quinta-feira, 10 de setembro de 2015

As dunas que “andam”


Por Nery Contti Neto


Originalmente publicado em:  https://tenhominhaloucura.wordpress.com

Sempre tive uma ligação muito forte com Itaúnas, ES. Minha bisavó nasceu em Itaúnas velha e teve que se mudar, pois sua casa foi lentamente soterrada pelas dunas. Minha primeira pesquisa na faculdade de Oceanografia foi lá, e quando estava no mestrado, fui chamado pelo pessoal do Parque Estadual de Itaúnas (PEI) para responder a seguinte pergunta: as dunas de Itaúnas, que já soterraram a vila antiga, podem ainda soterrar a vila nova?

Pois fui tentar responder de uma maneira simples e repasso aqui.

Primeiramente, explico o que são as dunas: um depósito arenoso formado pela ação dos ventos quando há areia em abundância – não acontece em um lugar que sofre erosão, por exemplo. Depósito é onde os processos naturais (vento, onda, os rios, etc.) depositam e ganham areia. Erosão é o processo onde um lugar perde material, no caso, areia.

As dunas começam a se formar quando o vento carrega grãos de areia, que perdem sua velocidade quando encontram alguma barreira (podendo até ser um objeto). Quando o vento é forte e constante, o que quer dizer mesma direção e sentido por um longo tempo, as dunas se estabilizam.

Quando as dunas se estabilizam os grãos de areia vão se empilhando sobre os demais, e assim a duna vai aumentando de tamanho e comprimento, que pode variar de menos de um metro (como a maior parte do litoral capixaba) a dezenas de metro e centenas de quilômetros de extensão, como nos Lençóis Maranhenses.

As dunas são importantes porque protegem a praia contra as subidas do mar, como quando entra uma ressaca. São também um hábitat único para diversas espécies de aves, plantas, tartarugas e outros. Servem também como filtros naturais para a água da chuva e subterrânea, podendo até mesmo formar regiões úmidas, o que de fato acontece em Itaúnas, na região dos alagados. Por conta disso tudo as dunas são Áreas de Preservação Permanente, como os manguezais, encostas e topos de morro, nascentes de rio etc.

As dunas de Itaúnas.

As dunas de Itaúnas.

Mas as dunas podem também ser motivo de dor de cabeça para os gestores públicos e ambientalistas. Em períodos de vento mais fraco (ou não tão forte), se não houver muita vegetação, os grãos começam a subir a duna ao invés de serem depositados ao pé dela. E foi o que aconteceu em Itaúnas na vila antiga (e também nas Rendeiras, em Florianópolis). As árvores foram retiradas da restinga na frente da praia no começo da década de 1950, mas principalmente na década de 1970. Com um vento Nordeste constante no verão e muita areia disponível, foi um prato cheio para a formação daquelas dunas, cobrindo a vila que existia.

Agora voltando à pergunta: e quanto a vila atual, ela vai também ser engolida?

Para responder a essa pergunta, comparei fotografias aéreas da década de 70, feitas pelo Projeto RadamBrasil, o primeiro esforço em escala nacional de fotografar todo o país em um avião, com fotografias recentes, utilizando de um software que permitiu a análise desse tipo de imagens. O uso das fotografias aéreas é uma ferramenta muito importante para quem quer entender processos naturais, e muitas dessas fotografias aéreas estão disponíveis gratuitamente.

Na década de 70 a vila antiga (hoje soterrada pelas dunas como falei aqui) já mostrava um processo de soterramento, restando só 30 casas não soterradas. A igreja de São Sebastião, a mais antiga, já estava soterrada e a igreja nova já em construção. A vila atual, que se mudou para atrás do rio, começava a ser ocupada, contando com menos de 10 casas. Em 2012, conversei com moradores da Vila que me disseram que muitos que moravam na vila antiga não passaram para a atual, preferindo ir para Vitória ou Conceição da Barra.

O que pude perceber analisando as fotos é que durante os anos de 1971 a 2008, a área das dunas aumentou 96 mil m2 (ou 9,62 hectares). Uma parte considerável da vegetação das dunas foi perdida nas proximidades da antiga vila e, segundo alguns moradores, não houve desmatamento da vegetação que cobria as dunas, portanto isso seria resultante de um processo natural, não provocado por interferência humana. Isso deixo para os historiadores.

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E aqui jaz a vila antiga

De qualquer forma, um lugar interessante para ver como a retirada da vegetação influencia na formação das dunas é no Buraco do Bicho (que falei no outro post sobre Itaúnas, que fica a menos de 1 km de distância da praia principal). Essa feição - conhecida como blowout - é uma feição erosiva/deposicional (os dois processos acontecem juntos) com um formato semicircular ou alongado no meio de um campo de dunas. São muito comuns nos locais onde há ventos de alta energia.

Eles começam a se formar quando há uma redução da vegetação e vento soprando forte. Os ventos vão então ficando mais fortes por afunilamento e vão retirando a areia desse local e depositando ao seu lado, daí o formato semicircular. Esse efeito continua acontecendo até que o vento remova tanta areia que atinge o lençol freático, deixando o formato assim ó:

O Buraco do Bicho - zona de Blowout

O Buraco do Bicho - zona de Blowout

É possível inferir que as dunas de Itaúnas (as mais famosas) provavelmente começaram com um blowout, logo, o Buraco do Bicho pode também formar novas dunas tão grandes quanto as dunas mais famosas de Itaúnas.

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Nesse mapinha aí de cima dá para ver que marquei 3 caminhos. O Caminho 1 representa a maior distância percorrida pelas dunas em 37 anos em direção a Noroeste, o Caminho 2 foi o maior caminho que as dunas percorreram no mesmo período em direção a sudoeste e o Caminho 3 foi um caminho que tracei de menor distância entre as dunas e a vila recente. 

Agora pense comigo: para a duna andar para norte, o vento tem que soprar empurrando a duna para o norte, certo? Mas na oceanografia a convenção é de chamar o vento pela direção que ele vem, e as correntes pela direção que ela vai. Ou seja, o vento vem de sul e vai para norte - empurrando a duna para norte – e tem o mesmo sentido de uma corrente norte, que vem de sul e vai para norte.

Dessa maneira, o Caminho 1 é maior distância percorrida pelas dunas em resposta ao vento Sudeste (andando para Noroeste) e o Caminho 2 é a maior distância percorrida pelas dunas em resposta ao vento Nordeste (andando para Sudoeste). Na região o vento de Nordeste sopra a maior parte do tempo, mas é mais fraco do que o vento de Sudeste, que só aparece quando há frentes frias, mas entra com toda a força.  Para ajudar, vai uma colinha aí:



Para comparar, em Cabo Frio as dunas respondem mais ao vento de Nordeste, enquanto as dunas de Florianópolis respondem mais ao vento sul, que é bem mais forte nesta região. No Rio Grande do Norte o que domina são os ventos alísios de sudeste (um tipo especial, já conhecido pelos navegadores portugueses). E olha a direção que as dunas tomam:
  

Voltando pra Itaúnas, sabendo que com ambos os ventos (NE e SE) as dunas “andaram” 180 m em cada direção entre 1971 e 2008, isso dá uma média de quase 5 metros por ano, e assim dá para calcular quando e se elas um dia vão atingir a vila nova. Além da cidade nova, as dunas estão avançando também para dentro da área de alagado, uma área extremamente sensível e rica em biodiversidade. E isso já está acontecendo, infelizmente.

Pois bem, se os ventos continuarem soprando com a mesma força e direção, se as dunas andarem na mesma direção e ainda se houver bastante areia sobrando, as dunas demorariam 147 anos para avançar sobre a cidade nova!

E o que pode ser feito? 

Bom, quando fui lá em 2012, os funcionários do parque já estavam tomando algumas iniciativas, como jogar palha de coco moída para fornecer matéria orgânica para o solo. Isso faz com que a vegetação cresça, ajudando a barrar o transporte de areia e, desta forma, diminui a mobilidade das dunas.

Quando voltei, depois de um ano, havia acúmulo de areia nas cercas. Isso é um bom sinal de que a vegetação consegue conter bem o avanço de dunas. Agora é monitorar e ver o que vai acontecer!

Cercas e palha de coco para conter o avanço das dunas 
Cercas e palha de coco para conter o avanço das dunas

Uma outra medida muito importante que já foi tomada foi a de proibir a caminhada em qualquer lugar do campo de dunas. É claro que é muito legal fazer sandboard nas dunas, andar por qualquer lugar à vontade e ficar pulando nas dunas, mas em uma cidade em que o turismo é principalmente ecológico, devemos seguir algumas regras básicas. 

Quando uma pessoa anda sobre as dunas ela está ajudando na sua mobilidade e acelerando esse processo de movimento das dunas. Mas isto não é causado por uma pessoa só, estamos falando de muitas pessoas já que Itaúnas é um dos pontos principais de turismo no Estado. Então respeite essa regra e ande apenas onde já há trilhas demarcadas! A zona de alagado, com toda sua biodiversidade e a cultura da vila nova de Itaúnas, já está sofrendo com essa mobilidade das dunas.

E quando for a Itaúnas se informe sobre a história do local, converse com os moradores para perguntar as histórias antigas (eles são super receptivos e adoram conversar) e aumente sua consciência ambiental. Conhecer o passado é muito importante para preservar o futuro!

E boa viagem!

Quem quiser ler mais sobre esse trabalho envie um e-mail para nerycn@gmail.com.

Sobre Nery Contti Neto
Oceanógrafo, músico e apaixonado por viagens. Nasci rodeado pelo mar, morei em mais 4 lugares fora de Vitória e os 3 eram ilhas. Fiz mestrado em Oceanografia Geológica pela USP e atualmente trabalho com instrumentação Oceanográfica, com medição de ondas, correntes e marés.

2 comentários:

  1. Esse post me fez lembrar da cidade de Itapirubá, SC, onde meus avós paternos moravam. A casa deles ficava bem perto das dunas e eu adorava brincar lá! Agora estou curiosa para saber se essas dunas continuam no mesmo lugar...
    Adorei o post! E também quero conhecer Itaúnas!

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