terça-feira, 9 de junho de 2015

Um giro pelo oceano: entendendo o vai e vem das baleias-jubarte



Por Daniela Abras

É um desafio muito grande tentar entender os mecanismos que ocorrem no mega organismo de um animal de 15 metros de comprimento e 40 toneladas e que migra cerca de 9.000 km.

As baleias-jubarte migram todos os anos entre a Antártica (onde só se alimentam) e o Brasil (onde só se reproduzem). O percurso de cerca de 4.500 km é percorrido duas vezes ao ano, no caminho da Antártica para o Brasil, em que elas gastam em torno de 2 meses de ida, e mais dois meses de volta. E se somar o tempo que elas permanecem se reproduzindo no Brasil, que dura em torno de 4 meses, são 8 sem se alimentar. É um baita jejum. Para conseguirem essa façanha, elas precisam comer muito durante os 4 meses na Antártica, e fazer um grande estoque de energia, em forma de gordura corporal.

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Foto 1: Mapa do corredor migratório das baleias-jubarte entre a região de alimentação, na Antártica e a área de reprodução, no Banco de Abrolhos, sua principal área de reprodução. Mapa produzido por Arthur Güth.

E as baleias comem o quê? Como diria a adorável e esquecidinha Dory do filme procurando Nemo, baleias não comem peixe, comem krill. Um pequeno crustáceo, parente dos camarões, de cerca de 5 cm de comprimento, que vive e forma gigantescos cardumes. O krill é a base da teia alimentar na Antártica, em que praticamente todas as espécies dependem dele, direta ou indiretamente. Muitas espécies de peixes, focas, pinguins e baleias se alimentam exclusivamente dele. E outras, como as orcas e a foca-leopardo, se alimentam de peixes ou pinguins... Por isso, a teia alimentar da Antártica é apelidada carinhosamente, pelos cientistas, de “krill-dependente”.


Foto 2: O Krill (Euphausia superba), principal alimento das baleias-jubarte na Antártica, forma grandes cardumes.

Todos os anos então, as baleias-jubarte chegam à costa brasileira, e aqui permanecem entre julho e novembro. Mas tem ano que a população chega antes, e fica aqui mais tempo, e tem ano que elas chegam mais tarde e vão embora rapidinho. Alguns anos tem muito mais baleia do que  outros... E foi então que começaram a surgir as perguntas: Será que nos anos que as baleias passam mais tempo em Abrolhos, é porque elas se alimentaram melhor? Será que elas vão embora mais cedo nos anos em que a temperatura da água está mais alta? Ou será que nada disso tem influência, e é tudo uma questão de programação genética? O que será que dá o start para isso tudo acontecer?

A proposta do meu mestrado foi tentar compreender os diversos mecanismos ambientais que podem influenciar na dinâmica migratória das baleias-jubarte, especialmente a disponibilidade da sua principal fonte de energia. Para isso, analisei alguns parâmetros, entre eles: fotoperíodo, temperatura da água em Abrolhos e no Mar de Scotia (que é o lugar onde elas ficam na Antártica), e disponibilidade de krill no verão, e cruzei com dados de 7 anos de avistagem de baleia-jubarte ao redor do Arquipélago dos Abrolhos, em um local chamado de “ponto fixo”. Para avistar as baleias, utilizamos um equipamento de topografia, chamado teodolito, com zoom de 30 vezes. Assim, ao longo de 5 meses as observamos diariamente e vimos que a abundância da população flutua ao longo da temporada reprodutiva: um aumento gradual em julho, pico de avistagem em agosto/setembro, e diminuição gradual, até não ter mais baleias no fim de novembro. 




Foto 3: Avistando as baleias com auxílio do equipamento teodolito, no Arquipélago dos Abrolhos.








Os resultados foram mais que esperados. Nos anos com maior disponibilidade de krill, as baleias se alimentam melhor, maior é seu estoque de energia, o que possibilita que permaneçam mais tempo investindo na reprodução e mais baleias foram avistadas em Abrolhos. O contrário é válido: em anos com menos krill, vimos menos baleias e menor foi o tempo que elas ficaram por aqui. A temperatura da água não teve muita influência na migração, apenas auxiliou a indicar o momento de início da migração ou o timing migratório. 

Mas o resultado mais surpreendente foi em relação ao fotoperíodo (duração de luz no dia). Nunca, nenhum trabalho havia relacionado a dinâmica da migração com o fotoperíodo, talvez por que os cientistas considerassem óbvio demais. Mas, às vezes é indispensável compreender o óbvio. O fotoperíodo apresenta uma grande amplitude entre o verão (18 horas) e inverno na Antártica (6 horas); diferente de Abrolhos, em que a diferença entre o verão (13 horas) e inverno (11 horas) é bem menor. 

Então, como conclusão do meu trabalho, a migração das baleias-jubarte é iniciada e influenciada pela diminuição brusca do fotoperíodo quando elas estão na Antártica. Mas quando estão em Abrolhos, é a soma de 3 fatores: o fotoperíodo (que se altera bem menos em Abrolhos do que na Antártica), a temperatura da superfície do mar (que aumenta pouco, mas gradativamente ao longo da temporada reprodutiva) e a disponibilidade de krill, ou o quão bem ou mal a população se alimentou durante o verão. 

Foi muito difícil analisar um volume tão grande de dados, tentando interligar parâmetros ambientais tão diferentes para chegar próximo às respostas a todas aquelas perguntas. Com estes resultados, começamos a compreender a complexa dinâmica da migração e a importância do krill para a manutenção da população de baleia-jubarte que frequenta a costa brasileira. Se quiser saber mais sobre minha dissertação, entre em contato no email (daniabras@gmail.com).

A população de baleias-jubarte foi quase dizimada no início do século XX, devido à caça comercial intensiva, em que a população estimada era de 25.000 e chegou a cerca de 800 indivíduos no seu pior momento. Após a moratória da caça das baleias em 1986, a nossa população se recuperou, e hoje conta com 15.000 indivíduos!!! Este ano, foi oficialmente retirada da lista de espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Esta é uma vitória para as baleias, e para nós, que temos o privilégio de recebê-las anualmente, cada vez em maior número, em seu magnífico balé aquático. Vá conhecê-las! Elas estão aqui entre julho e novembro em grande concentração na região dos Abrolhos, mas podem ser vistas do Rio Grande do Norte ao Rio de Janeiro.

Quer saber mais sobre as baleias-jubarte? Visite o site do Instituto Baleia Jubarte www.baleiajubarte.org.br


Foto 4 – Baleia-jubarte saltando na região dos Abrolhos.


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Daniela Abras é mineira de Belo Horizonte, formada em biologia marinha pela UFRJ, e mestre em Oceanografia pela USP. É aficionada pelo cetáceos desde seus 8 anos, quando fez um trabalho na escola sobre o tema. Durante a adolescência, já dizia que queria trabalhar com baleias e muita gente não a levou a sério. No início dos anos 90, escutou o famoso vinil com a gravação das baleias cantando da revista da National Geographic e conheceu o movimento “Save the whales” e disso partiu sua maior obstinação: estudar e proteger as baleias. Hoje é pesquisadora do Instituto Baleia Jubarte, e se dedica diariamente ao estudo deste magnífico animal.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto Dani... Adorei saber um pouco mais sobre essas "gordinhas"!

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  2. Oi, Dani, seu trabalho é incrível! parabéns, bjs
    Isa

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