Por Fernanda Imperatrice Colabuono
As ilhas
oceânicas brasileiras são geralmente pouco conhecidas pela maioria da
população, porém possuem uma grande importância estratégica, econômica, e
claro, científica. São locais que abrigam uma vida riquíssima, incluindo
algumas espécies endêmicas, ou seja, que só existem naquele determinado local.
Duas destas ilhas, Fernando de Noronha e Abrolhos, são habitadas e/ou
utilizadas para o turismo, ainda que com restrições. Outras três ilhas, o
Arquipélago de São Pedro e São Paulo, o Atol da Rocas e a Ilha da Trindade,
ainda são lugares remotos, pouco conhecidos e com acesso mais restrito ainda.
Durante o meu doutorado no Instituto Oceanográfico, eu tive a oportunidade de
participar de expedições científicas a estes três locais, através de um projeto
de pesquisa que tinha como objetivo estudar a ocorrência de poluentes orgânicos
persistentes em locais remotos.
Fig.1. Localização das ilhas e arquipélagos oceânicos brasileiros e distância das capitais mais próximas. Fonte: Almeida, F.F.M. (2006).
Foto: Fernanda Colabuono. |
Foto: Fernanda Colabuono. |
O Arquipélago
de São Pedro e São Paulo fica a aproximadamente 1.100 km da costa do Rio Grande
do Norte, ou seja, quase na metade do caminho entre o Brasil e a África. São as
únicas ilhas oceânicas brasileiras localizadas no hemisfério norte. O trajeto
saindo da cidade de Natal até o Arquipélago de São Pedro e São Paulo é feito em
um barco de pesca e leva cerca de três dias para chegar. Minha ida para lá
foi em março de 2009 e me lembro que ao chegar no Porto de Natal e conhecer a
embarcação que transportaria eu e mais três pesquisadores, além da tripulação,
foi difícil acreditar à primeira vista que iríamos cruzar quase metade do
Oceano Atlântico daquela maneira. É claro que deu tudo certo, pois muitos
outros pesquisadores já haviam feito e ainda fazem esta viagem.
Embarcação para ir de Natal ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Foto: Fernanda Colabuono. |
Os pescadores
eram experientes e a condição do mar ajudou muito. Chegando nas proximidades do
Arquipélago de São Pedro e São Paulo, pudemos avistar apenas um conjunto de
pequenas ilhas rochosas. Estas ilhotas são, na verdade, os picos emersos da
cordilheira submarina dorsal meso-atlântica, que se estende por todo o Oceano
Atlântico, desde a região Antártica até o Ártico. Ao desembarcar na Ilha
Belmonte, que é a principal ilha do arquipélago e é onde se encontra a estação
científica, logo se percebe que as aves ocupam todos os espaços disponíveis
possíveis da ilha, seja com seus ninhos ou apenas como local de repouso. Os
atobás, os principais “anfitriões” do
Arquipélago de São Pedro e São Paulo, dominam o espaço da ilha e recebem todos
os seus visitantes com fortes bicadas. Espaço é um fator limitante para estas
aves, que estão sempre tentando defender seus territórios, da mesma maneira que
fazem com os indivíduos de sua própria espécie.
Foto: Fernanda Colabuono. |
Foto: Fernanda Colabuono. |
O Atol da
Rocas, também localizado próximo a linha do Equador é, na minha opinião, um dos
lugares mais bonitos e bem preservados que existem, graças a coragem e
perseverança das pessoas que trabalham e cuidam tão bem daquele local. Aliás,
estas são as duas principais qualidades que é preciso ter para trabalhar com
conservação ambiental. No início de 2010, eu passei cerca de 20 dias realizando
coletas no Atol da Rocas, que incluíam a amostragem de plásticos ao redor da
ilha. Estes plásticos chegam diariamente de fontes distantes, provavelmente
vindos de outras ilhas, do continente e de embarcações, e acabam se acumulando
nas praias do Atol. É impressionante como algumas ações humanas conseguem
impactar locais tão distantes e que às vezes nem sabemos que existem.
Foto: Fernanda Colabuono. |
Foto: Fernanda Colabuono. |
A minha última
expedição foi para a Ilha da Trindade, em janeiro de 2012. A Ilha da Trindade é
a maior de todas as três ilhas e está localizada a cerca de 1.200 km, fazendo parte da cadeia de montanhas
submarinas Vitória-Trindade. A ilha abriga diversas espécies de aves,
invertebrados e peixes, é um importante local de reprodução para as tartarugas
marinhas e possui uma flora rica em diversidade. Desde seu descobrimento, há
centenas de anos, a Ilha da Trindade vem recebendo visitas de navegadores e
pessoas ilustres como o astrônomo Edmund Halley
(https://en.wikipedia.org/wiki/Edmond_Halley) e o naturalista James Cook
(https://en.wikipedia.org/wiki/James_Cook). Consequentemente, também vem
sofrendo o impacto de ações humanas, como a introdução de animais exóticos, que
resultaram na modificação do ambiente, causando efeitos negativos que podem ser
vistos até hoje. Atualmente, estão instalados na ilha o Posto Oceanográfico da
Ilha da Trindade, comandado pela Marinha do Brasil e uma Estação Científica,
que é utilizada por pesquisadores de diferentes partes do país.
Foto: Fernanda Colabuono. |
Foto: Fernanda Colabuono. |
Participar
destas expedições, me proporcionou a incrível oportunidade de conhecer
ecossistemas tão diferentes, viver o dia a dia destes locais, observando o
comportamento dos animais e adquirindo conhecimento através da experiência,
como faziam os naturalistas a décadas e décadas atrás. Passar algum tempo
(mesmo que curto) em locais onde você tem que se adaptar a ambientes tão
distintos do que estamos acostumados, foram experiências de auto-conhecimento,
desapego e superação. Muitas vezes a comunicação com o mundo exterior é
limitada, ou não é possível, e você tem que lidar com o fato de que não terá
notícias de seus familiares e amigos por um tempo, e nem eles de você. Passar
um mês tomando banho apenas com água do mar, ou não ter um banheiro de verdade
para usar, pode parecer um pouco estranho, mas acabamos nos adaptando. No fim,
algumas destas experiências que até assustam um pouco no começo, acabam se
tornando agradáveis e depois até sentimos falta.
A sensação que
tive ao conhecer locais como estes, onde a natureza é predominante, é de que
você é apenas um visitante, que não faz parte daquele lugar e nem sequer foi
convidado para estar ali. Apesar deste comentário soar um pouco negativo, a
intenção é mostrar o quão forte é a presença da natureza em locais onde o ser
humano ainda não conseguiu modificar e se impor. São locais que pertencem à
fauna e flora que ali habitam, aves, peixes e diversos outros seres que se
adaptaram por milhares de anos a estes ambientes. E seria ótimo se
conseguíssemos mantê-los sempre assim.
Sobre Fernanda Colabuono:
Sobre Fernanda Colabuono:
Fernanda Imperatrice Colabuono é biológa e trabalha com aves marinhas desde 2001. Atualmente é pós-doutoranda do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, onde realiza pesquisas voltadas para a ecologia e conservação de aves antárticas, utilizando os poluentes e os isótopos estáveis como indicadores ecológicos e ambientais.
Com certeza um dos post mais bonitos que já vi por aqui! Além dos lugares serem maravilhosos, tuas fotos arrasam Fer! Parabéns pelo post!
ResponderExcluirMeu sonho de adolescente ao ler o livro do Luciano Candisandi era visitar o Atol das Rocas! Amei seu depoimento e viajei com você nesse post! Obrigada Fernanda!
ResponderExcluirMuito bacana!
ResponderExcluirSimples e marcante. Parabéns.
ResponderExcluirO Atol das Rocas é pedaço do território potiguar no meio do Atlântico sul.
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