Águas mais quentes e menos salinas são menos densas, e águas mais frias e mais salinas são mais densas. A região de rápida mudança na densidade é conhecida como picnoclina, e exerce papel de barreira da circulação vertical da água, afetando a distribuição dos nutrientes nas camadas do oceano, tornando-os, por exemplo, indisponíveis para o fitoplâncton na zona eufótica (Veja aqui o post sobre as divisões no oceano e relembre o que é zona eufótica: http://batepapocomnetuno.blogspot.com.br/2016/11/divisoes-oceanograficas.html).


Referências:

What is a thermocline?: A thermocline is the transition layer between warmer mixed water at the ocean's surface and cooler deep water below.. 2015. NOAA- National Oceanic and Atmospheric Administration U.S Department of Commerce. Disponível em: <http://oceanservice.noaa.gov/facts/thermocline.html>. Acesso em: 04 jun. 2017.


GARRISON, Tom. Fundamento da Oceanografia. 4. ed. Norte-americana: Cengace Learning, 2010. Tradução: por Cintia Miaiji, et al. 422 p.


LALLI, Carol M.; PARSONS, Timothy R.. Biological Oceanography An Introdution. 2. ed. Vancouver, Canadá: The Open University- Set Book, 1998. 337 p. Elsevier Butterworth-Heinemann.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Marchas pela ciência e cultura popular: “O que nós temos aqui é uma falha de comunicação”




Ilustração: Caia Colla

   Minha intenção original ao escrever esse post era tratar da Marcha pela Ciência e a ideia geral da politização da ciência, mas depois de assistir recentemente a um programa de ciência que era popular entre as crianças nos EUA na década de 1990 “Bill Nye Saves the World” (Bill Nye Salva o Mundo) e que agora está no Netflix (mas ainda sem tradução em português), eu decidi focar na nossa falha como cientistas em nos comunicar com o grande público. 
   Deprimente, eu sei, mas eu realmente acredito que existe uma falta de conexão entre nossas tentativas de fazer a ciência acessível e chamativa para o público em geral, para que as pessoas realmente nos escutem. A divulgação para o grande público é uma grande parte das nossas propostas para receber fundos para pesquisa, mas quanto da nossa divulgação está funcionando de verdade, e como podemos educar as massas efetivamente?
   Conforme fui assistindo ao novo programa popular de Bill Nye, senti uma tristeza ao ver que aquela grande figura da minha infância, que ajudou a inspirar meu interesse pela ciência, não conseguia realmente explicar algumas das maiores incógnitas da ciência na percepção do público. O programa parece enigmático em alguns pontos, e acho que deve desencorajar alguns espectadores ao zombar de certos assuntos. Por exemplo, o episódio que ridiculariza a medicina homeopática é intitulado "Sintonize seu charlatômetro", o que implica que qualquer pessoa que acredite no medicamento homeopático é um "charlatão". Se eu acreditasse nessa medicina alternativa (leia-se “imaginária”), acho que eu não gostaria de ficar sentada assistindo a um episódio de uma pessoa, mais especificamente um engenheiro mecânico, zombando de mim. Embora isso seja pouco relevante, porque eu penso que a maioria do grupo de pessoas que assiste a esse programa seja composto por cientistas que simplesmente amam assistir coisas do senso comum vistas de outras maneiras (ou simplesmente querem sentir a nostalgia de assistir o seu amigo de infância da ciência, Bill Nye). Este é um exemplo de cientistas ensinado/entretendo outros cientistas, e é apropriado que isso tenha vindo à tona seguindo outro esforço similar, embora de espectro mais global.
   A Marcha pela Ciência foi organizada como qualquer mobilização pacífica por mudanças, sendo: uma comunidade sentindo um problema crescente, e membros dessa comunidade querendo que o problema seja conhecido. Nos Estados Unidos, esse problema crescente é o uso de “fatos alternativos” (novamente, “imaginários”) no lugar da ciência real, que vem sendo vendida como verdade pelo atual governo. Isto levou a um corte nas verbas para as agências financiadoras da ciência e a um menor esforço para a proteção ambiental. Para aqueles que ainda não sabem, esclareço que o presidente Trump nomeou como o novo chefe da Agência de Proteção Ambiental americana (Environmental Protection Agency - EPA) um homem que nega que a mudança climática seja causada pela humanidade.

Uma concentração de 50.000 pessoas foi estimada no parque Boston Common, armadas com placas engraçadas e conhecimento, para marchar pela ciência.


   Mas essa marcha não ocorreu apenas nos Estados Unidos. No Dia da Terra 2017 (celebrado em 22 de abril) marchas pipocaram por todo o mundo, focando em assuntos específicos de uma localidade ou importantes para todos nós, merecendo nossa atenção. Algumas razões pelas quais as pessoas estavam marchando foram publicadas no site da revista Science (link abaixo), incluindo esta frase de um bioquímico Austríaco:
   “Sentimentos anti-esclarecimento estão crescendo por todo o mundo. Muitos austríacos são contra a engenharia genética mas não sabem o que é um gene, por exemplo. Eu tenho um problema com isso. Ou o sentimento anti-vacina. É quase um modismo ser contra a ciência nos dias de hoje.” -Renée Schroeder
   Martin Stratmann, o presidente do Max Planck Society (uma organização de pesquisa alemã fundada em 1948), também marchou, dizendo: “Esta é uma marcha pró-ciência e pró-fatos, não uma marcha contra Trump… Hoje, a ciência é mais importante do que foi antes, mas evidência e conhecimento estão sendo questionados em muitos lugares, incluindo a política.”
   Não me leve a mal. A marcha foi um grande evento. Eu participei da marcha em Boston, Massachusetts, EUA, e nós tivemos uma presença estimada de 50.000 cientistas e simpatizantes que apareceram em um dia miseravelmente frio e chuvoso para mostrar que isso é algo importante para nós. Eu ouvi histórias inspiradoras de médicos, histórias de superação de adversidade de uma mulher negra engenheira, e fui requisitada a tornar-me candidata política por George Church (O CARA do genoma humano - ops, momento nerd). Foi um momento divertido para se reunir com pessoas com ideias semelhantes e falar sobre os problemas que enfrentamos. Mas aí está o problema: estávamos falando com pessoas com mentalidade semelhante. Alguém que pode estar interessado em aprender fatos, mas não corre em nosso grandioso círculo da ciência, talvez não tenha sabido que a marcha estava acontecendo, ou para o que era aquela marcha. Minha mãe, uma enfermeira instruída, fica no limite entre ser ou não ser parte da comunidade. Mesmo com a postagem de sua filha sobre a próxima marcha, minha mãe não sabia porque eu estava em Boston usando um chapéu de de tricô estranho (veja a imagem abaixo). De alguma forma, nós pessoas da ciência fomos apanhadas nos divertindo na em uma reunião e esquecemos de dizer ao resto do mundo para o que ela servia. 

Esquerda: alguns/algumas nerds passaram horas tricotando chapéus de cérebro e fazendo placas (essa sou eu na extrema esquerda). O colega estudante de Oceanografia, Robert Wildermuth, marchou comigo.
Meio: A estudante Laura Moritzen da Universidade de Massachusetts, em Dartmouth,  está investida no futuro do oceano e nos caranguejos que ela pesquisa.
Direita: continuando com o ímpeto da Marcha das Mulheres, amamos as "mulheres indecentes" da ciência!


   Então, se esses fóruns não são úteis para transmitir nossa ciência ao público em geral, o que é? Como comunicamos eficazmente ideias que são, às vezes, muito complexas às massas? Eu acredito que a chave é começar com os jovens. Precisamos chegar às escolas para moldar as mentes para pensar sobre o método científico básico e ensinar as crianças como chegar às suas próprias conclusões com base em fatos e não em mídia. Deixe as crianças se apaixonarem pelo conhecimento e pela busca do conhecimento, assim como Bill Nye, o Cara da Ciência, me ensinou, e como Carl Sagan ensinou a geração antes da minha. Eu não acho que os adultos que não possuem um pensamento acadêmico são uma causa perdida, mas eu acho mais difícil recondicionar suas mentes a nem sempre confiar no que lêem. Sinceramente, ver e compartilhar um post do Facebook sobre planos secretos do governo para nos infectar com doenças através da vacina contra a gripe é um pouco mais fácil e muito mais emocionante do que procurar as fontes e verificar se a publicação é falsa.
   Talvez, este blog possa ser um bom começo para a introdução do público à ciência. Nós escrevemos posts com a intenção de tornar acessíveis nossos contos sobre oceanografia e de mulheres em ciência, mas nós tendemos a compartilhá-los com outros cientistas. Por quê? Eu desafio você a convidar uma pessoa que talvez não esteja interessada em ciência oceânica para ler uma postagem do blog que você acha interessante. Compartilhe sua ciência com aquele amigo que estuda literatura! Ou direto! Ou liturgia! Você nunca sabe o que eles acharam interessante, e isso pode levar a uma boa discussão.

Trailer de “Bill Nye Saves the World”: https://www.youtube.com/watch?v=g-_HKOcYBK8

Referências:

Artigo da Science: Why the rest of the world is marching
Science News Staff (April 13, 2017)
Science 356 (6334), 119. [doi: 10.1126/science.356.6334.119]



quarta-feira, 14 de junho de 2017

Microrganismos antárticos: entre o fogo e o gelo

Por Júnia Schultz


Originalmente publicado em: http://curtamicro.com.br/termofilicos.html


Os microrganismos são incrivelmente adaptados e conseguem habitar todos os ambientes da Terra. Bactérias termofílicas, por exemplo, gostam do calor e precisam de estar sob temperaturas superiores à 50 ºC para se desenvolver bem. No entanto, essas bactérias sobrevivem na Antártica, um dos ambientes mais severos do planeta, conhecido por ser um ambiente gelado e inóspito ao homem.
Você deve estar se perguntando: como pode existir microrganismos que necessitam de altas temperaturas na Antártica? Há fogo e calor em meio à neve? Sim, em locais específicos, que sofrem a influência da atividade vulcânica, e proporcionam condições ideais para o desenvolvimento destes microrganismos. A Ilha Deception é um exemplo. Esta ilha é a cratera de um vulcão bastante ativo, localizado na Antártica, e apresenta emissões fumarólicas (vapor e gases) com temperaturas que variam de 90 a 110ºC, águas termais e solos quentes com temperaturas entre 40 e 100ºC.

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Arquivo pessoal de Amanda Bendia (2015)
Há relatos na literatura que indicam que esses ambientes quentes na Antártica são muito diversos, apresentando espécies variadas de microrganismos, como os pertencentes aos gêneros Geobacillus, Bacillus e Thermus. Obviamente, os microrganismos adaptados a esses locais são diferentes daqueles adaptados às regiões frias. As diferentes condições climáticas em uma micro-escala são muito importantes para a seleção e manutenção de uma biodiversidade elevada.
O mais interessante de tudo isso é o potencial biotecnológico que bactérias desses ambientes possuem. Por estarem adaptadas a condições extremas, podem diferir metabolicamente dos microrganismos de outras regiões, e portanto são excelente alvos para a procura substâncias importantes para a indústria química, alimentícia e farmacêutica, ou seja, podem fornecer produtos e prestar serviços para você!
Com base nesse conhecimento, pesquisadores do Chile foram à Antártica buscar lipases, que são enzimas amplamente utilizadas na indústria de alimentos. A produção industrial normalmente envolve altas temperaturas, que destroem as enzimas encontradas em ambientes comuns. Na antártica os pesquisadores encontraram uma bactéria do gênero Geobacillus produtora de lipases resistente à altas temperaturas, e atualmente estudam a otimização da atividade dessa enzima, pelas mudanças nas condições de reações.
O universo microbiano é mesmo fascinante, e mesmo nos ambientes mais extremos podemos encontrar microrganismos capazes de melhorar a vida do homem.

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Arquivo pessoal de Yuri Pinheiro (2016)

Referência:
MUÑOZ, P.; CORREA-LLANTÉN, D.; BLAMEY, J. Ionic Liquids Increase the Catalytic Efficiency of a Lipase (Lip1) From an Antarctic Thermophilic Bacterium. Lipids, v. 50, p. 49-55, 2015.


Sobre Júnia Schultz:

Bióloga e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Biotecnologia Vegetal e Bioprocessos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desenvolve pesquisa com bactérias termofílicas da Antártica e biorremediação de ambientes extremos.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

De oceanógrafa a programadora

Por Letícia Portella

Publicação original aqui 

                                          

Ilustração: Silvia Gonsales

   Nesta semana me pediram pra contar um pouco sobre como eu virei programadora (ou pelo menos estou no processo). Eu escrevi esse texto para contar um pouco mais sobre essa história.
   Vamos começar do começo: sou oceanógrafa formada pela Universidade Federal de Santa Catarina em Dezembro de 2013. Bom, isso por si só, já costuma assustar as pessoas: Oceoque?
   A Oceanografia é linda e apaixonante. Aprendi muitas coisas interessantes e me apaixonei por muitas matérias que eram assustadoras. Logo no começo tivemos cálculos, físicas etc. Quando comecei a trabalhar na área eu transitei entre a oceanografia geológica e física até que, em 2011, consegui um estágio num instituto de pesquisa da Marinha e fui definitivamente para a Oceanografia Física, que é a área mais perto das exatas.
   Na oceanografia é muito comum trabalhar com dados matriciais e vetoriais e, para isso é comum utilizar um software chamado MATLAB. Por isso, durante o curso acabei aprendendo um pouco de MATLAB. Que é semelhante a uma linguagem de programação, com lógica de loops, condicionais etc.
   No entanto, quando eu cheguei na marinha, conheci dois oceanógrafos que trabalhavam com Python. Python? O que é isso? Tivemos várias discussões sobre como o MATLAB era um software pago e na faculdade usávamos a versão pirata, o que não era legal em ambos os sentidos da palavra, né? Nessa onda, eles começaram a me falar sobre como o Python seria o futuro da oceanografia, graças à sua maleabilidade, facilidade e, ainda por cima, era gratuito! Show de bola. Vamos aprender, né?

   E assim eu tive o meu primeiro contato com uma linguagem de programação mais propriamente dita. Os meus colegas foram muito espertos, sabe por quê? Todos os dias eles me desafiavam a algo novo. “Duvido que você consiga ler esse txt”, “Agora faça essa atividade com a menor quantidade de linhas possível”, e assim por diante. Eu achava aquilo fantástico! Como eles eram criativos! Tempos depois descobri que estava tudo online. Ok!

   Nesse meio tempo também tive contato com Linux, acesso a distância, Ubuntu, terminais, etc. Um mundo novo foi aberto para mim, e era muito interessante!

   Voltando do estágio cai na dura realidade: ninguém trabalhava com Python, ninguém usava ubuntu/linux e não tinha como mudar as coisas. Ok, MATLAB então. Uma das coisas que mais me desmotivou foi ter que aprender as coisas sozinha, travando nas minhas dúvidas e, ainda por cima, para aprender algo que as pessoas não viam utilidade (dentro da nossa área).
   No final da faculdade comecei a trabalhar numa multinacional com engenharia portuária e costeira. MATLAB e Windows na veia. Mas, teimosa que sou, comecei a colocar Python no que eu podia. Apesar de afastada dos estudos contínuos, eu gostava muito da linguagem e queria continuar aprendendo (desde que eu fizesse algo útil). Então eu usei Python para automatizar a produção de mapas num software chamado ArcGIS, depois desenvolvi um software para calcular o tamanho de um navio com base em umas tabelas internacionais, e até me aventurei brevemente pela web com o Django.
   Um belo dia decidi fazer mestrado e tomei a decisão de que todos os pré e pós processamentos seriam com Python. Também escolhi um modelo numérico que só poderia ser utilizado em ambiente Linux. Então eu me desafiei de verdade. Resolvi sair da preguiça e aprender! Nem que fosse sozinha! (Mas mas não foi!). Um amigo me ajudou muito e assim eu fui aprendendo ainda mais, e gostando cada vez mais.

   Nesse meio tempo o grupo da Python Floripa se formou. Na primeira reunião pedi pra um amigo ir comigo, porque tinha medo e vergonha de não saber o suficiente. Na última hora ele cancelou comigo! Acabei não desistindo e fui no encontro de qualquer forma. Eu era a única menina naquela primeira reunião e, “para melhorar”, as palestras foram puramente sobre web. Eu não entendi nada, mas achei aquele mundo fantástico.

   Decidi não ir nos próximos encontros, porque eu assustei com o conteúdo e com o quanto eu não entendi as coisas. Mas aí aconteceu a “mágica” da comunidade Python. Os meninos repararam nesse problema e chamaram uma pessoa para dar uma palestra que fosse mais “a minha cara” (menos web e mais análise de dados). Quando a palestra estava para acontecer, vários deles me mandaram mensagens avisando e falando que eu deveria ir. Fantástico, né? Depois disso me engajei de verdade e comecei a me envolver com a organização do SciPy LA 2016, Python Brasil 12 e principalmente do Pyladies. Além disso, o Anitas [saiba sobre o Anitas aqui] estava se formando e conheci mulheres maravilhosas e engajadas. Enfim, em 6 meses tudo mudou e eu já tinha mudado minha vida completamente.

   E assim eu fui percebendo que eu gostava daquilo. Muito mesmo. Eu amava programar, Github, Python, Ubuntu, etc. Eu podia gastar horas estudando isso. Conforme eu me envolvia, eu percebi que poderia ser uma segunda opção. No entanto eu fiz o que a maioria de nós faz: pensei que nunca iria conseguir. “Não sou boa o suficiente”, “Jamais conseguiria me envolver totalmente nisso”, etc. Pensei mesmo. Não adianta, nós pensamos, e todos sabemos que sim. Mas mesmo pensando isso, não parei de tentar aprender e de me envolver nas coisas. Não era o objetivo mesmo! Aí um belo dia eu resolvi apresentar para aquele pessoal de web o que uma oceanógrafa estava fazendo indo nos encontros. Afinal, eu programava? Por quê? Então apresentei um pouco dos meus resultados do mestrado, que tipo de dados eu trabalhava e um vídeozinho com uma onda de maré sendo propagada no meu modelo numérico.
   No mesmo dia, a gerente de projetos de uma empresa havia dito que havia uma vaga aberta para backend em Python. No fim da noite me vi ao lado dela e resolvi saber mais sobre a vaga que ela havia comentado e começamos a conversar. O que disse no final foi: “muito legal, mas infelizmente não posso concorrer para essa vaga”. Ela me questionou o porquê e eu disse que sabia Python, mas o que eles trabalhavam era uma área totalmente diferente. E foi aí eu recebi uma resposta que eu não esperava ouvir: “Não tem problema, o que você faz é tão complexo quanto, vem conversar com a gente com mais calma!”
   E eu fui. Assim, em 3 semanas a minha vida mudou, eu pedi demissão da minha empresa para virar backend developer, onde estou hoje indo para a minha terceira semana.
   Enquanto eu avisava as pessoas que estava mudando de área, eu fiquei esperando receber um “você está louca”! Mas não foi isso que eu recebi… Eu recebi muito apoio e incentivo, principalmente das pessoas mais próximas que aguentaram minhas inseguranças durante todo o processo entre a primeira conversa até o meu primeiro dia de trabalho.
   Não vou mentir. Na noite anterior ao meu primeiro dia eu entrei em pânico. Chorei muito. O que eu estava fazendo? Eu não ia conseguir isso! Era uma loucura! O que eu tive não foi racional, foi puramente emocional e descontrolado. Liguei pra quem eu sabia que ia me acalmar e assim me joguei no dia seguinte, com muito medo e uma vontade enorme de querer dar certo.
   Então eu gostaria de falar algumas coisas que eu aprendi no processo…
   A primeira coisa que eu aprendi é que eu não fiz essa mudança sem medo e sem insegurança. Isso não pode deixar a gente parar de fazer as coisas jamais! Recebi vários comentários dizendo que a minha coragem foi inspiradora e que eu era um exemplo. Eu não me considero exemplo de nada! Vocês não imaginam o medo que eu estava! Mas foi aí que eu percebi que os nossos exemplos também têm medo e isso não é problema nenhum. Faça com medo mesmo, mas faça!
   A segunda coisa é: faça as coisas com paixão. Descubra o que você gosta e faça! Independente se você tem perspectivas, mesmo que você ache que não sabe e que não vai conseguir. O importante é gostar de alguma coisa.

   E a última é: cerque-se e valorize as pessoas que te apoiam. Eu jamais teria alcançado tanta coisa e tido coragem de mudar a minha vida se eu não contasse com o apoio de inúmeros anjos, desde os primeiros que me desafiaram até os atuais, que me apoiaram e continuam me apoiando.
   Esse é um lugar onde decidi compartilhar minha história e tentar ajudar meninas que tem vontade de aprender a programar. Entre, fique a vontade e eu espero que você se apaixone tanto quanto eu.




Letícia Portella, oceanógrafa, desenvolvedora apaixonada e fissurada por leitura. 




quinta-feira, 25 de maio de 2017

Discussão científica na mesa do bar

Por: Raquel Moreira Saraiva

Pint of Science leva ciência para bares soteropolitanos


   Quem imaginaria um bar lotado para ouvir palestra de um pesquisador numa noite de segunda-feira? Isso aconteceu em várias cidades dos 11 países que sediaram o Pint of Science em 2017, ocorrido nos dias 15, 16 e 17 de maio. O festival, que começou na Inglaterra em 2013, acontece no Brasil desde 2015 e chegou a Salvador (BA) este ano. 

   No dia da estréia, a conversa sobre “História Ambiental da Baía de Todos os Santos” foi comandada pelo professor Eduardo Mendes, do Instituto de Biologia da UFBA, no Caranguejo do Porto, bar localizado na Barra. O pesquisador abordou aspectos econômicos, históricos e naturais de Salvador para explicar a trajetória da Baía de Todos os Santos (BTS), desde a chegada dos portugueses à região, no ano de 1.501, até os dias atuais.

   A BTS é a segunda maior baía do litoral brasileiro, com 1.233 km², e a única a possuir uma extensão expressiva de recifes de coral, além de estuários e manguezais. As características geológicas da BTS a tornam de fácil navegação, o que facilitou o desenvolvimento econômico da região através do acesso de embarcações de médio e grande porte. Por outro lado, a atividade portuária intensa é um dos principais fatores causadores de impacto ambiental na BTS, como ressaltou o professor no Pint of Science. 


O professor Eduardo Mendes falou sobre a História Ambiental da Baía de Todos os Santos
 (Foto: ASCOM UFBA).

   O acidente geográfico que caracteriza a BTS resulta principalmente de atividade tectônica e confere à região uma paisagem encantadora. Além disso, o clima tropical e a grande diversidade natural que compõe o sistema bentônico costeiro fazem de Salvador um importante pólo turístico e atrai cada vez mais o turismo de natureza, ou “ecoturismo”. A atividade humana, entretanto, tem gerado poluição e invasão de espécies exóticas, dois dos maiores problemas ambientais que a BTS tem enfrentado. Eduardo Mendes ressaltou a falta de atuação do poder público para reverter ou mesmo amenizar o quadro. Francisco Barros, professor do Instituto de Biologia da UFBA, prestigiou o evento e ressaltou que a popularização da ciência através de iniciativas como o Pint of Science é de extrema importância para conscientizar a população e para que medidas profícuas sejam tomadas em relação à preservação ambiental “O poder público quer o que a população quer. Se nós não estivermos bem informados, não temos muita chance de pressionar o poder público”.
   No Brasil, a comunicação científica ainda se concentra nos periódicos acadêmicos, que disseminam os resultados das pesquisas para os pares. As iniciativas de popularização da ciência, por sua vez, em geral se restringem a museus e estão atreladas a incentivos governamentais. Nesse cenário, o Pint of Science inova ao levar o conhecimento gerado na academia a um ambiente informal em um evento aberto ao público.
   Em 2017, o Pint of Science aconteceu em 22 cidades brasileiras, incluindo Salvador (BA), Teresina (PI) e Goiás (GO). Um evento como este tem grande importância e significado, especialmente nas regiões cientificamente menos tradicionais. Embora tanto o número de publicações quanto as redes colaborativas venham aumentando nos últimos anos, a hegemonia da produção científica nacional está longe de ser reduzida. O pesquisador Otávio Sidone, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, mostrou em um trabalho publicado no ano passado que, no período entre 2007 e 2009, sete universidades das regiões sul e sudeste foram responsáveis por mais da metade dos produtos científicos do Brasil. Essas regiões concentram não só universidades e institutos de pesquisa consolidados, mas também recursos humanos e financeiros. De acordo com Lima e colaboradores, em trabalho publicado em 2008, a descentralização do conhecimento gerado nas universidades e centros de pesquisa contribui inclusive para criar condição de ascensão social através da apropriação de conhecimento pela população, o que tem significado ainda mais importante no contexto de desigualdade social que o país apresenta.

   A linguagem acessível permitiu a compreensão da fala do professor Eduardo Mendes até para quem não é da área de biológicas. Cleiton Lima, servidor público da área de tecnologia e mestrando em Ciências da Computação, foi convidado para a palestra sobre a Baía de Todos os Santos por amigos, e avaliou a experiência como muito positiva “Eu acho que a relação da academia com a sociedade é muito distante, e eventos como esse fazem com que as pessoas despertem para temas que são importantes de discutir mas que estão enclausurados na universidade”.



O público compareceu à primeira edição do Pint of Science em Salvador 
(Foto: ASCOM UFBA).

   O evento parece ter cumprido seu papel. O garçom Vinícius de Lima se surpreendeu com o comportamento do público “Normalmente o salão é bem barulhento, e hoje, mesmo cheio, tava silencioso”. Vinícius disse que, por causa do trabalho, ouviu muito pouco da palestra, “mas gostei bastante do que ouvi, amanhã vou tentar prestar mais atenção”. Ana Leonor, professora da Faculdade de Farmácia da UFBA, participou da produção do evento e ressalta que basta estar no local para participar do Pint of Science “Mesmo o cara que tava em uma mesa no cantinho e nem sabia do evento, escuta e se interessa. Assim o senso crítico da população é estimulado”.
   Não só a comunidade não-acadêmica ganha com o evento. Antônio Dórea, estudante de mestrado de ecologia na UFBA, destaca que eventos como esse enriquecem também quem faz a ciência “A discussão que surge nesses ambientes, com pessoas diferentes, de outras áreas e com pontos de vista diferentes, pode abrir nossas mentes inclusive para a prática científica”. 
   Cleiton Lima já faz planos de assistir nos próximos anos e até de participar como palestrante “A partir de hoje me considero parte do evento. Eu gostaria de trazer o conceito de inteligência natural para o público entender como a matemática pode participar do dia a dia”. O professor Francisco Barros faz uma ressalva: “Vou fazer de tudo para participar nos próximos dias, mas não sei se consigo tomar outra cerveja durante a semana”. 
   A produção do evento também avaliou a estreia como um sucesso. “O público aderiu e a discussão fluiu bem, a tendência é isso aumentar cada vez mais”, disse Ana Leonor. Um brinde ao sucesso da ciência no bar!

Para saber mais:

Baía de todos os santos Aspectos oceanográficos Vanessa Hatje Jailson B. de Andrade








quinta-feira, 18 de maio de 2017

Pesticidas e Aves Marinhas

Por  Jana del Favero e Fernanda I. Colabuono

Ilustração: Joana Ho

   Pesticidas (ou praguicidas) são substâncias, misturas de substâncias, ou até mesmo agentes biológicos (como um vírus ou uma bactéria), capazes de prevenir, combater ou exterminar espécies que causem danos durante a produção, colheita e armazenamento de alimentos, ou que causem danos à saúde pública (ex. insetos vetores de doenças). São importantes na agricultura, pois ao controlarem pragas, promovem um aumento na produtividade e/ou na qualidade do alimento. Porém, seu uso indiscriminado provoca vários problemas ambientais e para a saúde humana, uma vez que são tóxicos também para as espécies não-alvo, ou seja, para uma infinidade de outras espécies, além de mim, você e as aves marinhas, que focaremos nesse post. Muitas vezes são nomeados de acordo com o tipo de praga que eles atacam, exemplo: inseticidas para o controle de insetos, herbicidas para o controle de ervas daninhas, fungicidas para fungos, entre diversos outros nomes. Já agrotóxico, que comumente escutamos, é o termo legal e está definido na Lei 7802/89, também chamada Lei de Agrotóxicos. Eles podem ser classificados em agrícolas ou não agrícolas (saiba mais sobre aqui: www.mma.gov.br/seguranca-quimica/agrotoxicos).

   O transporte de agrotóxicos do solo para os corpos de água ocorre, principalmente, devido ao escoamento superficial gerado pela ação da chuva ou irrigação do cultivo. Uma vez que atingem os rios, estes funcionarão como uma “via expressa” transportando os agrotóxicos até os oceanos. Como muitos pesticidas são compostos com alta estabilidade química, ou seja, dificilmente são degradados ou metabolizados, eles persistem no ambiente por muito tempo. Assim, podem ser transportados por longas distâncias e ocorrer até mesmo em regiões onde nunca foram produzidos ou utilizados, como na Antártica!

   Uma vez nos oceanos, os pesticidas são absorvidos pelo plâncton (lembre deles aqui) e são transportados, através da alimentação, para níveis tróficos superiores, num processo denominado biomagnificação. Um exemplo de biomagnificação é apresentado na figura abaixo, onde é possível ver como a concentração de um pesticida (o DDT) em ppm (partes por milhão) aumenta a cada nível trófico: zooplâncton [0,04 ppm] < peixes pequenos [0,5 ppm] < peixe grande [2 ppm] < aves [25 ppm]. É importante lembrar que muitos peixes e aves possuem hábitos migratórios, servindo como meio de transporte de pesticidas para outras regiões.

Exemplo de biomagnificação de DDT em uma cadeia trófica

   Um dos pioneiros e mais famoso pesticida, o DDT (sigla de Dicloro Difenil Tricloretano e formadora do verbo dedetizar), foi amplamente usado durante e após a Segunda Guerra Mundial para o combate de mosquitos causadores de malária e tifo, por ser barato e altamente eficiente a curto prazo. Porém, a longo prazo tem efeitos nocivos ao meio ambiente, como alarmado pelo bióloga norte-americana Rachel Carson em seu livro “Primavera Silenciosa”, que afirmava que DDT causava a diminuição da espessura das cascas de ovos, resultando em problemas reprodutivos e em morte das aves. O livro “Primavera Silenciosa” auxiliou no banimento do DDT nos Estados Unidos na década de 70, seguido por diversos outros países ( foi apenas em 2009 que o banimento ocorreu no Brasil!).

   Por mais que o DDT tenha sido banido na maioria dos países há décadas e nunca tenha sido usado na Antártica, em seu trabalho de pós-doutorado, a Fernanda analisou ovos de algumas espécies de aves antárticas, como pinguins, petréis e skuas, e constatou a presença de DDTs e de outros pesticidas nos mesmos, ilustrando bem como essas substâncias persistem no ambiente e atingem até mesmo áreas remotas.

   Mas não pense que a transferência pela cadeia trófica (conforme mostrado na figura de biomagnificação) é a única forma dos pesticidas atingirem as aves. Atualmente nós, seres humanos, incluímos mais um item alimentar no cardápio das aves marinhas: OS PLÁSTICOS! As aves marinhas, acidentalmente, confundem o plástico com algum item alimentar e os ingere, causando diversos danos ao indivíduo (ex. obstrução do trato digestório, diminuição do estímulo alimentar etc). Além disso, os plásticos adsorvem os pesticidas (ou seja, as moléculas da substância em questão ficam aderidas/fixadas na superfície do plástico). E Bingo!... Além de todo o dano causado pela ingestão do plástico por si só, as aves ainda estão consumindo plásticos cobertos de pesticidas e outros poluentes! Em um trabalho publicado em 2010, a Fernanda e seus colaboradores avaliaram os objetos plásticos ingeridos por aves amostradas no sul do Brasil, e constatou a ocorrência de pesticidas nos mesmos.

Foto: Chris Jordan - Filhote de Albatroz encontrado morto com plásticos no estômago.

   Infelizmente, a concentração de pesticidas vem aumentando ano a ano, sendo os mesmos encontrados no solo, na atmosfera, nas águas, e nos seres vivos. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, com o uso indiscriminado de pesticidas em muitos casos. Esse quadro precisa mudar. As aves marinhas e a sua saúde agradecem!


Para saber mais:

Colabuono, F.I., et al. (2010) Polychlorinated biphenyl and organochlorine pesticides in plastics ingested by seabirds. Marine Pollution Bulletin 60, 630-634. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0025326X10000366

Colabuono, F.I., et al. (2015). Organochlorine contaminants and polybrominated diphenyl ethers in eggs and embryos of Antarctic birds. Antarctic Science 27(4), 355–361. doi:10.1017/S0954102014000807

Colabuono, F.I., et al. (2016). Persistent organic pollutants in blood samples of Southern Giant Petrels (Macronectes giganteus) from the South Shetland Islands, Antarctica. Environmental Pollution 216, 38-45. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0269749116304298.

Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde / Organização de Fernando Ferreira Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e André Campos Búrigo. - Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015. 624 p. Disponível em: http://www.abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/wp-content/uploads/2013/10/DossieAbrasco_2015_web.pdf

A Fernanda Colabuono já publicou outro post aqui no Bate-Papo, relembre:http://batepapocomnetuno.blogspot.com.br/2015/08/pesquisando-nas-ilhas-remotas-do-brasil.html

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Pellets e microplástico no ambiente marinho

Por Gabrielle Souza


   Você já parou para pensar por que os pequenos pedaços de plástico são prejudiciais à vida no oceano? E como eles vão parar lá? Hoje vamos falar sobre pellets e microplástico no ambiente marinho. 

   Todos os dias os seres humanos geram toneladas de lixo. Boa parte vai para lixões ou aterros sanitários, porém pellets e microplásticos vão parar nos oceanos prejudicando a vida dos organismos marinhos. Mas, existe diferença entre pellets e microplástico? Sim! 

   Os pellets são “mini-bolinhas”, conhecidas também como pastilhas de resina plástica ou nurdles. Possuem aproximadamente 0,1 - 0,5 centímetros de diâmetro e são utilizadas como matéria-prima para a fabricação de novos produtos de plástico, não sendo originárias da divisão de itens maiores em pequenos pedaços. Uma comparação simples seria o trigo que é matéria-prima da farinha, que posteriormente será utilizada para fazer um bolo. Esses pellets são transportados para os locais que as moldam e remontam para criação de novos produtos. Contudo, durante a fabricação e transporte, os pellets podem ser liberados de forma acidental no ambiente, e por meio de escoamento e fluxo de águas, são direcionados para o oceano. 

   Devido à sua durabilidade, os pellets ficam presentes durante anos no oceano, sendo transportados por correntes de água que os distribuem em praias por todo o mundo. Especialistas afirmam que, uma vez na água dos oceanos, este material retém poluentes químicos que encontram-se em seu redor, prejudicando animais, como aves e organismos marinhos, visto que estes farão a ingestão acreditando que a “mini-bolinha” seja alimento, possivelmente absorvendo as toxinas liberadas posteriormente pelo pellet.



   A fim de avaliar a poluição marinha, estas pastilhas de resina estão sendo coletadas. O portal online para ao lixo marinho Litterbase realiza o monitoramento dos locais que possuem mais acúmulo e distribuição de lixo nos cursos d’água. O Litterbase conta com um mapa mundial de distribuição dos tipos de lixo em diferentes locais e publicações de artigos sobre o assunto (Link Mapa: http://litterbase.awi.de/litter). Possui também uma página que reúne a proporção de diferentes tipos de lixo que contribuem para a composição global, com dados calculados e distribuídos em gráficos (Link: http://litterbase.awi.de/litter_graph). Existe também a Fidra, uma instituição de caridade localizada em East Lothian na Escócia, que se envolve em questões ambientais, contribuindo para um diálogo amplo a nível nacional e internacional. Eles possuem um mapa, onde realizam a caçada por nurdles (Link Mapa: http://www.nurdlehunt.org.uk/take-part/nurdle-map.html), além de trabalharem em conjunto com a indústria do plástico, a fim de acabar com a poluição por pellets.

E o microplástico? Qual a diferença dele para o pellet? Microplástico são partículas cujo tamanho varia de 1 nanômetro a 5 milímetros. Ao contrário dos Pellets o microplástico é resultado de plásticos maiores que se dividiram em pedaços menores. Esta divisão pode ser consequência, por exemplo, de quando o plástico é fragmentado mecanicamente, por ação do vento e ondas do mar. Ou seja, microplástico é uma forma secundária da matéria-prima, as pastilhas de resina.

   As microesferas são um tipo de microplástico feito de polietileno. É muito utilizada para fabricação de produtos de beleza e saúde, como por exemplo o creme dental e glitter utilizado em maquiagens, que foi bastante usado no carnaval, e que já possuem alternativas biodegradáveis. Devido ao seu tamanho essas partículas acabam ultrapassando facilmente o sistema de água dos ralos chegando aos rios e oceanos. 

   Essas partículas são encontradas no estômago de peixes, baleias e espécies do plâncton. Similarmente aos pellets, os poluentes químicos aderem-se ao microplástico, contaminando os organismos que os ingerem. Pesquisas estão em andamento para saber realmente quais são os impactos que ambos podem causar nos organismos marinhos.

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Microplástico na praia de Northwestern Hawaiian Islands em 2014. Fonte: http://oceanservice.noaa.gov/facts/microplastics.html

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Microplástico presente em cosmético para esfoliação facial. Fonte


Para saber mais:

Referências

VERGNAULT, Olivier. Nurdles pollution at record levels as 100,000 tiny plastic pellets found on one Cornish beach. 2017. Disponível em: <http://www.cornwalllive.com/nurdles-pollution-at-record-levels-as-100-000-tiny-plastic-pellets-found-on-one-cornish-beach/story-30143311-detail/story.html>. Acesso em: 29 abr. 2017.

Tiny plastic pellets found on 73% of UK beaches: Great Winter Nurdle Hunt finds thousands of pellets used in plastic production washed up on shorelines around country. 2017. The Guardian. Disponível em: <https://www.theguardian.com/environment/2017/feb/17/tiny-plastic-pellets-found-on-73-of-uk-beaches>. Acesso em: 29 abr. 2017.

MATO, Yukie et al. Plastic Resin Pellets as a Transport Medium for Toxic Chemicals in the Marine Environment. Environmental Science & Technology, [s.l.], v. 35, n. 2, p.318-324, jan. 2001. American Chemical Society (ACS). http://dx.doi.org/10.1021/es0010498.

HIRAI, Hisashi et al. Organic micropollutants in marine plastics debris from the open ocean and remote and urban beaches. Marine Pollution Bulletin, [s.l.], v. 62, n. 8, p.1683-1692, ago. 2011. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.marpolbul.2011.06.004.

TANIGUCHI, Satie et al. Spatial variability in persistent organic pollutants and polycyclic aromatic hydrocarbons found in beach-stranded pellets along the coast of the state of São Paulo, southeastern Brazil. Marine Pollution Bulletin, [s.l.], v. 106, n. 1-2, p.87-94, maio 2016. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.marpolbul.2016.03.024.

What are microplastics?: Microplastics are small plastic pieces less than five millimeters long which can be harmful to our ocean and aquatic life.. NOAA- National Oceanic and Atmospheric Administration U.S Department of Commerce. Disponível em: <http://oceanservice.noaa.gov/facts/microplastics.html>. Acesso em: 29 abr. 2017.

Microplastic Marine Debris: What are microplastics?. NOAA- National Oceanic and Atmospheric Administration U.S Department of Commerce. Disponível em: <https://marinedebris.noaa.gov/sites/default/files/MicroplasticsOnePager_0.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2017.