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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Uma brasileira fazendo pesquisa na “gringa”

É cada vez mais comum a saída de brasileiros para estudar e/ou pesquisar no exterior, quer  seja durante a graduação ou durante a pós-graduação. Todo mundo já ouviu falar de pessoas que tiveram experiências maravilhosas no exterior, outras que tiveram algumas frustações e desapontamentos. A decisão de sair do conforto de casa, ficar longe da família, dos amigos, nunca é fácil. Para nós mulheres, muitas vezes o intercâmbio deixa de acontecer porque o marido não pode acompanhar, ou porque tem a escola do filho. Eu tive a sorte do meu marido ter aceitado embarcar nessa aventura comigo, e como no momento estou morando nos Estados Unidos, resolvi compartilhar com vocês minha experiência e dar algumas dicas, para tentar ajudar aqueles que pretendem estudar e/ou pesquisar no exterior.

A idéia de fazer a dupla titulação surgiu no final do meu mestrado, quando o convênio entre o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e a Universidade de Massachusetts (UMASS) estava ainda sendo assinado. Alguns professores da UMASS foram para o Brasil divulgar a faculdade, o programa, e desde o principio já quis participar, pois muito me interessou a história de fazer um único doutorado e sair com os dois diplomas... 

Cheguei em New Bedford - Massachusetts (EUA) em agosto de 2014 e confesso que o povo americano foi algo que de cara me surpreendeu. Apesar daquele aspecto mais frio típico de qualquer estrangeiro, foram bastante solícitos e prestativos. Não esperem abraços, beijos e a recepção brasileira, mas com o tempo você vai se sentido acolhida. Me ajudaram a arrumar um apartamento e praticamente o mobiliei de graça, cada dia era alguém me oferecendo alguma coisa... Além do mais, os alunos do instituto onde estou marcam happy hour praticamente a cada 15 dias, me acolheram no Thanksgiving, Natal, festa de Halloween etc. 

School for Marine Science and Technology (SMAST), localizada em New Bedford, MA, EUA. 

Bem, mas vamos ao que interessa, a faculdade. É fácil perceber que sim, eles tem dinheiro, sim eles tem equipamentos e sim, eles tem bons professores e pesquisadores. Mas sinceramente, nada que não seja encontrado pelo Brasil em diversos institutos também. Mas a idéia desse post não é comparar instituições do exterior versus brasileiras, isso daria um outro post e uma outra discussão. O que pretendo com esse post é fazer comparações mais culturais e do nosso dia a dia.  

Uma das coisas que estranhei é o fato de não ter propriamente uma hora de almoço, sair um grupo para almoçar é bem raro e, quando acontece, é marcado com bastante antecedência. A grande maioria leva marmita e, ou come rapidinho na copa, ou come na frente do computador mesmo. Eu particularmente sempre vou pra copa na esperança de ter alguém disposto para um papinho. Outra diferença é não ter hora do café, aquele outro momento que você sabe que vai encontrar amigos para um outro bate papo. Em compensação, às 17 horas todo mundo já foi embora, então você tem o resto do dia pra ir pra academia, happy hour, compras etc... e nesse momento sim vão socializar com você. Senti isso nítido, local de trabalho é trabalho, lazer é lazer. 

Essa distinção entre trabalho e social ficou bem nítida no dia em que fui ao NOOA (National Oceanic and Atmospheric Administration) me encontrar com um pesquisador que conheci em um congresso em Miami em 2013 e encontrei novamente com ele em Quebec em 2014. Nossas conversas no congresso sempre foram como amigos e ele se mostrou bastante interessado no meu trabalho e disposto a ajudar. Cheguei no NOOA esperando que fôssemos tomar um café, prosear, e depois discutir o trabalho. Mas não, chegando já fui direto para a sala de reuniões, meu “amigo” chegou com mais dois pesquisadores que brevemente se apresentaram e já pediram para eu apresentar meu projeto, o que eu estava pesquisando. Foram três horas de discussão do meu trabalho, bastante produtivas, que culminaram numa parceria que mantenho até hoje. Porém, o bate papo que eu estava esperando que fosse acontecer, como sempre acontecia quando encontrava esse pesquisador nos congressos, não aconteceu. 

Coletando à -10°C. 
Outra coisa que acho que quem vem para o exterior fazendo dupla titulação deve aproveitar é a oportunidade de cursar disciplinas, coisa que somente um “sanduíche” não te oferece. É interessante ver como é tratada uma disciplina no exterior. Por exemplo, todo dia antes da aula você já tem que ter lido o capítulo correspondendo ao tema, ter assistido as aulas online (sim os professores gravam vídeos e colocam online) e na aula mesmo é só uma revisão rápida e discussão.

Por aqui também se tem seminário toda semana, um ótimo momento para ver pessoas e não tomar café sozinho, além dos seminários serem sempre interessantes... Fico feliz de um dia ter seminário de alguém do Woods Hole, outro de alguém do MIT, Harvard, NOOA (se você nunca ouviu falar nessas instituições vale a pena um google, todas são instituições de peso na área da oceanografia). Acho importante aproveitar o momento no exterior para fazer contato com outros pesquisadores e ampliar o network. 

Outra dica que dou para qualquer pessoa indo para um país que tenha um inverno mais rígido é se programar para chegar no verão. Dessa maneira você chega ainda quentinho, sol brilhando, e se estiver no hemisfério norte pegará todo o outono. Não tem como não se apaixonar pelo outono, ver todas as árvores mudando de cor e as folhas caindo, até o cheiro fica diferente. Quando o inverno chega você tem que mudar totalmente tua rotina, não dá mais para andar tranquilamente, tudo fica branco e cinza, e o pessoal não para de reclamar que todo dia tem que limpar o carro pra sair, do frio etc... Mais uma boa razão para fazer tua chegada no verão, você já terá feito amizades e durante o inverno será convidada para jantares e cervejinhas na casa de amigos, que passa a ser a programação principal em dias de frio e nevasca. Mas para nós, “gringos”, é uma experiência única e linda. Até ficar duas horas tirando neve do carro ou andar pela rua como se fosse um rink de patinação no gelo passa a ser divertido. E por fim chega a primavera, e a cada grau que a temperatura aumenta você percebe a mudança no rosto das pessoas, todos voltam a sorrir. 

Ritual de limpeza do carro. 

O mais importante de lembrar é que você que é o peixinho fora d’água, então não espere que eles se acostumem com você, mas sim você que deve se acostumar com eles, com seus modos e culturas. Tente sempre ver o lado positivo das coisas e das pessoas, tentando não reclamar de tudo que aparecer... Aproveite o momento para abraçar todas as oportunidades, todos os eventos, seminários e trabalhos que aparecerem. O interessante é voltar para o Brasil com a bagagem cheia de novos aprendizados e histórias.

Gostou desse post? Continue lendo sobre o assunto aqui.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Internacionalizar é preciso!

Por Catarina R. Marcolin

Olá a todos, a postagem de hoje é sobre uma das grandes vantagens em se tornar cientista: conhecer o mundo! Desde quando era apenas uma adolescente eu já sonhava em viajar para outros lugares, conhecer novas culturas, ver lindas paisagens, enfim, conhecer nossos vizinhos nesse planeta que é tão grandioso e ao mesmo tão pequeno. Eu nasci no interior da Bahia e sempre senti falta de ter acesso maior à cultura, de poder visitar museus, de poder viajar para outros lugares além de Subaúma nas férias de janeiro.

Uma das motivações para me tornar cientista dos mares foi a oportunidade que nós temos de trabalhar diretamente com a natureza. Então, por mais que eu não achasse que iria viajar para muito longe de casa, pelo menos meu trabalho me permitiria viajar para alguma praia paradisíaca de um modo diferente do turista comum (mesmo que fosse na Bahia, minha terrinha). Quando viajamos para coletar nossos dados temos uma oportunidade única de conhecer um lugar do jeitinho que ele é. Uma experiência bem diferente do modo engessado, tão comumente propagado pelas agências de turismo.


Pôr do sol visto do barquinho de pescador
alugado para as coletas durante o mestrado.
Quando viajamos para coletar, podemos conhecer não somente as paisagens turísticas, mas vamos a recantos muitas vezes inexplorados, conhecemos as pessoas que ali vivem, descobrimos um pouco da sua cultura e podemos nos conectar com essas pessoas de forma mais verdadeira e não apenas através de relações de compra e venda de produtos e serviços. É possível descobrir um pouco da história de vida dessas pessoas e de como elas se relacionam com seu vilarejo, com a natureza, com a vida. 

Além disso, fui descobrindo que é extremamente importante para um cientista ter oportunidades de interagir com pesquisadores de outros países, de vivenciar o dia a dia em laboratórios com rotinas completamente diferentes da sua instituição de origem. Portanto a ciência me ajudou a preencher esse “vazio“, essa necessidade que eu tinha de consumir cultura e de conhecer o mundo.

Durante o doutorado, foi quando tive as melhores oportunidade em termos de internacionalização. Durante minha entrevista de seleção, a comissão de seleção da pós-graduação do IO-USP me informou que era muito importante que eu me esforçasse ao máximo para fazer um doutorado-sanduíche, ou seja, passar alguns meses trabalhando em um laboratório fora do Brasil. Ainda fiquei sabendo nesta ocasião que havia bolsas suficientes para isso e que internacionalização é um item muito importante para a avaliação de qualidade dos cursos de pós-graduação feita pela CAPES.

Nos últimos anos, o Brasil vivenciou um período muito bom para os estudantes de graduação e pós-graduação em termos de internacionalização. Muitas bolsas foram concedidas para estudos temporários no exterior e eu fui contemplada com uma delas durante para fazer doutorado-sanduíche, bem no começo do programa Ciência sem Fronteiras. 

Apesar deste programa ser importantíssimo, é relevante destacar que estar na USP, associada a um pesquisador produtivo e reconhecido internacionalmente (conheça mais sobre nosso laboratório aqui  http://laps.io.usp.br/index.php), fez toda a diferença na minha formação acadêmica. Então, além de trabalhar com um tema que me fascina, tive acesso à tecnologias inovadoras e pude viajar bastante. 


Nunca achei que pudesse ver com meus
próprios olhos um gêiser em plena
 atividade na Islândia.
Passei não apenas quatro meses fazendo doutorado-sanduíche nos EUA em College Station (Texas) como também fiz um curso na Noruega e outro na Islândia sobre temas correlacionados à minha tese e participei de dois congressos internacionais, fazendo apresentações orais do meu trabalho, em Pucón, Chile, e em New Orleans, EUA. Tem mais informações sobre essas experiências (só as divertidas) no blog catviajandoporai







You can do it!
Além de viajar pelo mundo eu também participei de embarques em navios oceanográficos para coletar os dados do meu projeto de doutorado. Passei muitos dias ao mar, navegando com outros pesquisadores e com a tripulação desses navios. Um dos embarques mais marcantes aconteceu a bordo de um veleiro como parte do projeto Tara Oceans (http://oceans.taraexpeditions.org/en/m/about-tara/10-expeditions/tara-oceans/), com uma equipe internacional, num projeto liderado por franceses. 

Foi através destas experiências, entre outras, que fui aprendendo ao longo do caminho sobre como trabalhar de forma mais eficiente, sobre como me comunicar de forma adequada com outros pesquisadores, usando linguagem correta, e de aprimorar técnicas para escrever artigos científicos em inglês. Além disso, pude conhecer vários cientistas apaixonados pelo que fazem, pessoas inspiradoras, que se divertem enquanto fazem seu trabalho e nos ajudam a superar os desafios que surgem ao longo desse processo. 

Mas todo bônus tem um ônus. Houve uma ocasião em que não pude embarcar em um dos projetos associados ao meu doutorado simplesmente por ser mulher, pois o navio da marinha destacado para o embarque não aceitava mulheres. A justificativa era que o navio não tinha “instalações adequadas” para mulheres. Não é incomum ouvirmos na nossa área que mulheres não são bem-vindas num embarque oceanográfico porque não carregam peso como deveriam e que, portanto, isso acabaria sobrecarregando algum homem. Mas isso definitivamente não condiz com a realidade. Conheço diversos homens que enrolam no trabalham e mulheres que trabalham muito, e vice-versa. E tenho certeza que você também conhece, dentro da sua realidade.
https://minezfo.files.wordpress.com/2011/05/0001.jpg

Além de ter de lidar com esse tipo de pré-conceito, diversas vezes ouvi pessoas questionando meu estilo de vida, pois desse jeito eu não conseguiria “segurar um homem”. Foi interessante enquanto eu estava fazendo sanduíche nos EUA como conheci vários casais onde os homens estava passando uma temporada no exterior, acompanhados de suas mulheres, enquanto o contrário não era visto. Não conheci uma única mulher que tinha levado seu acompanhante nesse período.  

Infelizmente ainda é comum essa visão de que a mulher que prioriza seu trabalho está destinada a ficar "encalhada", "pra titia".
Muitos dos amigos e familiares já não acreditavam que meu relacionamento a distância durante o doutorado (eu morava em São Paulo e ele em Salvador) pudesse dar certo, ainda mais sabendo que eu passava até 15 dias embarcada num navio acompanhada por uma maioria de homens. Além disso, eu já estava fazendo 30 anos e ainda não havia casado, muito menos tido filhos. O quesito filhos é o único que me causa ainda um pouco de aflição, pois quanto mais adiamos, menores nossas chances de engravidar. E se engravidamos no meio do caminho, nos tornamos menos competitivas para o mercado de trabalho como cientista, arriscando o tão almejado emprego na universidade. (leia mais sobre isso no post da Jana Quando colocar filhos no cronograma?)

Mas apesar das dificuldades em ficar longe da família, amigos, namorado/marido, sempre tive apoio dessas mesmas pessoas para perseguir meus sonhos e me tornar uma profissional melhor. E só tenho a dizer que valeu a muito pena e que continua valendo! Hoje tenho 33 anos, estou casada, sem filhos no cronograma, buscando o tão almejado emprego e ainda com muito desejo de continuar viajando (literal e filosoficamente), aprendendo cada vez mais sobre esse mundão que me fascina.

Até o próximo bate-papo com Netuno.